A esquerda moderna não é marxista; é ainda pior que isso

8
Tempo estimado de leitura: 7 minutos

A esquerda atual é marxista? Em um comentário provocativo, Bill Lind explora essa questão genealógica e, a menos que eu esteja enganado, a esquerda e muito de sua oposição da mídia apoiariam suas conclusões. Uma vez que a Antifa se descreve como marxista, quando não se autodenomina anarquista, e como as principais figuras do Partido Democrata, como Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez, certamente não se esquivaram do rótulo marxista, pareceria que a esquerda de hoje é autenticamente marxista.

Mas, exceto em suas extremidades, a esquerda atual não é o que afirma ser. A esquerda de hoje tem uma origem e orientação diferentes daquilo que foi historicamente entendido como marxista ou marxista-leninista; e usar esse termo para designar as características de nossa esquerda atual é, na melhor das hipóteses, problemático. Nem os marxistas nem os governos marxista-leninistas evidenciaram o radicalismo cultural que a esquerda de hoje expressa todos os dias. Embora tenha havido membros do Partido Comunista nos países ocidentais que foram exibicionistas sexuais, e até mesmo um breve período na Rússia após a Revolução de novembro de 1917 quando o amor livre era permitido, geralmente os comunistas têm estado do lado conservador em questões como homossexualidade e o questionamento de identidades sexuais fixas. A esquerda tradicional teria atribuído as atividades LGBT atuais à “decadência burguesa”.

Na União Soviética e por muito tempo em todo o bloco soviético, a experimentação artística era vista com maus olhos, incluindo música da técnica dodecafônica da Segunda Escola Vienense, bem como o expressionismo abstrato. Os regimes comunistas enviaram gays para campos de trabalho, e revolucionários comunistas como Fidel Castro e Che Guevara odiavam a homossexualidade e, no caso de Guevara, também odiava os negros.

É difícil ver esses revolucionários marxistas como precursores da esquerda interseccional atual. Na verdade, os capitalistas corporativos estão muito mais próximos dessa força do que os marxistas tradicionais. Os executivos da PepsiCo, Citibank e da NFL, que apoiam Black Lives Matter (BLM) e desejam eliminar a oposição da direita cultural, são revolucionários econômicos que desejam uma sociedade socialista? Perdoe meu ceticismo!

O verdadeiro marxismo tem sido sobre contradições e transformações socioeconômicas, não sobre a necessidade de banheiros para transgêneros e a abolição dos papéis de gênero. Os partidos comunistas na Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial se opuseram veementemente à imigração de mão de obra barata do exterior, vendo-a como um ataque à força de trabalho local. A esquerda atual, em contraste, trata de abrir fronteiras e preencher os países ocidentais com populações empobrecidas do Terceiro Mundo como um ato de contrição pelo racismo cristão branco, ou como uma fonte do assim chamado enriquecimento cultural.

O regime soviético e os partidos comunistas fora da União Soviética condenaram a filosofia da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt como uma distorção do marxismo. Só podemos imaginar o que eles teriam pensado da evolução posterior do que Lind e outros chamaram de “marxismo cultural”. Lind observa corretamente que a Escola de Frankfurt na Alemanha entre guerras forneceu o berço para esse movimento, que tentou fundir as teorias de Freud sobre a repressão sexual com a economia socialista. Mas o resultado parecia muito mais uma guerra cultural contra as atitudes sociais reacionárias do que um esforço sério para planejar uma economia marxista.

Depois que a Teoria Crítica migrou para os EUA por meio da Universidade de Columbia na década de 1930, ela passou a se parecer ainda menos com o marxismo e muito mais com um prelúdio para nossa atual revolução cultural. Algum clichê socialista permaneceu ligado a esse tipo de pensamento, mas tornou-se estranho à sua mensagem real, que é a subversão do que me parecia ser uma sociedade normal quando eu era uma criança na década de 1950.

Não estou disposto a conceder aos marxistas culturais um pedigree marxista simplesmente porque reivindicaram essa ancestralidade. Hoje em dia, a mídia e as celebridades políticas reivindicam para si todos os tipos de rótulos, e pode-se facilmente provar a falsidade da maioria deles. O que torna uma feminista lésbica na Fox News uma “conservadora” além do fato de que ela aparece em um canal geralmente republicano e afirma que ela vota no Partido Republicano? O que torna um comentarista culturalmente radical da CNN um “progressista”, a não ser o fato de que alguns em cargos importantes decidiram aplicar esse termo a si próprios? O que o colunista Jonah Goldberg tem em comum política ou filosoficamente com Edmund Burke ou, por falar nisso, o âncora da CNN Jake Tapper com Thomas Jefferson? Se eu decidir me chamar de algo que não sou, isso não se tornará verdadeiro, independentemente de quanto apoio da mídia eu possa encontrar para esta alegação.

Eu concedo a Lind que os radicais culturais de hoje, que infelizmente estão se tornando populares, são de esquerda. Eles são esquerdistas porque são guiados por quatro princípios ou práticas definidores de esquerda. Um é o globalismo ou universalismo, que no caso da esquerda atual assume a forma de uma repulsa sem limites pela sociedade cristã ocidental e sua população predominantemente branca. A esquerda em sua essência nega a particularidade e a santidade das tradições locais e nacionais.

O segundo princípio quintessencialmente esquerdista que se aplica a nossos revolucionários culturais é a adoração da igualdade como o valor mais alto. Pode-se facilmente imaginar os não esquerdistas reconhecendo algum bem limitado na ideia de igualdade, por exemplo, garantindo igualdade legal a todos os cidadãos ou súditos reconhecidos de um estado. Mas a esquerda tem fixação na igualdade e busca aproveitar o poder político e educacional para obliterar as distinções humanas.

O terceiro princípio ou prática esquerdista é o apelo à expansão do que chamam de direitos humanos, uma vez que os direitos naturais historicamente fundamentados não promovem a igualdade ou a “dignidade humana”, que para eles significa a extinção das distinções sociais e históricas. Isso inverte o sábio conselho de Aristóteles no início do livro quatro de Política, de que as leis (nomoi) devem caber a governos específicos (politeiai). A posição esquerdista é exatamente o oposto: costumes e convenções há muito estabelecidos deveriam dar lugar ao que jornalistas e acadêmicos considerem propício a uma maior igualdade.

Uma quarta crença esquerdista diz respeito à suposta fluidez e maleabilidade da natureza humana, vista, por exemplo, na insistência de que todas as identidades de gênero podem ser mudadas. Os administradores públicos e tribunais devem defender nosso direito de redefinir nosso gênero sempre que quisermos; e outros devem então ser obrigados a nos tratar de acordo com nossa identidade de gênero trocada. Esta última crença esquerdista contrasta com a noção conservadora de que as identidades humanas estão enraizadas na tradição e na natureza. Talvez em nenhum outro lugar mais do que nesta ênfase na fluidez de gênero contemplemos a forma mais radical de esquerda, talvez em uma manifestação ainda mais grotesca do que em esquemas estúpidos como a nacionalização da economia.

Em 20 de setembro de 2020, o editor geral do Post Millennial, Andy Ngô, relatou que durante um motim do BLM em Portland, que consistia quase inteiramente de brancos, os manifestantes gritaram “a vida dos trans negros é importante!” enquanto queimavam uma bandeira americana. Essa rebelião ocorreu em nome de uma identidade de gênero fluida e sem limites, e foi liderada por brancos anti-brancos.

A ideia de que os humanos ainda não descobriram suas identidades ocultas pode ser encontrada nos primeiros escritos de Marx, nos quais se argumenta que “a espécie homem” foi alienada de si mesma pela forma de produção dominante. Somente o movimento em direção a uma sociedade socialista tornará possível aos humanos descobrir quem eles realmente são. A visão alternativa defendida pelos conservadores, como Russell Kirk enfatiza em The Conservative Mind (1953), é que os seres humanos têm um contexto ao qual pertencem. Não devemos procurar nos reinventar. Muito menos deveríamos exigir que o governo imponha nossa última concepção fantasiosa de quem somos a nossos concidadãos.

Em uma defesa eloquente e autopublicada da direita, A Primer on the Right (2020), Robert E. Salyer observa corretamente:

    A Direita afirma que a vida real é uma síntese. O homem é real e o homem é muitos. Os direitos e deveres humanos são necessariamente relacionais, implicando a precedência de sociedade, ordem e solidariedade sentida (ou seja, não empiricamente fundamentada),… Não existem direitos humanos inatos.

Salyer também acerta quando afirma que a direita e a esquerda “discordam quanto aos próprios objetivos da comunidade e da governança”. Um busca preservar uma comunidade já estabelecida e o outro espera impor “princípios universais” por meio de um governo global.

Embora não haja razão para celebrar os regimes comunistas ou a carnificina humana causada por eles, o colapso da União Soviética e de seus estados satélites abriu as portas para a esquerda atual. O controle exercido pelos soviéticos sobre os partidos comunistas europeus impediu que os apóstolos do feminismo e da interseccionalidade se tornassem as forças dominantes na esquerda europeia até o fim da Guerra Fria.

Enquanto isso, nossa própria esquerda estava constantemente preocupada com a Guerra Fria. Por décadas, se não me falha a memória, nossos anti-anticomunistas estiveram ocupados defendendo regimes comunistas, criticando os EUA por “agravar a Guerra Fria” ou lamentando o retorno ao “macarthismo”. Embora essa esquerda da Guerra Fria também tenha mostrado pelo menos um interesse intermitente no movimento dos direitos civis dos negros, o foco mais persistente da atenção esquerdista durante todo esse período foi encobrir as agressões soviéticas e atacar os anticomunistas americanos.

Ainda me lembro de ter sentado com meus colegas estudantes e alguns professores juniores em Yale em meados da década de 1960, ouvindo seus argumentos contra a Guerra do Vietnã. Embora me parecesse que esse envolvimento militar não era uma decisão estratégica sábia, as razões da oposição oferecida por meus companheiros me deixaram perplexo. Quase todos estavam apaixonados por HỐ Chi Mính e sua assassina ditadura comunista, e achavam que o governo americano estava cheio de admiradores de extrema direita de Francisco Franco. Norman Podhoretz acertou em Why We Were in Vietnam (1982), quando percebeu que seus colegas críticos da Guerra do Vietnã muitas vezes babavam por nossos adversários comunistas.

Após o colapso do comunismo soviético, emergiu uma esquerda mais extrema, cujas consequências agora estamos sofrendo. A esquerda de hoje é muito mais radical do que aquela que substituiu, e em seu reduto ocidental tornou-se muito mais socialmente destrutiva do que o marxismo ou o comunismo. Se os comunistas tiveram que se infiltrar nos governos ocidentais durante e após a Segunda Guerra Mundial, agora a esquerda interseccional é virtualmente proprietária das sociedades e governos ocidentais.

Esta esquerda agora triunfante coloca alegremente na mesa as cartas de raça, gênero e ódio-do-oeste, dependendo de qual é a ferramenta mais útil para causar estragos ou aumentar seu próprio poder, e esses dois objetivos costumam andar juntos. A questão então é como impedir que essa força penetrante corrompa ainda mais nossas instituições, especialmente quando há tão poucas resistências em evidência. Uma pré-condição pode ser reconhecer a singularidade da esquerda moderna e parar de igualá-la com “socialismo” ou “comunismo”. Essa rotulagem arcaica pode subestimar o perigo.

 

Artigo original aqui.

8 COMENTÁRIOS

  1. Como parar esse pessoal?

    A resposta mais rápida é bala, porrada e cacetete.

    Entretanto, esse é o desejo ardente destas pessoas.

    Uma das respostas possíveis, capaz de fazer esse pessoal chorar em posição fetal, é o endeusamento e o comprometimento com a instituição sagrada e individual da FAMILIA.

  2. Vejo que a posição libertária e contra as liberdades individuais sobretudo a de cunho sexual. Portanto a ideologia libertária flerta com o reacionarismo até mais que os conservadores. O que se vê que de moderna ela não tem nada e sim está mais para o retrocesso.

  3. A luta de classes foi-se embora e agora a esquerda promove a luta de raças, sexos e identidades. É o “marxismo cultural” que usa o mesmo discurso do marxismo para conseguir mais poder para o partido que controla todo o establishment.

    Será que os americanos acordarão antes que seja tarde demais?

  4. É muito facil acabar com essa esquerda. É so parar de financiar estatismo,assistencialismos que essa praga morre de inaniçao. E a crise esta chegando. Logo vetemos mudanças.

    • É justamente o contrário: a esquerda moderna sobrevive ao Neoliberalismo selvagem a burrice da direita conservadora, um conservadorismo social nacionalista com justiça social botaria pra quebrar.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui