Durante um período que intermedeia os séculos XI e XII, a Europa desenvolveu uma nova forma de governo, desde a Grécia antiga, que, sendo uma república ou uma monarquia, instituiu um poder secular, cujo objectivo era governar à vontade, isto é, sem a velha autoridade moral da Igreja Católica para limitar as invasões do estado à lei natural e aos direitos humanos. Ao contrário dos monarcas hereditários que eram dominados pela igreja católica e detinham poderes limitados, a nova forma de governo, ou novos oligarcas, procurou governar por meio de uma teoria do absolutismo de Estado e fora do controlo da Igreja Católica. Dava-se, desse modo, uma separação entre as funções da igreja, – relegada para questões puramente teológicas – e as do Estado, a quem passou a caber a responsabilidade pelas instituições e fenómenos inerentemente seculares. Esse sistema governamental, que se convencionou chamar por absolutismo real ou período do Estado absoluto, conheceu seu apogeu no século XVII.
Nesse novo cenário político, os novos oligarcas ou monarcas, visando à conquista do poder ilimitado, precisaram de fazer alianças com outras classes sociais, formando uma burocracia no sentido de legitimar tal poder. Foi então preciso o estabelecimento de uma série de alianças entre o poder absolutista e os seus nobres, que eram principalmente grandes senhores feudais e grandes comerciantes. As alianças desses oligarcas com os grandes comerciantes deram então naquilo que os historiadores do final do século XIX chamaram por mercantilismo.
O mercantilismo é, assim, um sistema político-económico de alianças dos Reis e Oligarcas com os nobres e comerciantes de grande escala para consolidar e legitimar o poder absoluto, que se materializa através de privilégios estatais sistematizados baseados em restringir importações ou subsidiar exportações (proteccionismo) e de acumular ouro e prata em um país. Como ressalta Murray Rothbard a esse respeito, “Enquanto aspecto económico do absolutismo de estado, o mercantilismo era de necessidade um sistema de consolidação-do-estado, de Grande Governo, ou de pesadas despesas reais, de altos impostos, de (especialmente depois do final do século XVII) inflação e de déficit financeiro, de guerra, do imperialismo e do engrandecimento do Estado-Nação.”
Assim, estabelecido o mercantilismo – também chamado de capitalismo de monopólio estatal –, uma série de restrições à importação e subsídios à exportação surgem, e essas medidas incluem o direito exclusivo garantido pela Coroa de produzir ou vender um dado produto ou de comercializar em uma certa região. Na França, por exemplo, a coroa proibiu, em 1690, o uso de botões de tecelagem só para proteger botões de corda à mão que eram fabricadas por uma série de empresas sob protecção da realeza. Para legitimar esse sistema, muitos economistas e nobres defendiam a ideia de que, por um lado, o mercantilismo era importante porque preservava e fortificava a indústria nacional e, assim, seria um instrumento para o pleno emprego e que, por outro, a acumulação ou a proibição da saída de metais, tornava o País numa economia mais pujante e moeda mais sólida. Portanto, a defesa do mercantilismo importava, porque estava em causa o cuidado e a manutenção de uma ordem nacional forte e gloriosa, contra os simples interesses e egoísmo dos empresários sedentos de lucros. Essa foi a escusa usada para legitimar o mercantilismo, quando, na verdade, as motivações eram outras. Como já dissemos, o mercantilismo surge na história como instrumento do poder absoluto. Seu objectivo consistia na consolidação e manutenção do poder absoluto e, para tal, tornava-se necessário o estabelecimento de alianças com comerciantes e nobres de então.
Surge, desse modo, o maior motor do mercantilismo, o ideal da autossuficiência, isto é, a capacidade de um País produzir itens que satisfaçam todas as necessidades dos seus cidadãos. Os poderes de então favoreciam os nobres e comerciantes, concedendo-lhes cartéis e monopólios, que, por sua vez, eram fortemente tributadas para a realização das despesas do rei.[1]
Ora, olhando para as características do mercantilismo, facilmente podemos identificar semelhanças com a organização social de Angola actual. Com o fim da longa guerra em 2002, que assolou o País e destruiu completamente o tecido económico nacional, tudo parecia reerguer-se. Antes de 2010, Angola passava por um período áureo da sua economia. Para além de que não havia qualquer barreira de importações, podendo qualquer indivíduo importar ou exportar, não havia na prática qualquer tributação que pudesse importunar os cidadãos, drenando para o estado os seus rendimentos e poupanças. O estado vivia exclusivamente da receita petrolífera, e isso conferiu ao País uma liberdade económica que poucos países do mundo desfrutavam. Como consequência, os angolanos conseguiam ajeitar as suas vidas. Pouco a pouco, assistiu-se ao surgimento de várias construções individuais, fazendo de Angola o verdadeiro canteiro de obras. Os angolanos começaram a erguer as casas dos sonhos, a comprar viaturas, coisas que eram impensáveis durante o tempo de guerra. Fruto ainda da liberdade económica e da livre iniciativa, aliado à ausência da tributação, os preços eram muito baixos, havia muita concorrência de produtos e assim os rendimentos estavam supervalorizados. Era um período de bonança depois da tempestade. Diga-se que, apesar dessa acalmia, a corrupção já era um facto entre a classe política que governa o País. As receitas exclusivas do petróleo eram usadas de forma irresponsável. Nesse período, o governo começou também a erguer um conjunto de infraestruturas, sobretudo estradas, que eram pessimamente reabilitadas e não chegavam a durar o tempo previsto. O governo era obrigado a sistematicamente reparar as mesmas infraestruturas, o que formava elevadíssimos desperdícios do erário.
O ano de 2010 constitui o marco histórico da economia angolana, com a ocorrência de um evento que serviu como anúncio de uma nova tempestade. Por meio do Decreto presidencial n.º 135/10 de 13 de Julho, o governo angolano anunciava um regulamento novo que regulamentava a Actividade de Importação, Comércio e Assistência Técnica a Equipamentos Rodoviários. Dentre várias outras disposições, o novo regulamento trouxe consigo alguma limitação no processo de importação, norma essa que não existia no regulamento anterior, isto é, o Decreto n.° 47/02 de 20 de Setembro. Assim, a nova lei estabelecia, com a nova norma, que:
- Só é admitida a importação de veículos automóveis ligeiros usados que tenham, no máximo, três anos de uso e de veículos automóveis pesados que tenham, no máximo, cinco anos de uso contados a partir da data de fabrico e desde que obedeçam às seguintes condições:
- a) – apresentação de documento comprovativo da propriedade do veículo emitido pelo país de origem ou, se esta não estiver em nome do apresentante, documento comprovativo da respectiva aquisição;
- b) – disponham de certificado de inspecção que aprove o seu estado técnico, emitido pela entidade competente do país de origem e válido por um período não inferior a seis meses, anterior à data do embarque;
- c) – tenham no local respectivo as placas de identificação contendo o número de série e o ano de fabrico;
- d) – entrem no País com a matrícula de origem.
- A importação de veículos automóveis usados fica sujeita a um agravamento de impostos a definir pelas entidades competentes.
De uma forma resumida, para além da novidade da limitação do tempo de uso das viaturas, o novo regulamento trouxe consigo o agravamento de impostos sobre a importação e também das multas. A consequência dessa medida foi que a importação das viaturas usadas ficou limitada ou restringida e que agora a compra de viaturas passou a ser feita só a partir de agentes comerciais autorizados pelo governo, para além de que essa compra só podia ser de veículos novos. Assim, o preço para esse mercado ficou mais caro e a opção de escolha de qualidade também ficou reduzida. Tendo subido o preço do mercado de veículos automóveis, o poder de compra reduziu e assim o número de pessoas aptas para comprar automóveis reduziu consideravelmente. Portanto, a medida trouxe fortes distorções para o mercado sectorial, cujo objectivo era proteger algumas empresas nacionais politicamente bem posicionadas.
Em 2014, mais uma tempestade foi anunciada. Era a vez da proibição do cimento por meio de mais um Decreto. O Governo justificou a medida com os grandes investimentos feitos pelos operadores do sector, que tinham a capacidade de produção nacional de oito milhões de toneladas anualmente. De recordar que, naquela altura, o mercado do cimento era controlado por 5 empresas nacionais, nomeadamente: Nova Cimangola (Luanda), CIF (Bengo), FCKS (Cuanza Sul), Secil (Benguela) e Cimenforte (Benguela). Dois anos depois, isto em 2016, através de um outro decreto, o governo manteve a proibição da importação do cimento. Desta vez, a justificação do Governo pela decisão era que o investimento feito pelo sector nos últimos anos permitiu a produção anual de oito milhões de toneladas, valor que tinha sido estimado para 2014, ultrapassando assim as necessidades de Angola que, no mesmo ano, eram apenas de cinco milhões de toneladas. Seguindo ainda os dados do Governo, com a produção anual de oito milhões de toneladas, Angola alcançou a auto-suficiência na produção de cimento, justificando a medida da proibição, que foi apoiada pela Comissão do Sector do Cimento e a Associação da Indústria Cimenteira de Angola (AICA).
Assim como foi com a proibição da entrada de veículos automóveis, a nova medida de proibição do cimento trouxe muitas consequências desastrosas para a sociedade. Em primeiro lugar, houve escassez do cimento e consequentemente o preço desse produto disparou consideravelmente. A venda de cimento passou a ser monopólio, para além de se constatar que afinal a produção nacional era insuficiente. Esse período é também caracterizado pelo aumento e controlo sistemáticos da tributação, o que empobrecia relativamente cada vez mais a sociedade. Consequentemente, muitas obras, quer do Governo, como de privados ficaram paralisadas desde então. O ímpeto de construções que fazia de Angola um canteiro de obras, tinha desaparecido completamente e vários bairros, sobretudo os novos, que ficaram cheios de obras inacabadas. O cenário era, então, prenunciador de uma crise financeira sem precedentes. E, mais uma vez, as indústrias cimenteiras protegidas eram, na sua maioria, empresas estatais terceirizadas às pessoas com fortes ligações políticas, verificando-se o mesmo para as indústrias privadas.
Com a proibição do cimento e de veículos automóveis, o mercado estava agora cada vez mais exposto a medidas restritivas e o índice de liberdade económica foi sendo uma miragem. Seguiu-se uma série de medidas restritivas não só relativas à importação, mas também referentes à criação de monopólios entre o comércio interno. Restrições de importações se estenderam para quase toda economia e não só estavam relacionados à importação de mercadorias e serviços, mas estenderam-se até ao mercado financeiro. Em primeiro lugar, foi sendo proibida a importação de mercadorias, até mesmo nos casos em que não havia produção local, e essa restrição envolvia a importação de cigarros, cervejas, whisky, Ferro, aço, mosaico, ovos, etc. Seguiu-se a restrição no acesso a divisas para a importação, direito concedido a pouquíssimas empresas devidamente autorizadas. Quer dizer que, na prática, o direito de importar também foi monopolizado, estando o mercado a mercê das preferências dos pouquíssimos importadores.
Em 2018, através do Despacho Presidencial n° 108/18 de 09 de Fevereiro, foi aprovada a criação da Reserva Estratégica Alimentar, com a intenção da estabilização da oferta de bens alimentares da cesta básica em quantidade e preço e ainda fomentar o aumento da produção nacional, através da compra da produção local. Para tal, foi instruído ao Ministério das Finanças e ao BNA a transferência de recursos financeiros para fazer face às necessidades da Reserva Estratégica Alimentar. E, de facto, em 2022, foram movimentados 500 milhões de dólares e 600 mil toneladas referentes à Reserva Estratégica.
Em 2019, por meio do Decreto Presidencial n.° 23/19 de 14 de Janeiro, é aprovado o Regulamento da Cadeia Comercial de Oferta de Bens da Cesta Básica e outros Bens Prioritários de Origem Nacional, com o objectivo de apoiar a produção nacional e acelerar a substituição de importações. Para além de estabelecer uma lista de bens considerados essenciais ou prioritários, esse regulamento estabelece que a oferta dos produtores nacionais goza de prioridade sobre a importação, além de limitar o processo de importar apenas dos grossistas e dos produtores nacionais. Estabelece igualmente que, para serem autorizados a importar, os grossistas e os produtores devem demonstrar terem realizado consultas ao mercado nacional sobre a existência dos bens que pretendem importar e a demonstração da celebração prévia de contratos de compra da produção nacional, da existência de iniciativas que visem o investimento directo ou indirecto ou outras formas de fomento da produção nacional. Para o efeito, foi criado um sistema de acompanhamento de preços e quantidades da produção nacional, chamado Portal de Divulgação da Produção Nacional. O regulamento prevê ainda restrição quantitativa da importação a partir de 2022, e a lista de restrições incluiu: açúcar, derivados de carne de frango, derivados de carne de porco, carne seca de vaca, arroz, farinha de trigo, massa esparguete, fuba de milho, leite, sabão azul, tilápia, mel, óleo de soja, óleo de palma, óleo de girassol e óleo de amendoim. Aqui essa restrição é naturalmente fundamentada pela previsão da autossuficiência para o período. Essas medidas são reforçadas em 2023 com a entrada em vigor do Decreto Presidencial n.° 213/23 de 30 de Outubro, que estabelece o regime jurídico de incentivo à produção nacional. Com essas medidas estava então consolidado o poder absoluto do Estado em Angola e, no âmbito geral, o mercantilismo.
Vale recordar que, paralelas a essas medidas restritivas e proteccionistas, estava também em curso a introdução progressiva de uma tributação sobre rendimentos, consumo e propriedades, para além do registo do aumento sistemático da inflação. E sobre a inflação, na cidade do Lubango, por dois dias, os grossistas paralisaram as suas actividades, porque estava a tornar-se impossível vender produtos devido à volatilidade de preços.
De uma forma geral, o mercantilismo, quer na sua concepção tradicional como na sua aparição moderna, está sempre escudado na ideia da protecção da indústria nacional. Esse objectivo induz à compreensão errada de conceitos filosóficos, políticos e económicos, o que leva a sociedade a não adoptar princípios de uma economia livre. Assim, para implantar o mercantilismo, uma série de conceitos económicos foram falsamente construídos em seu torno, nomeadamente: os monopólios, a concorrência, a autossuficiência e o pleno emprego. O proteccionismo parte da ideia de que o País não é autossuficiente na produção de bens e serviços consumidos internamente. Havendo insuficiência da produção para atender ao consumo nacional, tem de haver alguma forma de proteger a indústria nacional, estimulando-a assim a produzir mais para alcançar a autossuficiência. Entretanto, conforme é concebido, o desiderato do estímulo à produção nacional e à autossuficiência aparecem distorcidos. A princípio, não se estimula a produção nacional protegendo-a da concorrência. Aliás, a própria meta do proteccionismo é uma distorção económica. A economia, sendo uma ciência da acção humana, ela está voltada a atender às necessidades dos homens, o que a coloca ao serviço dos consumidores. Por sua vez, a produção nacional, sendo comandada por produtores individuais e empresariais, implica, para a sua protecção, colocar a economia ao serviço das empresas. Ora, nesse sentido, o objectivo do proteccionismo inverte a lógica económica ao proteger os produtores ou empresas, quando a sua função é proteger os consumidores. Ademais, o estímulo à produção não se dá com a protecção da indústria nacional à concorrência. Pelo contrário, dá-se num ambiente de concorrência. Uma economia aberta, para além de estimular o surgimento de mais empreendedores nacionais e mais poupança interna, ela é igualmente incentivadora de atracção não apenas de capital externo, mas também de empreendedores estrangeiros. Logo, desprotegendo a indústria nacional, estimula-se verdadeiramente a produção nacional, para além de atrair mais criatividade e melhor qualidade dos produtos.
Outra ideia subjacente ao proteccionismo é a falácia da autossuficiência. Esse conceito rompe praticamente com toda teoria económica. A abordagem comum na economia era de enfatizar a grande importância da interacção voluntária da divisão internacional do trabalho. Desse modo, os economistas livres mercadistas sempre defenderam a doutrina da lei das “vantagens absolutas”, isto é, que países se deveriam especializar no que eles são melhores ou mais eficientes, e, assim, trocar a sua produção com a de outros países, construindo-se trocas internacionais benéficas para ambos os países. Já a autossuficiência, tal como é apresentada no mercantilismo, distorce a lei das vantagens absolutas e parte do princípio de que cada País tem condições necessárias para produzir todos itens de que necessita para o seu próprio consumo, e que a condição de insuficiência é apenas uma anormalidade contingente que é ultrapassável estimulando-se a produção nacional. Desse modo, a cooperação internacional baseada na divisão de trabalho passa a ser desnecessária ou, pelo menos, desincentivado, o que fundamenta a ideia de proibir as importações.
O proteccionismo baseado na autossuficiência já foi justamente derrubado no século XIX, mais propriamente em 1817, com a descoberta, por David Ricardo, da lei das vantagens comparativas. Essa lei encerra a ideia de que, “mesmo se um país estiver em um estado tão pobre que ele não tem vantagem absoluta em produzir qualquer coisa, ele ainda pode pagar para seus parceiros de negociações, as pessoas de outros países, para permiti-los produzir aquilo que eles são menos piores em produzir.” Como Murray Rothbard coloca, “se, por exemplo, o País A é mais eficiente do que o País B em produzir ambas as mercadorias X e Y, ela irá pagar aos cidadãos do País A para se especializarem em produzir X, a qual é a melhor para produzir, e comprar toda a mercadoria Y do País B, a qual é melhor em produzir mas não possui tanta vantagem comparativa quanto na produção da mercadoria X.”[2]
Assim, pela lei das vantagens comparativas, os cidadãos de todos os países se beneficiam das negociações internacionais, ao mesmo tempo que nenhum País é muito pobre ou ineficiente para ser deixado de fora das transacções internacionais. Essa lei refuta, desse modo, todos aqueles que procuram justificar o proteccionismo e o isolamento económico, ao mostrar o facto de que uma tarifa protectiva no País A prejudica não só as indústrias eficientes nesse país, como, sobretudo, os consumidores nesse país, bem como no País B e no resto do mundo. Assim visto, percebe-se que a única justificativa à autosuficiência é a defesa dos interesses egoístas de alguns produtores ou a preparação para a guerra. Aliás, curiosamente, a lei das vantagens comparativas foi elaborada num contexto em que Napoleão impôs bloqueios legais à Grã-Bretanha para evitar quaisquer negociações com o resto do continente europeu.
Como temos defendido, a natureza é uma sociedade de recursos e a sua diversidade é complementar. Cada região sendo diferente de outra, essa diversidade funciona como factor distintivo na divisão de trabalho, o que impõe uma cooperação internacional. Não há País no mundo capaz de ignorar ou inverter a disposição natural de recursos que impõe a cooperação internacional. Estamos condenados a cooperar uns com os outros, quer por vantagens absolutas ou por vantagens comparativas, o que torna a ideia do isolamento uma perversão da própria natureza das coisas.
Outro conceito que também acompanha o proteccionismo, e sendo extensão da autossuficiência, é o dos monopólios. Como já dissemos, a ideia da autossuficiência implica a necessidade das empresas nacionais intensificarem a sua produção para atender ao consumo agregado. E, assim, para uma maior produção nacional, é preciso criar privilégios para proteger a indústria nacional da concorrência feroz. A constatação é a de que não temos condições financeiras ou técnicas para concorrer com o exterior, ou então porque temos poucas empresas nacionais para o fazer, sendo necessário criar privilégios para criar equilíbrio na concorrência.
No entanto, uma compreensão certa do conceito de monopólio mostra que a existência de uma única empresa ou de poucas empresas não constitui um obstáculo para um melhor atendimento das necessidades dos consumidores. Em última análise, o conceito de monopólio não se fundamenta na ideia de uma empresa para amplo mercado. De facto, é perfeitamente normal que haja uma única empresa produzindo para o mercado todo, contanto que não existam impedimentos estatais para o efeito. De ressaltar que existem sectores nas quais a entrada exige muito investimento e muita tecnologia, o que o coloca inacessível para a maioria. Tal é o caso do sector da produção de equipamentos electrónicos ou da indústria automóvel, que, pelas suas características, exigem muito capital ou muito conhecimento tecnológico, o que faz com que pouquíssimas empresas de forma natural acedam a esse mercado. Por outro lado, o monopólio pode existir em circunstâncias em que milhares de pequenos e ineficientes produtores são protegidos da concorrência de um número muito pequeno de produtores que, em condições naturais, não existiriam. E, ao olharmos para o nosso País, podemos, de facto, colher vários exemplos. A indústria das cervejeiras, das bebidas gaseificadas, dos whiskys, são exemplos acabados desses tipos de monopólios em que milhares de indústrias existem porque são protegidos da concorrência de outras poucas indústrias, o que ilustra que monopólio não depende do número de produtores.
Assim, como bem disse George Reisman, monopólio deve ser entendido como um mercado, ou fatia de um mercado, que foi reservado para uso exclusivo de um ou mais produtores por meio da iniciação de força física do governo, ou com a sanção do governo. Desse modo, o conceito de monopólio é mal percebido pelos mercantilistas, que, ao procurarem por mais concorrência, eles acabam criando os próprios monopólios que dizem combater. Ao criar monopólios, os mercantilistas evitam desse modo a concorrência, necessária para a inovação, que, depois, é repassada aos consumidores na forma de preços baixos. Como novamente aponta George Reisman,
Como ao longo do século XX, este processo de inovação e competição fez com que os preços reais de bens e serviços fossem reduzidos muito provavelmente em bem mais de 90%. Esta magnitude pode ser inferida do facto de que, em 1910, o trabalhador médio trabalhava aproximadamente sessenta horas por semana e obtinha o padrão de vida típico daquela época. Hoje, o trabalhador médio trabalha aproximadamente quarenta horas por semana e obtém um padrão de vida pelo menos dez vezes maior. Assim, por dois terços das horas de trabalho, o trabalhador médio obtém um número dez vezes maior de bens e serviços, o que implica uma queda nos preços reais para 6,67% do seu nível inicial — isto é, uma queda de 93, 33%. Ou, colocando de outra forma, um simples décimo daqueles dois terços — ou 6,66% — é hoje suficiente para comprar bens equivalentes ao padrão de vida médio de 1910. Isso significa que, na média, graças ao capitalismo, houve, desde 1910, uma queda nos preços reais da ordem de 93,33%.[3]
Esses dados ilustram o quão é importante a concorrência e o livre mercado para o progresso da humanidade, ao mesmo tempo que nos ensinam sobre a necessidade premente de se eliminar o mercantilismo nas suas mais diversas manifestações nas sociedades modernas. Começando pelos monopólios, legislação antitruste, sindicatos, agências reguladoras; todas essas instituições económicas, bem comuns nas sociedades modernas, não mais devem ter lugar numa sociedade que se quer aberta; pelo que os seus fundamentos económicos e políticos precisam de ser desacreditados.
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Notas
[1] Murray N. Rothbard, História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca — A Economia Clássica, Editora Konkin, 1ª edição.
[2] Ibid.
[3] George Reisman, “Legislações antitruste e agências reguladoras não podem existir em uma sociedade livre”- Instituto Rothbard Brasil, 2012.