Aula XXI – O Problema do Monopólio

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Os críticos da economia de livre mercado alegam que esse sistema comporta uma ameaça contra a sua própria existência e funcionalidade: a possibilidade do surgimento de monopólios. Seria o caso, por exemplo, de uma grande empresa que compra as suas concorrentes e torna-se a única fornecedora de um produto. Desse modo, o gérmen do monopólio já não existiria no próprio sistema de livre competição?

Em primeiro lugar, deve-se entender o que é monopólio. Embora Ludwig von Mises e Israel Kirzner, juntamente com a ortodoxia econômica, considerem que possam existir preços monopolísticos no livre mercado, o entendimento da Escola Austríaca mudou a partir da análise de Murray Rothbard em Homem, Economia e Estado.[1] Para aqueles, uma vez que um produtor pudesse restringir a oferta de um determinado bem, mantendo-se igual a demanda, ter-se-ia nesse caso um preço monopolístico. Segundo Rothbard, contudo, não há maneira de diferençar, no livre mercado, preço monopolístico de preço competitivo. Afinal, toda produção é restrita.[2]

Rothbard oferece o exemplo de um cartel de produtores de café que, podendo produzir cem milhões de toneladas, produzem sessenta. Nesse caso, não é que os produtores restrinjam a produção de café para torná-lo um produto mais escasso. Ele já é escasso, e eles buscam apenas a maneira mais lucrativa de provê-lo. Sugerir que eles deveriam oferecer os cem milhões de toneladas – fazendo um uso menos eficiente, portanto, dos fatores de produção de que dispõem – seria uma proposição ética (e não econômica) equivalente a dizer que um professor deveria dar o máximo de aulas possível, já que, se não as der, estará “restringindo a produção”. Aqui poderia surgir a seguinte objeção: mas existem milhares de professores de cada matéria, e no exemplo somente um cartel de produtores de café, de maneira que, se o professor não produzir a contento, pode-se demiti-lo ou contratar mais um, ao passo que, se o cartel contiver a produção, dever-se-ão apenas aceitar os preços mais elevados.

No entanto, deve-se lembrar que estamos falando no contexto de um livre mercado, isto é, onde haveria liberdade de entrada no setor. Se a produção de café estivesse deixando a desejar, e um empresário ou grupo empresarial visse aí uma oportunidade de oferecer algo melhor e lucrar, então uma nova concorrência surgiria, pelo que os preços decairiam e/ou a qualidade do produto subiria. Assim, como Rothbard demonstrou – e foi seguido por Hans-Hermann Hoppe e reforçado por Walter Block –, o que determina a existência de um monopólio não é o fato de haver um só produtor e este poder em tese restringir a produção, mas o fato de existirem impedimentos legais à liberdade de entrada de novos produtores no setor. “Se ninguém entra em uma determinada indústria”, dirá Block, “ela ainda é completamente livre; competição, não monopólio, prevalece”.[3] Rothbard define monopólio como uma “concessão de privilégio especial” garantido pelo Estado.[4] Ou seja, sua existência depende de uma violação do princípio da propriedade privada na forma de uma intervenção estatal.

Além disso, da mesma maneira que não é possível, num livre mercado, determinar se um preço é monopolístico, também é impossível dizer se um preço é competitivo, por falta de critério objetivo para tal. A partir de quantos ofertantes de um bem se poderia dizer que existe uma genuína competição? De fato, há casos em que, mesmo com uma dúzia de empresas, o consumidor ainda tem a sensação de estar sendo explorado, como acontece com as empresas de telefonia e plano de saúde (ambos setores bastante regulados pelo governo). Assim, se assumimos que não existem monopólios no livre mercado, poderíamos pelo menos dizer que, em havendo um só fornecedor de um bem, nesse caso não haveria tampouco competição? Destarte não haveria monopólio, pela definição que demos, mas também não haveria competição, por só haver um único produtor. Poderíamos dizer isso? Com efeito, não. Na lição de Hans Sennholz:

Em uma economia de mercado livre e desimpedida, sem agências reguladoras e conselhos antitruste, um monopólio não é causa para alarde.  Uma empresa que porventura detenha o controle exclusivo de uma mercadoria ou de um serviço em um mercado específico será, ainda assim, incapaz de explorar essa situação, e pelos seguintes fatores competitivos: a concorrência potencial, a concorrência de substitutos, e a elasticidade da demanda.[5]

Ainda que o produtor de um bem atue sozinho no mercado, a mera possibilidade de novos entrantes o põe em alerta e sob constante ameaça de perder seu espaço. A qualquer momento uma empresa grande ou pequena pode entrar na indústria, oferecendo um produto igual ou semelhante ao seu, e levá-lo à ruína. Essa eterna ameaça serve de pressão concorrencial para estimular esse produtor solitário a esmerar-se no bom atendimento da clientela.

Existe também a concorrência de substitutos, aos quais os consumidores podem recorrer quando o produto que preferem está muito caro.

Os produtores de suspensórios concorrem não apenas entre si e com outros potenciais concorrentes, mas também com os produtores de cintos.  Na indústria de transportes, os trens concorrem com caminhões, carros, aviões, oleodutos e navios.  Na indústria da construção civil, a madeira concorre com alumínio, aço, tijolos e pedras.[6]

Assim, empresas não concorrem somente com aquelas que produzem o mesmo produto, mas também com as que produzem bens semelhantes que poderiam substituí-los caso necessário.

Em verdade, todos os bens e serviços do mercado concorrem com todos os outros bens e serviços, já que um indivíduo pode escolher comprar um carro em vez de pagar uma faculdade, adquirir um livro em vez de uma roupa, fazer uma doação em lugar de comer em um bom restaurante, viajar com a esposa na lua de mel de preferência a fazer uma festa de casamento, e assim por diante. Sempre há concorrência no mercado.

Há ainda o possível fenômeno da elasticidade da demanda, que também serve de entrave à livre atuação do dito “monopolista”.

A existência de substitutos contribui para que haja uma maior elasticidade da demanda (pequenas alterações no preço geram grandes alterações na demanda), a qual, por sua vez, faz com que os preços monopolistas sejam desvantajosos e não lucrativos.  Preços mais altos iriam reduzir consideravelmente a demanda pelo produto, e consequentemente as vendas e a renda do monopolista.  Desta forma, ele terá novamente de agir como se fosse um mero concorrente entre vários outros.[7]

Mesmo assim, estamos considerando o monopólio de um único bem. E se formos mais longe e considerarmos um supermonopolista, que detém a produção de todos os bens e serviços?

Nesse caso, em primeiro lugar, esse supermonopólio, que tudo oferta e tudo produz, seria praticamente igual a um governo comunista, e logo não poderia nem sequer existir, pois sofreria do problema do cálculo econômico, o qual elucidamos na aula décima primeira. Em resumo, se houver somente um produtor de bens e serviços, quase tudo será de propriedade dele; e como um sujeito não consegue comprar e vender dele mesmo, o preço das coisas não se formará, o que tornará impossível o cálculo econômico. Dessa forma, tal cenário se faria embaraçoso a ele próprio.

Agora suponha um monopólio imenso, mas não o bastante para abranger toda a economia e sofrer a impossibilidade de cálculo. Ainda assim, esse supermonopólio alcançou tão notável magnitude devido à sua enorme eficiência em atender aos desejos dos consumidores, e seu tamanho é sinal de um sucesso avassalador. O mercado continua livre para a entrada de novos concorrentes, mas esse supermonopolista atende tão bem ao público, que nenhum concorrente em potencial se julga capaz de competir com ele. Nesse caso, teríamos um exemplo de gigantesco sucesso e eficiência, obtidos pelo mérito de bem servir e bem administrar.

Não obstante, até agora fornecemos razões teóricas para mostrar que não haveria em um livre mercado um problema de monopólio. Mas e na prática, o que de fato se observa?

Observa-se isto: que a experiência histórica corrobora o nosso entendimento. No dizer de Hans-Hermann Hoppe:

Há um consenso em relação à avaliação do período entre 1867 e a Primeira Guerra Mundial como sendo o período relativamente mais capitalista na história dos Estados Unidos e o período seguinte como sendo, comparativamente, o de aumento da regulação do mercado e da legislação do estado de bem-estar social. Porém, analisando a questão, se verifica que não houve somente menos desenvolvimento rumo à monopolização e a concentração de empresas no primeiro período em relação ao segundo, mas também que durante o primeiro período era possível observar uma tendência constante para uma concorrência mais séria com os preços de quase todos os bens caindo continuamente.[8]

Thomas DiLorenzo cita diversos casos históricos de concorrência em setores de produtos e serviços geralmente tidos como de “utilidade pública” (bens públicos) ou de “monopólio natural”. Segundo Harold Damsetz, citado por DiLorenzo:

Existiam seis empresas de eletricidade na cidade de Nova York no ano de 1887. Quarenta e cinco empresas de eletricidade possuíam o direito legal de operar em Chicago em 1907. Antes de 1895, Duluth, Minnesota, era servida por cinco empresas de eletricidade, e Scranton, Pensilvânia, tinha quatro em 1906. … Durante as últimas décadas do século XIX, a concorrência era a norma nas indústrias de gás nos EUA. Antes de 1884, seis empresas concorrentes operavam em Nova York … a concorrência era comum e especialmente forte no setor de telefonia … Entre as principais cidades, Baltimore, Chicago, Cleveland, Columbus, Detroit, Kansas City, Minneapolis, Filadélfia, Pittsburgh e St. Louis possuíam pelo menos duas empresas telefônicas em 1905.[9]

Vale ainda citar este trecho de DiLorenzo:

Em 1880, havia três empresas de gás concorrentes em Baltimore, que concorriam intensamente entre si. Elas tentaram se fundir e formar um monopólio em 1888, porém a entrada de um novo concorrente frustrou seus planos: “Thomas Aha Edison introduziu a luz elétrica, o que ameaçou a existência das todas as empresas de gás”. Daquele momento em diante, havia concorrência não apenas entre as empresas de gás e entre as empresas elétricas, como também, e principalmente, entre as empresas de gás e as empresas elétricas, todas as quais incorriam em volumosos custos fixos, o que levava a economias de escala. Não obstante, em momento algum se formou um monopólio “natural”.[10]

Nesse mesmo artigo ele menciona diversos outros exemplos que tais, e ainda mostra que esse cenário de livre competição somente acabou depois do começo de intervenções do governo que passaram a assegurar, por força de lei, privilégios monopolísticos a certos empresários. “Quando o primeiro monopólio finalmente apareceu”, afirma DiLorenzo, “ele se deveu unicamente à intervenção governamental”.[11]

Assim, podemos concluir que a economia de livre mercado não pode sofrer de nenhum problema de monopólio, e que é, ao contrário, a intervenção do governo – ele mesmo um monopólio – que produz esse fenômeno.

 

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Notas

[1] Walter Block, “Austrian Monopoly Theory – A Critique”.

[2] Rothbard, Homem, Economia e Mercado, p. 601.

[3] Walter Block, “Market Monopoly is Apodictically Impossible”. Disponível em: < https://virtusinterpress.org/IMG/pdf/10-22495_cocv5i3c3p5.pdf >.

[4] Walter Block, “Austrian Monopoly Theory – A Critique”. Disponível em: < https://mises.org/library/austrian-monopoly-theory-critique>.

[5] Hans Sennholz, “Monopólio bom e monopólio ruim – como são gerados e como são mantidos”. Disponível em: < https://rothbardbrasil.com/monopolio-bom-e-monopolio-ruim-como-sao-gerados-e-como-sao-mantidos/>.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo, p. 171.

[9] Thomas DiLorenzo, “O mito do monopólio natural”. Disponível em: <https://rothbardbrasil.com/o-mito-do-monopolio-natural/>.

[10] Idem.

[11] Idem.

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