Mao Zedong dizia que um milhão de agulhadas matariam até um elefante. Considero o que vou descrever a seguir como uma quase simbólica agulhada desferida contra o paquiderme estatal brasileiro.
Em janeiro de 2024 comprei uma jaqueta impermeável que vi anunciada no Instagram. Barata, de um site brasileiro, mas depois reparei que viria da China. Minha maior preocupação naquele momento era se a versão chinesa do tamanho caberia em mim.
Qual não foi minha surpresa, 3 meses depois, quando descobri que minha encomenda havia sido retida em Curitiba, e que se quisesse ver minha jaqueta com vida deveria pagar uma taxa de 60% de seu valor. Resignado, paguei a taxa, se não pagasse perderia mais.
Algumas semanas depois, recebi alguns amigos em casa para um churrasco, e durante a conversa veio a sugestão: “Você sabe que você pode processar a União se eles te taxam importações de menos de 50 USD né?”. Eu não sabia. Naquele mesmo dia escrevemos o documento, e enviei o processo pelo site do TRF3.
Eu já havia me esquecido que o processo ainda estava em curso, contente em ter protestado contra a injustiça da taxação, e gerado ao estado custos maiores do que ele havia obtido em dinheiro me taxando. Recebi então uma carta da justiça federal me informando que uma decisão relativa ao meu processo havia sido tomada.
Quando abri o site para consultar me deparei com o seguinte resultado:
Mas não foram apenas R$ 2,54. Foi uma vitória simbólica, do indivíduo sobre o estado; uma demonstração da infinita ineficiência do aparato estatal e uma história muito engraçada para contar.
Observem que apesar de a taxa recolhida, e posteriormente devolvida a mim não chegar a valer sequer um dólar, o custo declarado do processo para a União foi de R$ 1.412,00, entre horas despendidas em análise e julgamento. Sendo realista, o custo provavelmente é bem maior.
Em um tom mais sério agora, podemos citar três principais pontos para justificar o despendimento de tempo nesse tipo de processo de valor relativamente baixo.
A taxação dessas pequenas compras era, na época em que ainda existia a isenção para compras abaixo de 50 dólares, feita de forma consciente, sabendo que pouquíssimas pessoas reagiriam juridicamente a apropriação indevida de um valor relativamente pequeno. Tais processos, todavia, se feitos em número suficiente serviriam de desincentivo à essa prática, inclusive porque seu custo para a União acaba sendo muito maior do que o montante arrecadado pela taxa.
A PGFN existe para proteger o estado do cidadão em causas tributárias. Seus recursos embora extensos são finitos, e cada processo ocupa uma parcela desses recursos, que poderiam estar sendo usados para perseguir causas maiores.
O montante arrecadado seria utilizado pelo estado para fins que muito provavelmente seriam contrários aos interesses do cidadão e da sociedade.
Por fim, a título de curiosidade: A jaqueta não servia em mim, o tamanho era completamente diferente do que o site anunciava, mas por sorte serviu razoavelmente bem para minha mãe, que acabou ganhando-a de presente.
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