A ética da liberdade

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18. O boicote

Um boicote é uma tentativa de persuadir outras pessoas a não se envolverem com alguma pessoa ou firma específica  —  seja suspendendo as relações sociais ou concordando em não comprar os produtos da firma.  Moralmente, um boicote pode ser usado por motivos absurdos, repreensíveis, louváveis ou neutros.  Ele pode ser usado, por exemplo, para tentar persuadir as pessoas a não comprar as uvas de produtores não sindicalizados ou a não comprar as uvas de produtores sindicalizados.  Do nosso ponto de vista, a questão importante a respeito do boicote é que ele é puramente voluntário, um ato de tentativa de persuasão, e, portanto, que ele é um instrumento de ação perfeitamente legal e lícito.  De novo, como no caso da difamação, um boicote pode muito bem diminuir o número de clientes de uma firma e, portanto, reduzir o valor da propriedade; mas tal ato ainda é um exercício perfeitamente legítimo da liberdade de expressão e dos direitos de propriedade.  Se vamos achar qualquer boicote em particular bom ou mau, isso depende de nossos valores morais e de nossa atitude perante um objetivo ou atividade concretos.  Mas um boicote é legítimo per se.  Se temos a sensação de que um certo boicote é moralmente repreensível, então está dentro dos direitos daqueles que se sentem assim de organizarem um contra boicote para persuadir os consumidores do contrário, ou de boicotar os boicotadores.  Tudo isso faz parte do processo de disseminação de informação e de opinião dentro do sistema de direitos de propriedade privada.Além disso, os boicotes “secundários” também são legítimos, apesar de serem proibidos por nossas atuais leis trabalhistas.  Num boicote secundário, os sindicatos trabalhistas tentam persuadir os consumidores a não comprar de firmas que negociam com firmas não sindicalizadas (originalmente boicotadas).  Novamente, em uma sociedade livre, deveria ser direito deles tentar esta persuasão, assim como é o direito de seus oponentes reagir com um boicote contrário.  Da mesma forma, é o direito da Liga da Decência tentar organizar um boicote de filmes pornográficos, assim como seria o direto das forças opostas boicotar aqueles que cedem ao boicote da Liga.

O que é particularmente interessante aqui é que o boicote é um dispositivo que pode ser usado por pessoas que desejam tomar providências contra aqueles que se engajaram em atividades que consideramos lícitas, porém imorais.  Deste modo, enquanto as firmas não sindicalizadas, a pornografia, a calúnia, ou qualquer outra coisa, deveriam ser legais em uma sociedade livre, deveria ser igualmente legal o direito daqueles que consideram tais atividades moralmente repulsivas de organizarem boicotes contra quem se envolvesse nestas atividades.  Qualquer ação seria legal na sociedade libertária, contanto que ela não invada os direitos de propriedade (sejam de autopropriedade ou de bens materiais), e isto incluiria boicotes contra tais atividades, ou contra boicotes contra boicotadores.  O questão é que a coerção não é a única ação que pode ser tomada contra aquilo que alguém considere ser uma atividade ou uma pessoa imorais; existem também certas ações voluntárias e persuasivas, como o boicote.

Uma questão muito mais complexa é se fazer piquetes seria uma forma legítima de apregoar um boicote em uma sociedade livre.  Obviamente, uma multidão fazendo um piquete que bloqueie a entrada ou a saída de um prédio seria uma conduta criminosa e invasiva dos direitos de propriedade  —  assim como seriam as greves-de-braços-cruzados e as ocupações que forçadamente ocupam a propriedade de outros.  Também seria invasivo o tipo de piquete em que manifestantes ameacem a pessoas que cruzarem a linha do piquete  —  um caso claro de intimidação pela ameaça de violência.  Mas mesmo o caso de “piquetes pacíficos” é uma questão complexa, pois, mais uma vez, ela envolve o uso de ruas estatais.  E, como no caso de comícios ou de manifestações de rua, geralmente o governo não pode tomar uma decisão que não seja arbitrária entre os direitos dos pagadores de impostos de usar as ruas estatais para manifestar sua causa e o direito do dono do prédio e das pessoas em trânsito a igualmente usarem a rua.  Novamente, é impossível decidir deste modo como eliminar conflitos e assegurar os direitos de uma maneira bem definida.  Se, por outro lado, as ruas em frente ao prédio do piquete fossem possuídas por proprietários privados, então estes proprietários teriam o direito absoluto de decidir se os manifestantes poderiam usar suas ruas da maneira que eles considerassem adequada.[1]

De modo similar, certos recursos dos empregadores, como a lista negra  —  uma forma de boicote  —  seria legal na sociedade livre.  Antes do Norris-LaGuardia Act de 1931, era legal para os empregadores despedirem os empregados que se organizavam em sindicato e de circular entre os outros empregadores listas negras destas pessoas.  Também seria legal o contrato em que o empregado se compromete a não se sindicalizar (contrato yellow-dog), outro recurso anterior ao Norris-LaGuardia Act.  Neste contrato o empregado e o empregador concordam que, se o primeiro se tornar membro de um sindicato, o empregador pode demiti-lo imediatamente.



[1] Veja Murray N. Rothbard, For a New Liberty, rev. ed. (New York: Macmillan, 1978), págs. 96–97.

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