Conclusão

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Nossa pequena incursão pelo magnífico corpo teórico da Escola Austríaca nos mostrou que, de um lado, toda forma de Estado é prejudicial à máxima eficiência econômica, conduzindo-nos, com suas alegadas boas intenções, à diminuição da riqueza potencial e a graus cada vez maiores de autoritarismo; e, de outro, que esse arranjo não passa sequer no teste da crítica filosófica, afigurando-se um sistema ilógico, antiético e criminoso.

Qualquer leitor inteligente e com boa vontade concordaria com isso, mas poderia ainda sentir um incontornável receio de dar o passo decisivo e concluir que a anarquia de propriedade privada é o único sistema de organização social defensável. Talvez ele sentiria esse receio por nunca ter visto um tal sistema em ação e ser incapaz de imaginá-lo com os poucos dados de que dispõe.

Ele pode pensar que, na teoria, tudo são flores, mas e na prática? Qual país alguma vez adotou o anarcocapitalismo e deu certo? Mil questionamentos podem surgir, porque aceitar a ausência do Estado é como abandonar um senhor tão antigo que já não se sabe se se consegue viver sem ele. Talvez seja como atirar-se num rio escuro, sem saber o que tem debaixo da água, tendo apenas ouvido promessas de que lá reside algo melhor. Mas se pode morrer…

Aqueles que têm coragem de atirar-se nesse rio confiam na Lógica; confiam em sua própria capacidade de entender como a realidade funciona e sabem que no fundo dessas águas há justiça e prosperidade. Mas aqueles que não confiam na pura razão precisam de algo mais, talvez uma mostra, um exemplo. Como São Tomé, eles precisam ver.

Talvez pudéssemos convencê-los citando os exemplos de sociedades anárquicas bem-sucedidas do passado, como a Irlanda e a Islândia da Idade Média, que por séculos viveram sem nenhum monopólio da produção de justiça e segurança.[1] Mas exemplos como esses são muito longínquos e serviriam não para convencer quem não acreditasse, mas somente para reforçar a crença dos que já acreditam.

Talvez pudéssemos citar que já existe anarcocapitalismo no contexto das relações internacionais, isto é, nas relações entre países, porque acima deles não há nenhum monopolista da produção de leis, derivando estas tão somente de acordos e costumes.[2] No entanto também esse exemplo se mostra longe demais da vida cotidiana, já que pode-se pensar que uma coisa são as relações entre os países, e outra as relações entre os homens – como se não fossem ambas a mesma coisa.

Poderíamos ainda dizer que na vida cotidiana mesmo já vivemos em farta anarquia, visto que quase todas as relações entre as pessoas acontecem sem nenhum intermediário monopolista. As pessoas compram e vendem, relacionam-se e se despedem, comem e fazem dieta, amam-se e odeiam-se, elogiam-se e difamam-se, produzem e descansam – tudo isso sem que ninguém as tenha ordenado ou tentado organizá-las de maneira centralizada.

Assim é porque a anarquia já permeia tudo. E o Estado vem como a solução de um problema que não existe: o problema da ordem social. A ordem já está estabelecida – no Caos. O Caos é a ordem. E, paradoxalmente, quanto mais se tenta evitar e planificar o Caos, mais desordem e entraves se criam. O Caos é naturalmente benfazejo e criativo, mas, quando se tenta controlá-lo, estorva-se o fluxo natural da vida, e tudo parece piorar mais e mais. Aqueles que tentam projetar o funcionamento da sociedade são justamente os que mais o atravancam. Um tal projeto, com efeito, requereria o conhecimento completo da vida e da alma de cada ser humano – algo então que somente ao Criador é possível.

Como última esperança, poderíamos tentar apelar à metafísica desse sujeito, recorrendo, se religioso, a Deus e, se ateu, à Lógica.

Se fosse religioso, poderíamos indagar: se Deus é justo, por que ele criaria um mundo intrinsecamente injusto, onde o homem, para viver, precisaria necessariamente praticar o mal, adotando um sistema baseado na exploração e no parasitismo? Se, havendo o bem e o mal, Deus ordenou que o homem praticasse o bem, por que então ele o tornaria impossível? Obviamente, deve haver um meio de o homem viver e ser feliz sem invadir seu semelhante: esse meio é o respeito à propriedade privada.

Se, porém, esse cético fosse ateu e tivesse na Lógica o único critério da verdade, poderíamos lhe dizer o seguinte: que a lógica não é só um instrumento da razão, mas pertence à própria estrutura da realidade. Se o puro raciocínio nos leva a crer que a única maneira ética de agir é respeitando a propriedade privada, não seria isso a descoberta de uma lei natural e não estaríamos, dessa forma, ignorando a razão e agindo contra a própria natureza ao aceitar que as coisas fossem feitas de outra maneira? Ora, ou a realidade é lógica, e as leis neste pequeno livro deduzidas se aplicam sem exceção, ou nenhuma lei há, e toda ciência é mero falatório. Mas sabemos que a lógica compõe a estrutura mesma da realidade, de sorte que qualquer raciocínio dela derivado faz-se uma lei tão certa quanto dois e dois são quatro. Assim, dado que é impossível para o homem justificar qualquer outra norma de conduta que não aquela do respeito à propriedade privada, tem-se aí uma lei natural – no sentido de não ter sido criada – e somos compelidos pela razão a segui-la, sob pena de estarmos voluntariamente agindo contra a ordem dada do universo.

Um homem que ignora os ditames da razão quanto ao justo agir está abrindo mão da única coisa que o distingue de uma besta, e passa então a guiar-se mais pelas vísceras do que pelo entendimento. Renegando ao que lhe confere a majestade no reino animal, torna-se uma aberração, caindo ainda mais baixo que um verme, que pelo menos vive conforme a natureza. Seu futuro é a pobreza e a servidão, porque prefere deixar que outros conduzam a sua vida ao invés de ele mesmo conduzi-la.

Assim como um cientista que desconhece as leis de certas substâncias pode explodir-se ao misturá-las em seu laboratório, pior ainda faz o homem que, conhecendo a lei, decide ignorá-la, explodindo-se com seus irmãos.

Mas pode ser que nem a lógica e nem mesmo o apelo à suprema benevolência de Deus tenham sido capazes de convencer o nosso amigo a dizer adeus ao Estado. Pode ser que ele ainda prefira a estreita e familiar cela da prisão aos largos e desconhecidos campos da liberdade.

Nesse caso, devemos dizer-lhe: seja livre para ser escravo, se é isso que lhe convém. Mas não queira nos levar consigo. Não temos o direito de forçar a sua liberdade, nem você o de impedir a nossa, forçando-nos a servir um Estado. Celebremos juntos, portanto, o último recurso dos homens civilizados: o direito absoluto de Secessão.

 

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Notas

[1] Roderick T. Long, “Dez Objeções Típicas ao Anarquismo Libertário”. Disponível em: <http://rothbardbrasil.com/dez-objecoes-tipicas-ao-anarquismo-libertario/>.

[2] Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 358.

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