Meia entrada, inteira estupidez, nenhuma vergonha

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meia-entrada A legislação concernente ao “direito à meia-entrada” engloba uma quantidade desanimadora de projetos de lei, de medidas provisórias e de decretos-lei — um verdadeiro emaranhado jurídico. Trata de temas como emissão de carteiras estudantis, qualificação jurídica de estudante, definição dos tipos de estabelecimento e eventos que serão enquadrados. É a prova de que o estado, ao interferir nas trocas voluntárias das pessoas, gera erros que antes não existiam.  Potencializa falhas que os legisladores insistem em remendar com leis adicionais, as quais geram novas falhas, sendo que bastava apenas revogar as anteriores. Defendo aqui a revogação da lei da meia-entrada.

Deparei-me com diversos sites de movimentos estudantis, e nele estão resumidos os sentimentos bárbaros que permeiam a mentalidade daqueles que aprovam essa determinação.

O primeiro argumento é o de que a meia-entrada é lei, como se algumas das maiores atrocidades da História não houvessem sido cometidas em nome das leis impostas pelos estados. Elas violam os direitos naturais dos indivíduos. Trata-se de legislação criminosa. É impossível concluir que há o dever de cumpri-la por meio de um argumento legal positivista. Ao contrário: há um dever moral de descumpri-la. Conforme lembra Thomas Jefferson, quando a injustiça se torna lei, a resistência se torna um dever. Uma solução bonita já praticada em alguns eventos é estender a meia-entrada a todos, afinal não há legislação que impeça isso. Basta dizer que o preço base é o dobro do preço praticado e não há nada que os legisladores possam fazer a respeito.

Outro bordão repetido constantemente é: “meia-entrada: um direito do estudante brasileiro”. Falácia. O estudante não possui direito à meia-entrada. Aliás, ele sequer possui o direito de entrar em um cinema ou teatro. Uma casa de espetáculos é propriedade privada do seu dono, assim como uma residência, plantação ou consultório médico. O uso econômico que o proprietário faz de seu imóvel não altera sua natureza privada e ele deve poder decidir quem nele entra. Ninguém tem o direito de entrar na residência de uma pessoa, e o mesmo vale para um cinema.

É possível, contudo, que o proprietário de um estabelecimento, ao buscar o lucro, firme um contrato com um indivíduo, permitindo que ele adentre o local mediante um pagamento. O dono do local tem o direito de exigir a quantia que quiser, e o consumidor decide se aceita ou não a oferta. O preço justo é aquele que resulta de um acordo voluntário entre as partes. Obrigar o empreendedor a adotar uma determinada política de preços é um ato de agressão. É uma violação do seu direito à propriedade privada, um direito negativo que impõe aos agentes externos a obrigatoriedade de não violá-lo. Direitos positivos tais como “direito à meia-entrada” impõe a terceiros uma obrigação de supri-los, conflitando com o direito negativo à propriedade. A lei deve proteger os direitos negativos apenas. Conforme nos explica Frédéric Bastiát em A Lei, um uso alternativo da legislação terá efeitos indesejáveis:

Quando a lei e a força mantém um homem dentro dos limites da justiça, elas o impõe nada mais que uma mera negação. Apenas o obrigam a se abster de causar dano. (…) Mas quando a lei, por intermédio de seu agente necessário – a força – impõe uma forma de trabalho, um método ou matéria de ensino, uma crença, uma adoração, ela não é mais negativa, ela age positivamente sobre os homens (…) Eles não mais terão necessidade de consultar, comparar ou prever; a lei faz tudo por eles. O intelecto se torna um fardo inútil; eles deixam de ser homens; eles perdem sua personalidade, sua liberdade, sua propriedade.

Há um órgão chamado Delegacia da Meia-Entrada, da UJE (União dos Jovens e Estudantes), cuja função é incitar estudantes a denunciar os estabelecimentos culturais e esportivos que não se adequarem à legislação da meia- entrada. Uma sirene de polícia serve como vinheta para o vídeo institucional do órgão. O empreendedor é visto como um inimigo em potencial, senão como um criminoso, sendo que tudo o que ele faz é sacrificar seu tempo e arriscar seu capital para fornecer serviços de entretenimento e cultura ao consumidor, visando o lucro. No auge da opressão socialista na Alemanha Oriental, um em cada seis adultos era informante do governo. A atitude dos movimentos estudantis lembra a dos informantes da Stasi, a polícia secreta da República Democrática Alemã.

Thomas Sowell certa vez disse que “A primeira lei da economia é a escassez. A primeira lei da política é ignorar a primeira lei da economia”.

A constatação de Sowell é clara no que diz respeito à Lei da Meia Entrada. Cinemas, teatros e shows são escassos. Qualquer intervenção estatal nos preços do setor gerará distorções que prejudicarão produtores e consumidores dos serviços de entretenimento.

Podemos deduzir da praxeologia que as empresas de cinema, teatros e shows estão lucrando menos do que lucrariam na ausência da lei, pois do contrário seus gestores aplicariam suas determinações voluntariamente. Empresários buscam maximizar o lucro de suas empresas. Menor lucratividade em um setor da economia implica necessariamente menor reinvestimento, menor atratividade para potenciais concorrentes e menores salários.

Menor reinvestimento acarreta redução na implantação de novas tecnologias e de métodos gerenciais que aumentariam a qualidade dos serviços prestados ou que reduziriam custos devido ao aumento na eficiência das operações. A menor atratividade reduz a concorrência, que é justamente a força que pressiona as organizações a inovar, abaixar seus preços e melhorar seus serviços. Pequenos empreendedores ficarão de fora do mercado. Hoje algumas poucas empresas controlam a quase totalidade dos cinemas. Salas baratas em bairros de periferia ou cidades do interior enfrentam dificuldades de se manter, sendo que muitas fecharam as portas. Antes desta legislação não só havia salas de cinema mais acessíveis como também era comum que pessoas de baixa renda fossem às mesmas salas frequentadas por pessoas de alta renda. Hoje, o Brasil, único país com lei de meia-entrada, apresenta os ingressos mais caros do mundo. Uma ida ao teatro, por exemplo, requer certo grau de planejamento financeiro.

Os menores salários pagos aos empregados do setor, um efeito que a esquerda estudantil se recusa a comentar, afetam todos os salários da economia. Os assalariados de outra indústria poderiam querer migrar para o ramo de eventos se a remuneração fosse maior, o que forçaria os empregadores a aumentar os salários daquela indústria se quisessem reter a mão-de-obra.

A lei da meia-entrada nada mais é que uma discriminação de preços imposta pelo estado. Essa prática já é adotada voluntariamente por empreendedores em diversos mercados. Casas noturnas costumam cobrar um ingresso menor de mulheres. Uma maior proporção de mulheres aumenta a atratividade da balada e o dono do local aufere maiores lucros ao discriminar preços por gênero. O mesmo acontece com as promoções do tipo “leve 3, pague 2”. Aqui a discriminação é relativa à quantidade comprada. O comerciante percebe uma elevada elasticidade na demanda de parte da sua clientela e lucra com esse tipo de oferta. Alguns estabelecimentos americanos oferecem descontos para veteranos de guerra. O motivo pode ser um apelo de marketing ou o patriotismo do empresário, mas o fato relevante para a economia é que, sendo uma decisão voluntária, é ela que maximiza a utilidade dos agentes envolvidos na troca.

Cabe ao empreendedor decidir se adotará uma estratégia de discriminação de preços, qual será ela, qual será o público-alvo e como ela será implantada. Em um mercado desregulamentado de cinemas, por exemplo, poderia haver cinemas especializados no público infantil, que exibiriam animações e ofereceriam descontos às babás. Outros seriam voltados para pessoas idosas e teriam maior facilidade de acesso. Haveria promoções de dia dos namorados, com filmes românticos o dia inteiro e desconto para os homens. Poderíamos nos deparar com salas especializadas em filmes cult ou mesmo em documentários. Estas seriam as principais candidatas a ter parcerias com escolas e universidades, oferecendo descontos aos estudantes de forma voluntária (e com uma genuína razão de existir).

O modus operandi estatal, porém, engloba todos os indivíduos com uma regulação que mina a iniciativa, a flexibilidade e a imaginação empreendedora. A precisão do cálculo econômico do empreendedor, sua propensão a assumir riscos e a necessidade de inovar são prejudicados, dificultando a existência desses arranjos.

Quando o estado força uma política de discriminação de preços, ele está se apoderando do papel do empresário, mas sem o seu incentivo de alocar recursos eficientemente para auferir lucros, e sem o conhecimento específico do mercado onde ele atua. O burocrata é um ignorante de todos os mercados. A lei da meia-entrada é um ato de planificação econômica que necessariamente terá um efeito predatório sobre a economia.

Engana-se o estudante que acredita estar obtendo alguma vantagem com a meia-entrada. A legislação não pode alterar os custos do produtor. Se o governo obrigá-lo a cobrar meio ingresso de uma pessoa, ele aumentará o preço base do ingresso para minimizar a perda de receita. Todos os outros pagantes arcarão com o custo. No Brasil, quase a totalidade dos ingressos vendidos em cinemas, teatros e shows são meias-entradas, que por isso custam praticamente o dobro do que poderiam custar imediatamente após a revogação dessa lei. O mercado ainda absorveria efeitos benéficos adicionais advindos da desregulamentação, que reduziriam ainda mais os preços.

A Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que limita a meia-entrada a 40% dos ingressos vendidos. Segundo os autores do projeto, a imprevisibilidade da demanda por meias-entradas é assim mitigada, permitindo que o empresário reduza os preços da admissão. Embora este argumento seja verdadeiro, o projeto de lei não resolve o problema. A agressão continua existindo, juntamente com todos os efeitos encarecedores do ingresso gerados pela menor lucratividade do setor e pelo ajuste do preço para mitigar a perda de receita.

Haverá ainda outra consequência nefasta. As pessoas correrão para comprar os ingressos com antecedência antes que a cota de 40% acabe. É provável que haja um esgotamento mais rápido de todos os ingressos, o que exigirá do consumidor um maior gasto com informação e planejamento. A corrida também poderá induzir um aumento dos preços, bem como a maior presença de cambistas.

Uma pessoa racional deve enxergar a hipocrisia por trás desta legislação, que diz proteger o idoso e o estudante, mas faz exatamente o contrário. Esta segregação das pessoas em categorias é uma mera abstração, que serve apenas à estratégia do estado de dividir para conquistar. Na prática, todos arcam com os custos do intervencionismo, mais cedo ou mais tarde. Um estudante não será estudante para sempre. Durante a maior parte da sua vida ele não o será, sendo obrigado a pagar um ingresso maior que o de um mercado desimpedido, seja o preço maior inteiro para si próprio ou a metade de um preço maior para os seus filhos.

O idoso pagará metade de um preço maior utilizando a poupança que acumulou ao longo da vida. Esta poupança é menor do que seria sem a lei da meia-entrada, pois ele passará a maior parte da vida pagando o preço maior inteiro. Aritmeticamente a legislação não faz o menor sentido.

Por derradeiro, refuto a ideia de que a lei da meia-entrada incentiva à educação. Tal afirmação é autocontraditória. Consideremos que a sólida ciência econômica e o forte senso de ética e moral fazem parte de um bom processo educativo. Uma legislação baseada em falácias econômicas e que incita à aquisição de vantagens gratuitas mediante agressão é, logicamente, antieducativa.

Mas nem todos saem perdendo. As organizações emissoras da carteirinha de estudante, que terão seu oligopólio assegurado pelo novo projeto de lei, ganharão muito dinheiro. Os políticos e burocratas também se beneficiam com os votos do curral eleitoral estudantil. É este o único objetivo dos legisladores. Se a intenção fosse nobre, bastaria reduzir os impostos, que são responsáveis por quase metade do preço dos ingressos. Os defensores de uma lei de meia-entrada, com ou sem cotas, estão apoiando estes interesses impudicos e indo contra os interesses legítimos dos indivíduos honestos.

2 COMENTÁRIOS

  1. O texto é ótimo vale apena conferir, os argumentos são puramente simples, mas negado pelo suposto “direito” que nada mais é que uma institucionalização da injustiça.

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