Capitalismo, socialismo e a armadilha neoclássica

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[Este artigo é o capítulo escrito por J. G. Milei publicado na obra The Emergence of a Tradition: Essays in Honor of Jesús Huerta de Soto, Volume II: Philosophy and Political Economy, editada por David Howden e Philipp Bagus.]

Ainda não tive a oportunidade de conhecer pessoalmente o professor Jesús Huerta de Soto. Eu, no entanto, já me sinto parte da legião que o reconhece como um dos grandes gladiadores que defendem as ideias da liberdade. Soube dele através de um ato de ordem espontânea. Eu, pouco antes, tinha acabado de publicar com alguns colegas um livro no qual apresentávamos propostas de política econômica que poderiam evitar o colapso do sistema argentino; e eu estava apresentando o livro num programa de rádio quando um ouvinte enviou alguns vídeos para mim. Tratava-se de gravações de uma aula na qual o professor discorria sobre a maneira como os preços poderiam ser usados na condição de mecanismo de transmissão de informações e para a coordenação e o ajuste econômico, o que, por sua vez, tornava evidente como o socialismo era impraticável — pois, na ausência de propriedade privada, os preços não podem ser praticados, promovendo-se, assim, o caos total. Eu imediatamente me tornei seguidor seu. Anos depois, a instituição Unión Editorial publicou o meu livro Desenmascarando la Mentira Keynesiana (“Desmascarando a Mentira Keynesiana”), que foi aceito pelo próprio Huerta de Soto para publicação dentro da seção que ele dirige. E as coisas boas não terminariam por aí. Num dia, o professor Bagus me convidou para dar uma palestra no programa de videoconferência Zoom como parte do curso dele. Eu estava falando sobre o meu envolvimento com a política quando, de repente, percebi alguma turbulência na reunião do Zoom. Fiquei surpreso ao ver o professor Jesús Huerta de Soto, que se juntou à reunião para me cumprimentar e me parabenizar pelo combate que estou travando na Argentina para fazer com que mais de cem anos de socialismo sejam deixados para trás. Eu, até hoje, luto para encontrar as palavras para descrever o quanto fiquei feliz pelo seu gesto, assim como o quanto sou grato por tudo que aprendi com o professor Jesús Huerta de Soto.

 

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Neste capítulo, irei examinar o confronto entre socialismo e liberalismo a partir da perspectiva neoclássica. A minha tese central é que, mesmo quando podemos encontrar neoclassicistas genuínos que se identificam como liberais, os estudos acadêmicos disponíveis sob o paradigma neoclássico se configuram, em última análise, funcionais ao socialismo.

Para estabelecer quando e onde ocorreu o desvio neoclássico, precisamos voltar às origens: Adam Smith (1776), especificamente a sua obra Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, assim como o modelo de crescimento econômico implícito nos livros I, II e III dessa obra. Mais adiante, revisarei o que considero a abordagem pessimista, posição que é derivada essencialmente de uma refutação malthusiana do otimismo de Adam Smith (Malthus, 1798) proveniente da sua descrição da fábrica de alfinetes (retornos crescentes de escala).

Uma vez estabelecidos os termos do debate, iremos analisar a matematização da economia, o papel de Pareto e o confronto entre Mises e Lange acerca da controvérsia sobre o socialismo, os pressupostos fundamentais da análise neoclássica e o modo como as supostas falhas de mercado abriram a caixa de Pandora da intervenção governamental, favorecendo, assim, o avanço do socialismo.

Smith, Malthus e os Clássicos

 Adam Smith, a Fábrica de Alfinetes, a mão invisível e o crescimento econômico

Qual foi a principal mensagem de Adam Smith? Adam Smith estava tentando explicar por que os países são ricos e por que eles crescem. Nesse sentido, podemos encontrar, na sua obra, cinco elementos que desempenham uma função importantíssima na explicação do seu modelo de crescimento econômico: o primeiro é o papel da poupança, que é usada para financiar o investimento e propiciar a acumulação de capital. Essa acumulação de capital possibilita o aumento da eficiência e da produtividade do trabalho, o que, por sua vez, eleva os salários reais e, dessa forma, permite que as pessoas alcancem uma condição mais aprimorada de vida. Além disso, para garantir que a poupança seja utilizada para investimentos da melhor maneira possível, a intervenção governamental, que sempre atrapalha o fluxo das atividades econômicas, deve ser minimizada. Na verdade, tudo que o governo realmente faz é macular o direito de propriedade, distorcendo os sinais de preços e os cálculos econômicos. É por esse motivo que o socialismo, na sua essência, destrói os sinais de preços a ponto de impedir o cálculo econômico, provocando a ruína da economia.

Outro elemento fundamental analisado por Smith, apesar de ter escrito a sua obra entre 1766 e 1776, é o papel dos trancos-e-barrancos na inovação tecnológica, entrelaçado com a ideia de aprendizagem experiencial. Smith essencialmente sustentou a ideia de que uma pessoa, ao realizar uma atividade, aprende com a experiência; e a ideia de que, à medida que ela aprende, a sua produtividade aumenta. Ao mesmo tempo, surgirá a noção subjacente de otimização, desencadeada pelo incentivo para a produção do máximo possível de bens com a utilização da menor quantidade possível de esforço. Em consequência, nessa busca por economia de tempo e esforço durante o aprendizado experiencial, descobre-se um aprimoramento tecnológico, manifestado como um salto na função de produção (ou deslocamento ascendente), o que também chamamos de choque tecnológico, salto tecnológico ou melhoria tecnológica. Ou seja, uma situação em que, com o mesmo número de horas de trabalho, a produção é muito maior.

Essa última descrição está alinhada com a moderna teoria do crescimento econômico (endógeno). Trata-se daquilo que, em termos simples, encontra-se por trás da parábola da fábrica de alfinetes — ou, falando mais tecnicamente, da presença de retornos crescentes de escala que propiciam o crescimento de longo prazo da produção per capita. De fato, o modelo de Solow-Swan (Solow, 1956), que se baseia no conceito neoclássico de função de produção (retornos constantes de escala e retornos marginais decrescentes para cada um dos fatores analisados isoladamente), é incapaz de mostrar uma taxa de crescimento da produção per capita uma vez que tenha sido atingido o equilíbrio de crescimento balanceado. Portanto, para evidenciar empiricamente um crescimento econômico, esse modelo recorre a um truque matemático no qual o progresso tecnológico se mostra exógeno.

Adam Smith, por sua vez, não apenas introduziu uma função de produção que poderia explicar o que aconteceria nos quase 250 anos seguintes à sua obra, mas também dotou o seu modelo de um processo de tomada de decisões, instrumentado na metáfora da mão invisível. Sob esse conceito baseado na cooperação social, cada indivíduo, guiado pelo seu próprio autointeresse, contribui na realidade para a maximização do bem-estar geral — ou seja, o modelo do Pai da Economia baseia-se em duas ideias fundamentais: a fábrica de alfinetes (retornos crescentes de escala) e o conceito da mão invisível (cooperação social sob ordem espontânea).

Além disso, a fábrica de alfinetes envolve também o foco nas habilidades e tarefas exigidas naquela atividade. Adam Smith propõe destacar o que acontece quando o trabalho é dividido (o que anda de mãos dadas com o processo de cooperação social implicitado pelo processo de mercado) em diferentes atividades para realizar um produto final. Smith, assim, emprega um exemplo para explicar que a divisão do trabalho promove um aumento significativo na produtividade. Nesse contexto, Smith nos convida a pensar nos resultados de uma pessoa que, em isolamento, propõe-se a fazer alfinetes. Concentrando-se em todas as dezoito especializações necessárias para produzir um alfinete, ela poderia hipoteticamente fazer cerca de vinte alfinetes por dia. Porém, se o trabalho com as suas respectivas especializações fosse dividido entre dez pessoas, a produtividade aumentaria para mais de quatro mil alfinetes per capita — isto é, a produtividade seria duzentas vezes maior.

Ao mesmo tempo, Adam Smith se perguntava até onde esse processo de divisão do trabalho poderia ir, cuja resposta era que o tamanho do mercado estabelece o limite da divisão do trabalho, pois: quanta produtividade faria sentido gerar caso fosse excedida a demanda do mercado? Se a produtividade exceder a demanda do mercado por alfinetes, o seu preço acabará entrando em colapso, e recursos e força produtiva serão desperdiçados numa direção não prioritária.

Em resumo: o que Adam Smith introduz é a questão dos retornos crescentes de escala, algo que não configura um assunto menor se considerarmos que, a partir do ano 1800, a população se multiplicou quase sete vezes até o ano 2000 (Maddison, 2007). Tenhamos em mente que, com o bilhão de habitantes atingido em 1810, Malthus — autor ao qual irei me referir mais adiante — argumentava que a densidade populacional levaria o mundo a um colapso resultante de uma fome generalizada. Portanto, é importante ressaltar o contraste, pois, em toda a realidade, o produto per capita se multiplicou quase dez vezes (Maddison, 2007) num contexto de população que se multiplicou por sete. Ou seja, os retornos crescentes são expostos por um tremendo aumento de produtividade, o qual, computado hoje, representaria um aumento de cem vezes.

Ao mesmo tempo, se analisarmos o assunto em termos matemáticos, devemos considerar que estamos falando de uma função com um formato convexo — ou seja, uma função convexa, que não é o mesmo que um conjunto convexo. Uma função convexa não é um conjunto convexo, pois, se dois pontos são unidos, a linha resultante está fora do conjunto de possibilidades produtivas. Numa função côncava, pelo contrário, se dois pontos são unidos, a linha está dentro do conjunto de possibilidades produtivas — e, portanto, estamos falando de um conjunto convexo (Starr, 2011). E, embora não seja intenção minha me debruçar sobre terminologia matemática, infelizmente todo o programa de pesquisa neoclássico baseado na maximização restrita colocada num formato matematicamente inadequado nos permite explicar o desvio neoclássico. Ademais, inclusive para os economistas que são verdadeiros liberais no seu modo de pensar, o paradigma em questão os empurra para “a presença de falhas de mercado” de forma a buscar “fundamentos razoáveis para a intervenção governamental” (Laffont, 1988) — o que, em última análise, coloca em movimento a atividade de perfuração da crescente máquina de intervenção que Hayek tão claramente imaginou no seu livro O Caminho para a Servidão (Hayek, 1944).

Além disso, ao examinar a formulação matemática da caixa-de-ferramentas neoclássica, o conceito da fábrica de alfinetes (pilar metodológico para explicar o crescimento endógeno) entra em conflito com a ideia da mão invisível, que é um dos elementos mais maravilhosos apresentados na obra de Adam Smith. Wilfredo Pareto, assim, iluminado pela força conceitual da brilhante metáfora que afirmava que cada indivíduo, movido pelos seus próprios interesses — e inclusive de maneira não intencional —, contribui para a maximização do bem-estar geral, iluminado também pela sua bela contraparte matemática, foi levado a declarar “a falência da fábrica de alfinetes”, arremetendo a análise econômica para o caminho obscuro dos retornos marginais decrescentes.

Thomas Malthus, retornos marginais decrescentes e pessimismo

Assim, o otimismo promovido por Adam Smith sofreu a oposição de uma brutal onda de pessimismo, essencialmente iniciada por Thomas Malthus. O eixo central de Malthus nessa discussão se baseava na ideia de retornos marginais decrescentes em vez da consideração de uma função de produção com retornos crescentes de escala; ou seja, agora a função de produção seria caracterizada por uma função côncava (e, portanto, o conjunto de produção seria convexo).

Essa visão do sistema produtivo, aliada àquilo que Malthus chamou de “paixão entre os sexos”, fez com que ele fosse levado a conclusões errôneas. Esse postulado sustentava que, quando a população estava abaixo do “nível de equilíbrio”, isso resultava num número mais significativo de recursos per capita (dada a maior produtividade marginal do trabalho), o que induzia mais atividade sexual, a qual fazia o tamanho da população aumentar. Isso prejudicava o mercado de trabalho, uma vez que o aumento do número de trabalhadores desvalorizava o salário real por meio da queda na produtividade marginal à medida que o trabalho aumentava. Naturalmente, esse processo continuaria até que o salário real caísse para o nível de subsistência. Reciprocamente, se a população aumentasse acima do nível de equilíbrio, a menor produtividade marginal do trabalho moveria os salários para abaixo do nível de subsistência, provocando a fome até que a população diminuísse para o nível de equilíbrio.

Em última análise, o tamanho da população estaria alinhado com o nível do valor da produtividade marginal do trabalho (para uma função com retornos marginais decrescentes) que equivalesse ao salário de subsistência — o que recebeu o nome de Lei de Ferro dos Salários. Finalmente, se ocorresse por algum motivo um aprimoramento tecnológico, ele seria automaticamente absorvido por um aumento da população, de modo que o salário real retornaria ao nível de subsistência.

Na época de Malthus e com as informações históricas então disponíveis, a hipótese não parecia ruim porque, entre os anos 0 e 1800 (da era cristã), o produto per capita crescia a uma taxa de 0,02% ao ano; praticamente nada. Além disso, nesses 1800 anos, esse crescimento do produto per capita significou uma elevação total de 40%, concentrado principalmente durante o século após o descobrimento da América, como resultado do aumento do “comércio” internacional.

Nesse sentido, se você pedisse a um econometrista que estudasse os dados naquele momento da história, ele teria rejeitado a hipótese de Adam Smith e concordado com a possibilidade de que Thomas Malthus estivesse certo. Todavia, quando olhamos para o que aconteceu depois, percebemos que nada poderia estar mais longe da verdade. Malthus estava grosseiramente errado, e Smith estava certo. De fato, o ressurgimento da teoria do crescimento econômico com o artigo de Paul Romer (Romer, 1986) (pelo qual recebeu o Prêmio Nobel de Economia), resultado da sua tese em Chicago orientada por Robert Lucas Jr. (um discípulo de Hirofumi Usawa, criador do modelo de crescimento bisetorial [Usawa, 1961] com capital humano na década de 1960), não apenas retoma a obra de Adam Smith, mas também os debates de Young e Marshall do início do século XX, que procuravam explicar o crescimento econômico no nascente mundo neoclássico. Isso significa que, no início do século XX e à luz dos dados disponíveis, a teoria dos retornos crescentes era evidente, e aqueles que defendiam a existência de uma função de produção com retornos marginais decrescentes eram deixados de fora da discussão.

A tradição neoclássica e a origem do erro

 Equilíbrio Geral, Otimalidade de Pareto e a mão invisível

Agora, depois de rever de forma simplificada a controvérsia entre Smith e Malthus (e todos os seus herdeiros até Solow-Swan), estamos prontos para abordar o motivo pelo qual a tradição neoclássica acaba sendo funcional para o socialismo e se tornando, de forma não intencional, cúmplice dos diferentes tipos de modelos keynesianos na destruição da ordem de mercado, a qual não conduz a nada mais que a ordem emergente da cooperação social.

Do meu ponto de vista — e trata-se do argumento central nesta minha exposição —, o desvio acontece quando, com a introdução da matemática na economia juntamente com o conceito de otimalidade de Pareto, ocorre uma tentativa de alinhá-la com a ideia da mão invisível. Inicialmente, “isso não parece ser uma má ideia”; e na verdade não é uma má ideia para uma economia de pura troca sem nenhuma produção. Assim, partindo de um dado ponto, o objetivo é aprimorar as instâncias aprimoráveis para os indivíduos sem provocar pioras para ninguém; e, quando essas possibilidades de aprimoramento são esgotadas, exauridas, percebe-se que a otimalidade de Pareto foi atingida. Em outras palavras, o objetivo é alcançar o máximo de bem-estar social (além da não insignificante questão da instrumentação), no qual ninguém seria capaz de aprimorar a sua situação sem afetar negativamente os outros. No entanto, o problema surge com a sua maior força quando a ideia da otimalidade de Pareto numa economia com produção é associada à ideia da mão invisível num contexto de otimização matemática, conceitualmente mal projetada a partir da ligação do setor produtivo com os indivíduos proprietários dessas empresas.

Formalmente, do lado dos consumidores, podemos observar a função de utilidade, a qual apresenta a forma de um sino; e, se você cortasse uma parte dele, seria capaz de ver ali dentro o mapa de indiferença (as curvas de nível ou indiferença), o que poderia tomar uma forma semelhante a uma banana ou a uma ferradura de acordo com as suposições que você deseje fazer em relação aos níveis de satisfação, desde que você tenha em mente a maximização da função (de tal modo que se permita encontrar um máximo). Por sua vez, a demanda por bens e a oferta de fatores resultarão desse sistema. Por outro lado, ao observar a empresa, aparecerá uma função de produção, com retornos constantes de escala (isto é, lineares) ou com retornos marginais decrescentes. Quando isso acontece, o lucro pode ser maximizado, e a demanda por suprimentos e fatores é obtida, derivando a oferta de bens para maximizar o lucro.

Portanto, agora com funções (correspondências) que são derivadas de estruturas maximizadoras, tanto do lado dos consumidores quanto do lado dos produtores, as funções emergentes de oferta e de demanda (correspondências) são ótimas. Por sua vez, quando as funções de excesso de demanda (correspondências), que são o resultado da demanda menos a oferta em cada um dos mercados, têm a característica de serem funções contínuas (correspondências) (semicontínuo superior), a soma/subtração de funções contínuas (semicontínuo superior) configura uma função contínua (semicontínuo superior), de modo que é possível aplicar o Teorema do Ponto Fixo de Brouwer (Kakutani para correspondências), por meio do qual se comprova a existência de equilíbrio. Finalmente, se as funções apresentam determinadas condições, funções estritamente côncavas em consumidores e produtores, esse equilíbrio é único. Em consequência, o equilíbrio, agora, não só existe, mas também é único. Aliás, se, além disso, os efeitos diretos são mais significativos que os efeitos cruzados, esse equilíbrio se configura estável (Debreu, 1959; Arrow & Hahn, 1971; Starr, 2011).

Naturalmente, visto que as funções (correspondências) que explicam a existência do equilíbrio estão associadas à maximização de cada um dos agentes da economia, dos consumidores e das empresas, o equilíbrio geral resultante também constitui a otimalidade de Pareto. Nenhum indivíduo poderia aprimorar o seu bem-estar sem causar algum dano a outros. Um mundo “maravilhoso”, exceto pela sua falta de validade empírica, pois os últimos 250 anos provaram a existência de retornos crescentes. E é aí que surge “o problema” das não convexidades, o qual, diante dos danos que elas causam à otimalidade de Pareto, exige a correção das “falhas de mercado” pelo governo.

Programa de pesquisa neoclássico, socialismo e Rothbard

É aqui que surgem dois debates. Por um lado, quando nos aprofundamos na análise neoclássica, sempre quando o resultado não estiver conforme as restrições impostas pela matemática da otimização, precisamos entrar no campo das supostas falhas de mercado, que são basicamente o resultado de (1) não convexidades (estruturas de mercado concentrado) cuja contraparte matemática são funções com retornos crescentes (não maximizáveis a menos que uma restrição efetiva seja aplicada ao conjunto de dotações iniciais); (2) bens públicos; (3) externalidades, tanto no consumo quanto na produção; e (4) a presença de informações assimétricas.

Por outro lado, caso nós nos concentremos no modelo neoclássico de crescimento econômico de Solow-Swan, como é que seja possível que o processo de acumulação de capital, de tamanha importância, responda por apenas 15% (Solow, 1957)? A resposta é que a produtividade e a sua evolução ao longo do tempo estão relacionadas a retornos de escala. Em outras palavras: como pode ser que a teoria neoclássica afirme que os monopólios sejam ruins se, durante esse processo, o nível de pobreza extrema no mundo diminuiu de 95% para 5% em meio a um aumento de prosperidade sem precedentes na história da humanidade? Isso parece não fazer sentido algum — e quem consegue desvendar esse mistério é Murray Rothbard no seu artigo “Monopólio e Concorrência”, que faz parte do livro Homem, Economia e Estado (Rothbard, 1962).

Murray Rothbard, os danos dos monopólios e a otimalidade

A rigor, para determinar se os monopólios são ruins ou não, é necessário entender a sua definição. De acordo com Lord Coke, o monopólio configura um privilégio especial concedido pelo governo, por meio do qual um setor produtivo específico é reservado em prol de um determinado indivíduo ou grupo — e onde a participação de outros membros da sociedade é proibida, imposta pelo aparato repressivo do governo.

Existem, portanto, apenas duas maneiras de estabelecer preços para os bens. Uma delas é o jeito do livre mercado, em que os preços são estabelecidos voluntariamente pelos indivíduos participantes do mercado, beneficiando assim todos aqueles que realizam trocas. A outra maneira é a intervenção violenta no mercado por meios hegemônicos, em que os preços são impostos com a exclusão das trocas livres e a introdução da exploração do homem pelo homem, pois acontece exploração sempre quando ocorre uma troca submetida à coerção. Em consequência, não importa se há um fornecedor ou milhões deles; o que é importante é se existe liberdade ou coerção. Assim, no caso do livre mercado, consumidores e produtores regulam os seus atos em cooperação voluntária. Portanto, não faz sentido falar em preços monopolistas (como sinônimos para preços “altos” e restrição da produção) quando não há coerção e o acesso ao mercado é livre. Nas palavras de Mises (1952, p. 115): “Se é para alguém levar a culpa pelo fato de o número de participantes no mercado não ser maior, então aqueles que já estão operando no mercado não são o alvo, mas sim aqueles que ainda não entraram no mercado.”

Portanto, não há nada de errado com um monopólio, a menos que ele seja resultado de uma ação violenta perpetrada pelo governo. De fato, dentro de uma estrutura de trocas livres, se um produtor é capaz de capturar todo o mercado, ele satisfez com sucesso as necessidades dos seus semelhantes ao lhes fornecer um produto de melhor qualidade a um preço mais baixo. Além disso, seria inútil ser o único vendedor de cubos de gelo na Antártida — ou produzir com exclusividade todo o vinho numa comunidade de abstêmios. Ademais, mesmo quando uma situação tão extrema pode não surgir, existe sempre o possível surgimento de um bem substituto que limite a capacidade de negociar o preço. Portanto, aquele que usa instrumentos legítimos permaneceu o único produtor; longe de ser um tirano, é na verdade um benfeitor social; e irá à falência assim que deixar de satisfazer as necessidades dos seus semelhantes.

Por outro lado, a existência de monopólios suscita a questão dos retornos crescentes, o que conduz ao problema da otimalidade de Pareto e, junto com ele, à possibilidade de uma empresa assumir o controle da economia. Em relação ao primeiro caso, não é verdadeiro que uma função crescente não possa ser maximizada quando existe um limite no número de suprimentos. Na verdade, o lucro máximo seria dado quando a dotação de fatores da economia fosse esgotada, exaurida. Com base nesse resultado, surge a questão do tamanho do monopólio. No entanto, essa consideração decorre do desconhecimento da questão da impossibilidade de aplicação do cálculo econômico: se esse planejamento central era realmente eficiente, por que não foi estabelecido pelos indivíduos que buscam lucros no livre mercado? Ademais, o fato de que tal caso nunca foi voluntariamente constituído, assim como o fato de que o poder coercitivo do governo é necessário para criá-lo, comprova claramente que esse método de modo algum seria o mais eficiente para satisfazer as demandas dos indivíduos.

Finalmente, encontramos o problema em torno da magnitude dos lucros e da destruição de empregos pela retração das quantidades, caindo naquilo que Bastiat/Hazlitt definiria como a falácia da janela quebrada. Nesse sentido, se os “monopolistas” decidissem poupar os seus lucros, tais lucros seriam reinvestidos noutros setores, gerando, assim, empregos noutro setor. Se os reinvestissem, empregos seriam criados. Se decidissem consumi-los, empregos seriam criados onde eles colocassem essa demanda. Se acumulassem o dinheiro ou o destruíssem, a quantidade nominal de dinheiro cairia até que os equilíbrios reais fossem restaurados, beneficiando todos na economia. Em consequência, nenhum dano seria causado à economia enquanto a presença de retornos crescentes constitua uma fonte de crescimento que eleve o bem-estar. Portanto, a existência de monopólios num contexto de entrada e saída livres configura uma fonte de progresso; e a obsessão constante dos políticos em controlá-los só acabará prejudicando os indivíduos que eles estão tentando auxiliar.

Socialismo versus Capitalismo em Formato Inválido

Quando estava na universidade, eu me lembro de uma disciplina chamada “Sistemas Econômicos Comparados”. Naturalmente, antes de passar às questões empíricas, o arcabouço teórico incluía uma comparação entre a análise do equilíbrio sob concorrência perfeita e o “equilíbrio” sob a solução do planejador central socialista.

Todas as suposições necessárias para derivar um equilíbrio ótimo de Pareto eram tomadas como ponto de partida. Dessa maneira, as funções de demanda e oferta (e, portanto, as funções de excesso de demanda) eram determinadas a partir de formatos específicos para a função de utilidade, para a função de produção e para as dotações dadas, de modo que o conjunto resultante de funções de excesso de demanda permitia não apenas encontrar um equilíbrio único e estável, mas também um ótimo de Pareto. Em outras palavras, um processo descentralizado gerava um ótimo de Pareto sem a necessidade de intervenção governamental.

Por outro lado, o caso do planejador central propiciava um ótimo de Pareto. Nessa fase, o problema torna-se perceptível: parte-se da ideia de que a função de bem-estar social seja conhecida. Por sua vez, desde que o exercício esteja submetido à mesma restrição física, presumir uma função de utilidade/bem-estar que envolva o conhecimento das preferências de todos os indivíduos da economia acerca de todos os bens da economia significa alcançar um resultado que seja semelhante não apenas em termos de quantidades ao equilíbrio concorrencial, mas também que se distribua da mesma maneira; portanto, o equilíbrio sob o planejamento centralizado permite o mesmo equilíbrio ótimo de Pareto a ser alcançado.

Suponhamos que, até aqui, ambos os sistemas sejam equivalentes. O problema, agora, é que os contextos estão sob o conjunto de pressupostos neoclássicos. Quando aparecem alguns dos problemas mencionados nas seções anteriores, como a não convexidade (retornos crescentes), isso leva à conclusão de que a produção sob monopólio é menor que a produção sob concorrência perfeita; como consequência, a economia se afasta da otimalidade de Pareto, e é aí que surgem as bases para o intervencionismo. Entretanto, olhando para a análise dos monopólios fora da perspectiva neoclássica e compreendendo a cooperação social subjacente ao processo de mercado, tentar interferir com esses monopólios decorrentes das livres entrada e saída concorrenciais apenas provocará danos. Ademais, existe um erro adicional ligado à extrapolação de um caso de equilíbrio parcial para um caso de equilíbrio geral por meio da omissão da existência da substituição de bens pelos consumidores.

Finalmente, como se não bastasse o que foi acima mencionado, a presunção do conhecimento da função de bem-estar geral, a qual envolve saber as preferências de todos os indivíduos da economia sobre todos os bens da economia — saber a medida “exata” sob a qual eles são combinados para determinar uma função objetiva que permita alcançar um equilíbrio “ótimo” —, significa cair naquilo que Hayek chamou de “arrogância fatal”.

Em resumo: a origem da catástrofe foi a validação de um modelo laboratorial baseado numa série de postulados irrealistas que acabaram por dar suposta viabilidade à intervenção violenta nos mercados em busca de um suposto bem-estar máximo que apenas promove a ruína da economia e da sociedade. É assim que aparecem coletivistas e falsos vingadores sociais, buscando punir um grupo de pessoas ao lhes roubar os frutos do seu trabalho para entregá-los a outros.

Ademais, dentro do modelo acima citado, cabe destacar que, sob a perspectiva neoclássica, o progresso tecnológico não configura um ótimo de Pareto — e, portanto, sem progresso tecnológico, nenhum crescimento é possível (Barro & Sala-I-Martin, 2004). Mas, além disso, se trabalharmos com funções de produção estritamente côncavas, o crescimento também não pode ser explicado (exceto pelo truque de externalidade do capital agregado de Marshall/Young). Então, se você possui uma teoria econômica conceitual no laboratório que não é realmente aplicável na prática, ela não apenas é inútil, mas o seu uso conduzirá a desastres como o comunismo, o qual é sempre uma ameaça dentro do círculo vicioso de intervenção que Hayek brilhantemente descreveu na obra O Caminho para a Servidão.

Conclusão

O paradigma neoclássico, baseado na concorrência perfeita, tentando construir um equilíbrio que existe, que é único e estável, gerando, por sua vez, otimalidade sob o conceito de Pareto, culminou num abuso da matemática que, em última análise, acabou por ser funcional ao socialismo. Perceba-se que, sempre quando surgem situações que não condizem com a estrutura matemática, elas são consideradas “falhas de mercado”, e é aí que o governo parece corrigir essas falhas. Entretanto, para resolver com sucesso esse problema, supõe-se que o governo saiba a função de utilidade de todos os indivíduos (preferências) para o passado, o presente, o futuro, assim como a taxa de preferência temporal, e conheça a situação da tecnologia atual e todos os aprimoramentos futuros, juntamente com as suas respectivas taxas de amortização. Em resumo, para resolver o problema em questão, o governo deve ser capaz de dominar uma quantidade significativa de informação que, por definição, os próprios indivíduos ignoram (ou com a qual não são capazes de lidar) — o que expõe a contradição que é a ideia do estado assistencialista atuando no mercado para corrigir falhas.

A contraparte conceitual desse problema é o caso de Robinson Crusoé. Suponha-se que paremos para refletir sobre isso por um tempo. Nesse caso, perceberemos que Crusoé, num momento, opera como consumidor e que, noutro, opera como produtor, iniciando então um processo de tentativa-e-erro que lhe permite encontrar o vetor de equilíbrio de preços de forma que, no final do dia, ele possa decidir quanto consome e quanto trabalha — algo que é obviamente bastante inventado.

Portanto, quando se deixa claro que a correção de falhas de mercado pelo governo, tal como proposta no paradigma neoclássico, é conceitualmente inválida, levando-se em consideração que os únicos que podem internalizar esses efeitos são os indivíduos, uma vez eliminada a separação artificial dos processos de tomada de decisão, não mais existirá qualquer motivo para a intervenção governamental — o que não apenas irá sustar o avanço socialista, mas também irá nos permitir contra-atacar.

 

 

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Referências

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Barro, R. & Sala-I-Martin, X. (2004). Economic Growth. MIT Press.

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Usawa, H. (1961). Neutral Inventions and the Stability of Growth Equilibrium. Review of Economic Studies, 28(February), 117–124.

4 COMENTÁRIOS

  1. Milei que em suas próprias palavras se identifica com a direita liberal e pró-i$rahell não passa de um fantoche de sião, leitorzinho da cabala que vai colocar a Argentina mais escrava dos juros da sinagoga. A Argentina assim como o resto do mundo “livre”e globalista (sociedades abertas) é uma colônia de banqueiros.

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