Conservadorismo e liberdade: um comentário libertário

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[Este ensaio foi publicado na Modern Age, 5, 2 (primavera de 1961), pp. 217-220.]

A revista Modern Age deve ser calorosamente parabenizada por seus artigos sobre “Conservadorismo e Liberdade” na edição de outono de 1960. Certamente, não há tarefa intelectual mais importante do que lançar um diálogo em direção a uma síntese das duas correntes intelectuais mais importantes da “direita” americana na atualidade: a conservadora e a libertária. A Modern Age pode dar, e começou a dar, uma contribuição notável para esse diálogo. Como libertário, tenho consciência há algum tempo da importância, não só de converter os conservadores autoritários à causa da liberdade, mas também de convencer os libertários da grande importância de reconhecer a existência de uma ordem moral objetiva. Como os Srs. Meyer e Evans apontam, não pode haver escolha verdadeiramente moral a menos que essa escolha seja feita em liberdade; da mesma forma, não pode haver defesa da liberdade realmente fundamentada e firme e consistentemente, a menos que essa defesa esteja enraizada no princípio moral. Ao concentrar-se nos fins da escolha, o conservador, ao negligenciar as condições da escolha, perde aquela mesma moralidade de conduta com a qual está tão preocupado. E o libertário, concentrando-se apenas nos meios ou condições de escolha e ignorando os fins, joga fora uma defesa moral essencial de sua própria posição.

Fiquei particularmente impressionado com o admirável artigo de Frank Meyer. Relutantemente, rejeito a tentação de citar extensivamente seu ensaio. Acho que não há ninguém no campo “conservador” que tenha uma compreensão tão grande ou simpatize tanto com a tradição libertária ou “liberal clássica”. Em contraste com o Sr. [M. Stanton] Evans, por exemplo, que repreende o libertário por acreditar que a liberdade é o mais alto fim moral para o homem, Meyer vê que os melhores libertários perceberam, com Lord Acton, que a liberdade é o mais alto fim político, ou seja, o mais alto fim que é apropriado para o governo, o braço organizado de coerção, alcançar. Sou um devoto adepto de grande parte da tradição filosófica aristotélico-tomista; mas uma parte dessa tradição foi politicamente desastrosa para o Ocidente: a noção grega de que o Estado é de alguma forma a instituição ética mais importante da sociedade e que, portanto, o que é bom para os homens buscarem é automaticamente bom para o Estado buscar. Aí, acredito, está o erro crítico do credo conservador autoritário, da tradição antiquada do “direito natural” antes de seu corretivo adequado na variante individualista e dos direitos naturais dessa tradição cunhada nos séculos XVII e XVIII.

Aqui, talvez, esteja a falha mais grave dos artigos de Meyer e Evans: a falha em distinguir, ao discutir o liberalismo clássico, entre as versões daquele credo do século XVIII e do século XIX. Suas críticas se aplicam, e com razão, à versão do século XIX, que, reconhecidamente, é muito mais comum hoje: benthamita, utilitária, até mesmo positivista – uma versão particularmente prevalente entre os economistas neoclássicos. É esta ala do liberalismo que tem sido negligente em reconhecer valores morais objetivos. A versão mais antiga dos séculos XVII e XVIII, no entanto, era bem diferente: acreditava firmemente em uma ordem moral objetiva de leis naturais, que pode ser descoberta pela razão do homem; e, como parte dessa ordem moral, descobriu a importância do individualismo e dos direitos naturais da pessoa e da propriedade como o fim político adequado. Portanto, funcionou, embora muitas vezes involuntariamente, dentro da tradição tomista da lei natural do Ocidente, acrescentando um libertarianismo completo a essa tradição. Quer os libertários mais velhos fossem ou não cristãos teologicamente, eles certamente eram cristãos filosoficamente. Nem Meyer nem Evans, portanto, fazem justiça aos libertários do Iluminismo que, de certa forma, já anteciparam nosso diálogo e nossa síntese.

Além desta advertência geral, tenho apenas algumas pequenas críticas ao artigo do Sr. Meyer. Meyer reconhece a primazia da razão e percebe que a simples confiança na tradição é uma tarefa impossível. Devido ao número infinito de tradições históricas que nos foram transmitidas, devemos selecionar e escolher; e nossa única arma nesta seleção é a nossa razão. E, no entanto, apesar de seu reconhecimento básico da primazia da razão, Meyer se inclina muito para o lado “conservador” desse diálogo, enfatizando que a razão deve operar “dentro da tradição” e não em qualquer tipo de “arrogância ideológica… ignorando a sabedoria acumulada da humanidade.” Agora, quando o Sr. Meyer reconhece que os conservadores devem empregar a razão para selecionar entre tradições verdadeiras e falsas, ele se colocou acima e não dentro da tradição, e isto é necessariamente assim. Um homem não pode estar dentro de algo e ainda julgá-lo a partir de todos os padrões externos. Aqui, acho que Meyer caiu no que é essencialmente uma versão espantalho do credo libertário e racionalista. Todo racionalista inteligente reconhece o grande valor de estudar os pensadores do passado e as acumulações de conhecimento do passado: pois nenhum homem é onisciente e, portanto, é uma enorme economia de tempo e ganho em eficiência, conhecimento e clareza, construir sobre os melhores escritos do passado, em vez de tentar criar todas as leis do universo de novo, algo que seria agir como um selvagem sem nenhum registro herdado de civilização para ajudar um homem em seu caminho para o conhecimento e a sabedoria, enquanto os historicistas e relativistas modernos zombam dessa sabedoria acumulada, certamente nenhum libertário racionalista genuíno o fará. Mas dizer isso não descarta a supremacia da razão – muito pelo contrário.

Minha única outra discordância com o Sr. Meyer é sua predileção pelo termo “tensão” para descrever o equilíbrio adequado entre liberdade e valor; tensão implica uma precariedade e uma contradição subjacente que não creio existir. Devidamente desenvolvida, a relação entre liberdade e ética é uma harmonia pacífica e coesa, uma harmonia de uma lei natural unificada, ao invés de uma tensão precária. Na esfera política, essa harmonia se dá pelo confinamento do braço coercitivo da sociedade à defesa dos direitos individuais de propriedade.

Com o Sr. Evans, por outro lado, minhas diferenças são muito mais sérias. Já mencionei sua confusão de fins políticos com fins morais gerais. Ele também levanta uma falsa dicotomia ao acreditar que o libertário quer a liberdade porque acredita que o homem é naturalmente bom e, portanto, deve ser solto, enquanto o conservador quer a liberdade porque percebe que os homens podem ser maus e, portanto, quer limitar as potencialidades ou o mal em sociedade. Isso também é um espantalho. Rousseau acreditava que o homem é naturalmente bom, corrompido por suas instituições; mas apenas alguns libertários no passado acreditaram nisso, e eu mesmo ainda não encontrei um libertário que sustentasse tal absurdo pueril. Todos os libertários que conheci acreditam, assim como todos os homens sensatos, que o homem é uma mistura de bem e mal: que ele é capaz de ambos os tipos de ações, dado seu livre arbítrio para escolher. O libertário quer, simplesmente, criar instituições na sociedade que irão maximizar os canais, os incentivos para fazer o bem e minimizar as oportunidades para fazer o mal. Queremos liberdade do Estado porque o Estado é o único canal legal, e de longe o mais poderoso, para cometer o mal na sociedade; e porque, tendo liberdade, o homem pode exercer sua oportunidade de realizar boas ações. O positivo e o negativo, a liberação do bom e a verificação do mau, são dois lados da mesma moeda libertária. O mesmo se aplica, incidentalmente, à muito abusada variante “anarquista filosófica” do credo libertário: nenhum anarquista filosófico que se preze acredita mais na “bondade natural” do homem. Vendo o Estado como o motor legal do crime e do mal, ele deseja aboli-lo e substituí-lo por várias outras formas de defesa dos direitos de propriedade do indivíduo. A verdadeira questão que o anarquista coloca, e que ninguém realmente tentou responder, é esta: o Estado é o único, ou o mais eficiente, instrumento possível para defender os direitos da pessoa e da propriedade na sociedade?

Chegamos agora à apoteose de James Madison e da Constituição do Sr. Evans. Mais ou menos pertencente à ala jeffersoniana do debate interno dos Pais Fundadores, considero Madison um conciliador fraco e um entreguista vago, em vez de um combinador sagaz. Sem as concessões madisonianas desnecessárias aos programas e concepções profundamente estatistas de Hamilton, a Constituição teria sido um instrumento muito mais libertário e duradouro do que provou ser. Mas há mais envolvido aqui: pois o Sr. Evans, apesar do histórico negro do presente século, persiste em acreditar que a Constituição americana teve um êxito glorioso em sua missão. De qualquer ponto de vista libertário, ou mesmo conservador, ela falhou e fracassou terrivelmente; pois nunca esqueçamos que todas as incursões despóticas sobre os direitos do homem neste século, antes, durante e depois do New Deal, receberam o selo oficial de bênção constitucional. A Constituição foi esticada por um longo caminho. Se o Sr. Evans respondesse que esses atos tirânicos foram realmente, e no sentido estrito, inconstitucionais, eu me concordaria na hora.

Mas esse é todo o meu ponto: que os instrumentos estabelecidos pela Constituição – em particular, a criação de um monopólio da Suprema Corte com o poder final de decidir o que é constitucional – incorporam uma falha fatal em qualquer tentativa constitucional de limitar o Estado. Em suma, quando se dá ao próprio Estado o poder final de interpretar o próprio instrumento que deveria limitar o Estado, temos inevitavelmente a Constituição sendo esticada e distorcida, até se tornar apenas um meio de emprestar uma aura de prestígio injustificada a ações despóticas do Estado.

Calhoun, um dos grandes pensadores políticos da história americana, chegou ao cerne da questão quando criticou a dependência comum de uma constituição escrita que restringe o poder do governo:

    “…É um grande erro supor que a mera inserção de disposições para restringir e limitar os poderes do governo, sem investir aqueles para cuja proteção eles são inseridos com os meios de fazer cumprir sua observância, será suficiente para impedir o maior e dominante partido de abusar de seus poderes. Estando o partido de posse do governo, eles, pela mesma constituição do homem que torna o governo necessário para proteger a sociedade, serão a favor dos poderes concedidos pela constituição e contrários às restrições destinadas a limitar eles… de que proveito poderia ser a interpretação estrita do partido menor, contra a interpretação liberal do partido maior, quando um teria todos os poderes do governo para efetivar sua construção e o outro seria privado de todos os meios de fazer cumprir a sua construção…”  – John C. Calhoun, A Disquisition On Government (The Liberal Arts Press, 1953), p. 25ss.

A Constituição, em suma, foi uma nobre tentativa de resolver o problema de restringir o governo à sua esfera própria; mas foi uma tentativa nobre que fracassou e, portanto, devemos começar a buscar medidas mais rigorosas e eficazes.

Dois comentários finais sobre as concepções de conservadorismo e liberalismo clássico. Em primeiro lugar, não gosto do termo “conservador”, nem nenhum outro libertário gosta. Este termo impede uma síntese construtiva, pois implica não apenas o “conservadorismo natural” mencionado por Frank Meyer – a defesa cega e tropística de qualquer status quo que venha a existir – mas também, mais seriamente, carrega consigo a posição conservadora do século XIX, quando nasceu o conservadorismo. Pois o conservadorismo do século XIX, longe de criticar os benthamistas do antigo ponto de vista dos direitos naturais, foi essencialmente uma reação contra tudo o que o liberalismo defendia: em particular, a liberdade individual e a liberdade econômica que produziu o capitalismo e a Revolução Industrial. O Partido Conservador da Prússia, o primeiro agrupamento conservador efetivo, foi formado expressamente para defender a instituição da servidão ameaçada pela crescente influência da liberdade e da livre empresa. Os preconceitos irracionalistas, organicistas e estatistas do conservadorismo alimentaram e influenciaram os socialistas supostamente anticonservadores do século XIX. Ainda hoje, há no conceito de “conservadorismo” uma atmosfera impregnada de Trono-e-Altar que não tem lugar em nenhuma síntese “direitista” desejável. Para ser direto e concreto, eu diria aos conservadores, nós libertários desistiremos de Bentham se você desistir da Coroa de Santo Estêvão.

E, finalmente, tendo indicado os pontos fortes negligenciados da tradição liberal clássica, devo indicar alguns dos pontos fracos dessa tradição, mesmo em sua versão do século XVIII enormemente superior. Os principais defeitos do liberalismo iluminista, acredito, são estes: uma paixão desmedida pela democracia e um ódio desmedido pela religião institucional, particularmente pela Igreja Católica Romana. O verdadeiro liberal deve colocar em primeiro lugar, ao julgar o governo, as políticas que esse governo segue; quem dirige o governo é de importância secundária, puramente instrumental. Claro, todas as outras coisas sendo iguais, seria bom ter o voto democrático ratificando as políticas libertárias, mas isso é de menor importância. A democracia é simplesmente um processo e, uma vez elevada a um fim em si mesma, torna-se um motor potencialmente poderoso para a tirania em massa e o coletivismo popular. Além disso, a democracia, ao encorajar a ideia de voto igual para todos os homens, concede o voto antes de ser devidamente conquistado e, portanto, fomenta uma tendência igualitária excessiva e perigosa na sociedade.

O intenso ódio do Iluminismo pela Igreja Católica foi uma coisa trágica; pois separou, em ambos os lados, duas tradições que realmente tinham muito em comum e colocou essas duas forças poderosas em desacordo quase permanente. Esse ódio levou os liberais do Iluminismo a numerosas e graves medidas antilibertárias para oprimir a Igreja: confisco de propriedades da Igreja, proibição de mosteiros e da ordem jesuíta, nacionalização da Igreja e, talvez a mais grave de todas, a construção de um sistema de escolas públicas. Pois o estabelecimento de escolas públicas faz a grande concessão, a concessão de que a educação dos jovens, uma das funções mais importantes da sociedade, deve ser devidamente conduzida pelo Estado coercitivo. E se as escolas, por que não outros meios educacionais, por que não o rádio, a televisão e os jornais, e por que não todos os outros bens e serviços sociais? A própria existência da escola pública – mesmo que grupos de americanismo garantam através dela que seus livros didáticos não sejam contaminados pelo socialismo – proclama em voz alta para seus pequenos pupilos a virtude e a santidade da propriedade e operação do governo e, portanto, do socialismo.

O libertário, então, ao construir sobre a antiga tradição liberal clássica, não deve apenas abandonar o utilitarismo e o positivismo: ele também deve abandonar aquela tendência à adoração da democracia e um ódio irracional ao catolicismo que o levou, entre outras falhas, à ereção de um vasto incubo de estatismo e tirania, a escola pública. E, ao fazê-lo, ele também dará um longo passo em direção àquela própria síntese da Weltanschauung de direita que todos reconhecemos como tão importante no mundo atual.

 

 

 

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1 COMENTÁRIO

  1. Para as coisas mudarem, precisa mudar MUITA coisa na sociedade brasileira, na psiquê do próprio brasileiro, eu digo.
    Por exemplo, o meu círculo de amizades é 100% direita e é (ou era) praticamente 100% bolsonarista, anti-esquerda, etc. Porém, sempre que eu falava na questão de armas, porte de armas, que o cidadão deveria ter o direito de comprar e portar pistolas, revólveres, fuzis, etc. e que estas coisas deveriam ser vendidas até em lojas comuns por aí (claro, guardadas as devidas proporções), a maioria discordava de mim, achava ridículo e por aí vai. Uma vez falei que deveria se tornar normal uma pessoa comum andar por aí com um canivete ou com uma faca pendurada no cinto, até porque é melhor que nada, pois até um pivetinho com um estilete acaba conseguindo ameaçar uma pessoa 100% desarmada, e novamente a maioria discordou de mim. O que eu tiro desse meu pequeno espaço amostral é que o brasileiro ainda não despertou para a realidade que não dá para delegar 100% da segurança para a polícia, e que o brasileiro não está nem aí para a questão das armas, e ainda acha que “fuzil é coisa de traficante/malokeiro/marginal”… Até uns tuiteiros “didireita”, tipo o flavio garagem, ficavam zoando os (poucos) que apareciam defendendo essa questão das armas… nunca entendi o porquê dessa zoeira, ficavam ridicularizando os caras, chamando de “tiozão CAC”, entre outras coisas… pra mim isso foi um tiro no pé (trocadilho não intencional).
    Não sou da época, mas já vi propagandas da Taurus que me dão a entender que nos anos 70 vendiam revólveres até numa Mesbla da vida… Porque não voltar com isso? Pra mim isso seria um passo fundamental na questão da segurança pública.

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