Da política de salários mínimos como ferramenta de segregação socioeconômica 

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A política de salários mínimos é popularmente vista como algo destinado à manutenção de um sistema a partir do qual a subsistência populacional vê-se garantida. Porém, cabe elucidar, à luz da ciência econômica, que tal política opera de modo totalmente contrário aos seus supostos intentos, servindo, na verdade, como um fator condicionante da rigidez dos estamentos socioeconômicos.

Ora, o preço de um bem indica quantitativamente aos agentes o nível com o qual ele é demandado. Caso o preço de um dado bem seja extremamente alto, a mera possibilidade de poder vendê-lo muito lucrativamente, em função da faixa de preços favorável na qual ele se encontra, estimula a maior parcela dos agentes produtores à oferta do bem em questão proporcionalmente à urgência com a qual ele é requisitado pela classe consumidora.

É absolutamente notório que o sistema de preços é responsável por comunicar aos agentes mercadológicos informações relativas ao modo através do qual os recursos econômicos são dispostos à face das exigências populacionais. Caso dado bem seja fortemente requisitado, assim, em circunstâncias sob as quais ele faz-se consideravelmente escasso (indisponível), a sua indisponibilidade (escassez) se verá expressa em termos de um preço alto, o qual, justamente por ser alto, faz naturalmente com que os produtores se vejam compelidos à produção do bem em questão, coisa a qual invariavelmente implica no acrescimento da sua oferta (disponibilidade), o que opera precisamente em concílio com o querer dos consumidores. Perante isso, cabe logicamente inferir que manipular os preços e, por conseguinte, corroer a naturalidade com a qual eles são estabelecidos faz com que a oferta não se ajuste à demanda e vice-versa, o que promove uma série extensiva de descoordenações.

Adicionalmente, caso determinado bem seja extremamente escasso em dada localidade, o seu elevado custo de aquisição, resultante da sua escassez, fará naturalmente com que o bem em questão seja destinado somente à supressão de necessidades intersubjetivamente consideradas urgentes (improteláveis) em detrimento da supressão de necessidades intersubjetivamente consideradas não urgentes (proteláveis). O preço alto faz-se economicamente lógico, pois, ao passo que induz os agentes produtores ao acrescimento da oferta do bem em questão mediante uma produção comparativamente maior, promove a maximização da racionalização do seu uso em função de a sua aquisição mostrar-se financeiramente custosa dado um nível de indisponibilidade relativamente considerável. À vista disso, vê-se nitidamente que manipular os preços dos bens, seja para cima ou para baixo, causa inumeráveis irracionalidades na forma por intermédio da qual ocorre a disposição deles. Nesse sentido, o que vale para os bens econômicos vendidos em redes comerciais vale, também, para o bem trabalho (força de trabalho).

Economicamente, diz-se por “salário” o preço do trabalho. Portanto, a imposição central do exercício de salários mínimos, no âmbito concreto das coisas, atua enquanto uma espécie de manipulação discricionária (arbitrária) do preço do trabalho, por efeito da qual o trabalhador vê-se legalmente proibido de vender o seu trabalho a um preço inferior ao que foi decretado.

Caso o salário mínimo se visse à risca do salário que seria estabelecido espontaneamente pelo mercado, ele seria completamente não efetivo e não teria quaisquer implicações consequenciais, o que implica que a sua efetividade se dá apenas quando ele é fixado a um nível diferente do mercadologicamente natural. Em condições sob as quais o salário mínimo se encontra num nível inferior ao mercadologicamente natural, haveria, inevitavelmente, uma queda da oferta da mão-de-obra, a qual se veria inversamente simétrica ao aumento da demanda por mão-de-obra por parte das entidades empresariais contratantes em função da redução artificial do custo de contratação. Dessa forma, como o trabalho não se veria compensado financeiramente à proporção do valor dos bens que adiciona, o ócio se veria, em virtude disso, sistematicamente estimulado em detrimento do trabalho, coisa a qual instiga à alta a demanda por trabalho e à baixa a oferta de trabalho, o que se reverbera materialmente em termos de uma oferta de bens comparavelmente menor em razão da inclinação artificialmente baixa ao trabalho, gerando, assim, desemprego artificial.

Curiosamente, quando o salário mínimo se vê fixado a um nível superior ao mercadologicamente natural, produz-se as mesmíssimas consequências. Quer dizer, em condições sob as quais o salário mínimo efetiva-se na economia aumentando artificialmente o custo da mão-de-obra, estimula-se à alta a oferta de trabalho e, de maneira inversamente proporcional, à baixa a demanda por trabalho. Haverá, em função disso, uma maior disposição ao trabalho à proporção do desincentivo da sua demanda, coisa a qual se traduz concretamente em termos de uma maior oferta de trabalho, causada em virtude da lucratividade artificialmente elevada da sua venda, dada de forma inversamente proporcional à consequente redução da sua demanda, tida em função do aumento da onerosidade da sua compra, causando, assim, desemprego artificial. Por consequência disso, os trabalhadores operacionalmente inaptos à produção de um conjunto de bens ao qual o mercado de trabalho imputa um valor à altura do salário mínimo, os componentes das camadas sociais mais baixas, no porte de pouca instrução e qualificação, ficarão artificialmente desempregados, visto que se veem contratáveis somente a valores salariais inferiores ao salário mínimo. À vista disso, tem-se, inescapavelmente, que o salário mínimo atua segregando do emprego os trabalhadores marginalmente menos produtivos, aqueles sem capacidade de produzir o necessário para compensar o custo financeiro de mantê-los empregados, isto é, os menos qualificados profissionalmente.

O salário mínimo, assim, enquanto aumento decretado do custo do emprego de mão-de-obra fará, portanto, com que os custos de produção sejam elevados artificialmente, o que naturalmente compelirá as empresas marginalmente menos producentes, aquelas de pequeno porte financeiramente incapazes de arcar com custos de capital altos, serão expelidas do mercado, coisa a qual faz, por conseguinte, com que a concorrência mercadológica se veja restringida à proporção da quantidade de empresas tornadas inviáveis em razão do aumento artificial dos custos de capital produtivo (mão-de-obra), fazendo com que a oferta diminua em função da redução do número de ofertantes economicamente ativos, o que implica, naturalmente, num aumento generalizado dos preços dos bens, reduzindo, desse modo, a qualidade de vida da população em virtude do aumento do custo de aquisição dos bens de consumo. Como o preço dos bens aumentará generalizadamente, então, uma quantidade menor de recursos será passível de ser direcionada à poupança, o que, por sua vez, aumenta a taxa relativa de juros à extensão da redução da taxa de poupança, causada pelo aumento do custo de aquisição dos bens de consumo. Como as taxas de juros ficarão mais altas, a oferta de bens diminuirá em função da inviabilização operacional de toda a gama de ofertantes que depende de taxas de juros a níveis baixos, coisa a qual implicará, inevitavelmente, num novo aumento dos preços dos bens de consumo, o que, por sua vez, reinicia dramaticamente o ciclo de queda da qualidade de vida da população. A massa de trabalhadores desempregada será, assim, acrescida precisamente à proporção do número de trabalhadores dispensados pelas empresas inviabilizadas pelo aumento da taxa relativa de juros, o que implica naturalmente num consumo menor e, por consequência, numa redução da renda das empresas remanescentes. Em suma, a política de salários mínimos concede espaço a uma queda da qualidade geral de vida cíclica e crescente.

Destarte, como a massa de desempregados aumentará, será acrescida na mesma proporção a demanda por políticas estatais subsidiárias destinadas à assistência dos desempregados (auxílio-desemprego, por exemplo). Assim, nessas condições, certo é que haverá incentivo para que haja uma expansão do assistencialismo público. Ora, como o estado compensará financeiramente o ócio dos trabalhadores através de programas assistencialistas, o ócio será sistematicamente estimulado em detrimento da propensão ao trabalho, coisa a qual fará naturalmente que os trabalhadores sejam incentivados ao ócio (ou seja, ao desemprego) à proporção da compensação governamental concedida aos desempregados. Considerando os trabalhadores empregados (os pagadores de impostos) como ativos públicos e os desempregados como passivos públicos, tem-se que haverá incentivo para que se efetive economicamente um aumento crescente do número de desempregados e uma diminuição igualmente crescente do número de empregados, ou seja, um aumento do número de passivos públicos concomitante a uma redução do número de ativos públicos, o que, inevitavelmente, implica em balancetes públicos desfavoráveis.

Adicionalmente, haverá um crescimento ainda maior do custo da mão-de-obra. Ora, a empresa, para que mantenha o trabalhador impelido à manutenção do seu emprego e à produção propriamente dita, deverá, em circunstâncias sob as quais o ócio é compensado financeiramente pelo estado, arcar com uma compensação salarial que não somente exceda o auxílio-desemprego, mas que seja suficientemente superior de modo a incentivar o trabalhador à continuidade (manutenção) do seu trabalho. Ante isto, torna-se imperativo asseverar que ocorrerá um aumento do custo do trabalho, coisa a qual, invariavelmente, fará com que as empresas marginalmente menos produtivas, aquelas incapazes de arcar com custos comparativamente mais elevados de mão-de-obra, sejam impelidas a uma redução de gastos operacionais, o que, desse modo, inclui dispensar a parcela marginalmente menos produtiva (isto é, menos qualificada) dos seus funcionários, o que acresce a taxa de desemprego à proporção do número de empresas que se viram forçadas a desempregar partes consideráveis dos seus funcionários em função da obrigatoriedade do pagamento de salários maiores, dada em virtude da incidência de uma propensão comparativamente maior ao ócio, uma vez que este passa a ver-se compensado monetariamente pelo estado. Dessa forma, perante taxas maiores de desemprego, o estado se verá compelido ou à ampliação do auxílio-desemprego ou à sua desburocratização, o que implica num aumento dos gastos públicos no tocante à amplificação do fornecimento dos auxílios assistenciais.

Contudo, um aumento dos gastos públicos vê-se concretizável ou mediante maior taxação ou mediante emissão de moeda (aumento da oferta monetária). Caso o estado, assim, acresça a tributação, ele se porá a predar diretamente a renda da população, coisa a qual implica necessariamente numa redução da quantidade de recursos à disposição dos indivíduos, quer dizer, numa redução da quantidade de bens efetivamente consumíveis, o que se reverbera concretamente em termos de queda da qualidade de vida. Caso, por outro lado, o estado emita moeda e, por consequência, aumente a oferta monetária, a moeda desvalorizará, já que a oferta aumentará consideravelmente com referência à demanda, o que forçará a maior parte dos agentes ofertantes (produtores) ao encarecimento dos preços dos bens, uma vez que eles terão de exigir em troca dos seus bens uma quantidade de unidades monetárias comparavelmente maior em função da diminuição do poder aquisitivo delas, coisa a qual fará com que os preços aumentem generalizadamente à proporção do aumento da oferta monetária. Além disso, como o poder aquisitivo futuro da moeda se faz inferior em relação ao seu poder aquisitivo presente em condições sob as quais ocorre aumento de oferta monetária, a poupança, nessa conjuntura, será sistematicamente desestimulada, coisa a qual, por sua vez, aumenta a taxa de juros, o que opera inviabilizando financeiramente as empresas marginalmente menos produtivas do mercado, as incapazes de arcar com custos elevados de capital, o que desemprega toda a massa de funcionários que se via mantida por elas, acrescendo, então, a taxa de desemprego e diminuindo a qualidade de vida da população, cíclica e sucessivamente.

Destarte, embora ocorra, de fato, um aumento do salário nominal, o salário real cairá. Ora, como todas as implicações econômicas do exercício de salários mínimos se refletem, também, em termos de redução da concorrência mercadológica, certo é que os salários mínimos darão espaço à concentração de capital. Além disso, como a parcela menos qualificada dos trabalhadores fica impedida de trabalhar a valores salariais os quais realmente reflitam o valor do conjunto de bens para a produção do qual ela vê-se apta, uma vez que o valor do conjunto de bens em questão é comparativamente inferior ao salário mínimo, os funcionários mais qualificados que manterão os seus empregos poderão prestar serviços às empresas quase monopolisticamente e não serão incentivados ao melhoramento contínuo das suas capacidades profissionais, isto é, ao aumento da qualidade do serviço prestado, já que serão influenciados por um número relativamente restrito de concorrentes no mercado de trabalho. Assim, o emprego dos mais qualificados, aqueles pertencentes às camadas sociais médias e altas, é mantido às expensas do emprego dos menos qualificados, os das camadas sociais baixas.

À vista disso, é inexorável concluir que aqueles que militam favoravelmente a uma distribuição “mais justa” do direito ao emprego devem militar desfavoravelmente à política de salários mínimos, a qual, ao longo da história humana, foi usada politicamente como ferramenta de fortalecimento da estratificação social e segregação socioeconômica, uma política avessa ao livre-mercado.

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