Grande parte da teoria do “direito internacional clássico”, desenvolvida pelos escolásticos católicos, notadamente os escolásticos espanhóis do século XVI, como Vitória e Suarez, e depois o escolástico protestante holandês Grotius e por juristas dos séculos XVIII e XIX, foi uma explicação do critérios para uma guerra justa. Pois a guerra, como um grave ato de matar, precisa ser justificada.
Minha própria visão da guerra pode ser simplificada: uma guerra justa existe quando um povo tenta afastar a ameaça de dominação coercitiva por outro povo, ou derrubar uma dominação já existente. Uma guerra é injusta, por outro lado, quando um povo tenta impor dominação sobre outro povo, ou tenta manter um domínio coercitivo já existente sobre eles.
Durante minha vida, meu ativismo ideológico e político concentrou-se na oposição às guerras dos Estados Unidos, primeiro porque acreditei que as guerras que travamos eram injustas e, segundo, porque a guerra, na frase penetrante do libertário Randolph Bourne na Primeira Guerra Mundial, sempre foi “o alimento do Estado”, um instrumento para o engrandecimento do poder do Estado sobre a saúde, a vida e a prosperidade de seus cidadãos súditos e instituições sociais. Mesmo uma guerra justa não pode ser travada levianamente; uma injusta deve, portanto, ser anátema.
Houve apenas duas guerras na história americana que foram, a meu ver, segura e inquestionavelmente apropriadas e justas; não só isso, o lado oposto travou uma guerra que era clara e notavelmente injusta. Por quê? Porque nem precisamos questionar se uma ameaça contra nossa liberdade e propriedade era clara ou presente; em ambas as guerras, os americanos estavam tentando se livrar de uma dominação indesejada por outro povo. E em ambos os casos, o outro lado tentou ferozmente manter seu domínio coercitivo sobre os americanos. Em cada caso, um lado – “nosso lado” se você preferir – era notavelmente justo, o outro lado – “o lado deles” – injusto.
Para ser específico, as duas guerras justas na história americana foram a Revolução Americana e a Guerra pela Independência do Sul.
Gostaria de mencionar algumas características vitais do tratamento da guerra pelos juristas naturais internacionais clássicos, e contrastar esta grande tradição com o “direito internacional” muito diferente que tem sido dominante desde 1914, pelos partidários dominantes da Liga das Nações e das Nações Unidas.
Os juristas internacionais clássicos dos séculos XVI ao XIX estavam tentando lidar com as implicações da ascensão e dominação do estado-nação moderno. Eles não buscavam “abolir a guerra”, cuja própria noção eles teriam considerado absurda e utópica. As guerras sempre existirão entre grupos, povos, nações; o desiderato, além de tentar convencê-los a permanecer dentro do compasso das “guerras justas”, era conter e limitar ao máximo o impacto das guerras existentes. Não para tentar “abolir a guerra”, mas para constrangê-la com as limitações impostas pela civilização.
Especificamente, os juristas internacionais clássicos desenvolveram duas ideias, que foram amplamente bem-sucedidas em conseguir que as nações adotassem: (1) acima de tudo, não visar civis. Se você deve lutar, deixe os governantes e seus serviçais leais ou contratados lutarem, mas mantenha os civis de ambos os lados fora disso, tanto quanto possível. O crescimento da democracia, a identificação dos cidadãos com o Estado, o alistamento militar obrigatório e a ideia de uma “nação em armas”, tudo isso cortou esse excelente princípio do direito internacional.
(2) Preservar os direitos dos Estados e nações neutros. Na corrupção moderna do direito internacional que prevalece desde 1914, a “neutralidade” tem sido tratada como algo profundamente imoral. Hoje em dia, se os países A e B entrarem em uma briga, torna-se obrigação moral de cada nação descobrir, rapidamente, qual país é o “cara mau”, e então se, digamos, A for condenado como o cara mau, se apressar e atacar A em defesa do suposto mocinho B.
O direito internacional clássico, que deveria ser resgatado o mais rápido possível, era praticamente o oposto. Em uma teoria que tentava limitar a guerra, a neutralidade era considerada não apenas justificável, mas uma virtude positiva. Antigamente, dizer “ele nos manteve fora da guerra” era uma grande homenagem a um presidente ou líder político; mas agora, todos os especialistas e professores condenam qualquer presidente que “fica de braços cruzados” enquanto “pessoas estão sendo mortas” na Bósnia, Somália, Ruanda, ou o local de conflito mais em voga no momento. Antigamente, “ficar de braços cruzados” era considerado um sinal de um grande estadista. Não só isso: os Estados neutros tinham “direitos” que eram principalmente defendidos, já que todo país em guerra sabia que um dia também seria neutro. Um Estado em guerra não poderia interferir nas exportações de um neutro para um Estado inimigo; os neutros podiam enviar para tal inimigo impunemente todos os bens, exceto “contrabando”, que era estritamente definido como armas e munições, ponto final. As guerras eram mantidas limitadas naqueles tempos e a neutralidade era exaltada.
No direito internacional moderno, onde as nações “bandidas” devem ser identificadas rapidamente e depois combatidas por todos, há duas razões para tal ação em todo o mundo, ambas desenvolvidas por Woodrow Wilson, cuja política externa e visão de assuntos internacionais foram adotadas por todos os presidentes desde então. A primeira é “segurança coletiva contra agressões”. A noção é que toda guerra, não importa qual, deve ter um “agressor” e uma ou mais “vítimas”, de modo que nomear o agressor se torne um prelúdio para uma defesa de “heroicas” vítimas menores. A analogia é com o policial na esquina. Um policial vê A assaltando B; ele corre atrás do agressor, e o resto dos cidadãos se junta à perseguição. Da mesma forma, supostamente, as nações, ao se unirem em arranjos de “segurança coletiva”, sejam eles a Liga, as Nações Unidas ou a OTAN, identificam a nação “agressora” e então se unem como uma “força policial internacional,” como o policial da esquina, para deter o criminoso.
Na vida real, no entanto, não é tão fácil identificar um “agressor” em uma guerra. As causas se emaranham e a história intervém. Acima de tudo, a fronteira atual de uma nação não pode ser considerada tão evidente quanto a vida e a propriedade de uma pessoa. Ai que está o problema. E quanto às fronteiras muito diferentes dez anos, vinte anos ou mesmo séculos atrás? Que tal guerras onde as reivindicações de todos os lados são plausíveis? Mas qualquer complicação desse tipo atrapalha os planos de nossa turma da guerra profissional. Para que os americanos se incitem a intervir em uma guerra a milhares de quilômetros de distância, sobre a qual eles não sabem nada e se importam menos, um lado deve ser retratado como o vilão bem definido, e o outro lado puro e bom; caso contrário, os americanos não serão levados a intervir em uma guerra que realmente não é da sua conta. Assim, as tentativas exaltadas de especialistas americanos e supostos “especialistas” em política externa para nos fazer intervir contra os demonizados sérvios encalharam quando o público começou a perceber que todos os três lados da guerra da Bósnia estavam envolvidos em “limpeza étnica” sempre que tinham chance. E não vamos esquecer a tolice da propaganda sobre a “integridade territorial” de um chamado “Estado bósnio” que nunca existiu formalmente até um ou dois anos atrás, e é claro que na realidade não existe.
Se o direito internacional clássico limitava e controlava a guerra, impedindo-a de se espalhar, o direito internacional moderno, na tentativa de reprimir a “agressão” e abolir a guerra, apenas assegura, como disse o grande historiador Charles Beard, uma política fútil de “guerra perpétua por uma paz perpétua”.
A segunda desculpa wilsoniana para a guerra perpétua, particularmente relevante para a “Guerra Civil”, é ainda mais utópica: a ideia de que é obrigação moral dos EUA e de todas as outras nações impor “democracia” e “direitos humanos” em todo o globo. Em suma, em um mundo onde “democracia” é algo geralmente sem sentido, e “direitos humanos” de qualquer tipo genuíno virtualmente são inexistentes, que somos obrigados a empunhar a espada e travar uma guerra perpétua para forçar a Utopia em todo o mundo através de armas, tanques e bombas.
A intervenção na Somália foi um estudo de caso perfeito no funcionamento desse sonho wilsoniano. Começamos a intervenção exaltando um “novo tipo de exército” (um novo modelo de exército, se preferir) engajado em um novo tipo de intervenção moral elevada: o soldado dos EUA com um pacote de ajuda humanitária em uma mão e uma arma na outra. Um novo exército “humanitário”, trazendo comida, paz, democracia e direitos humanos para os povos ignorantes da Somália, e fazendo isso com mais nobreza e altruísmo porque não havia um pingo de interesse nacional para os americanos. Foi esta perspectiva de uma intervenção puramente altruísta – de amor universal imposto pela baioneta – que levou quase toda a esquerda “antiguerra” para o lado da intervenção militar. Bem, não demorou muito para que nossas ações tivessem consequências, e o fim da breve intervenção na Somália forneceu uma grande lição se apenas prestarmos atenção: os objetos de nosso “humanitarismo” sendo derrubados por armas americanas e contra-atacando por guerra de guerrilha altamente eficaz contra as tropas americanas, culminando na destruição dos corpos de soldados americanos. Nisso que deu o “humanitarismo”, uma guerra para impor a democracia e os direitos humanos; nisso que deu o novo exército modelo.
Em ambos os casos, os intervencionistas modernos venceram ao se apoderarem da superioridade moral; passou a ser deles o caminho cósmico “humanitário” do princípio moral; aqueles de nós que defendem a neutralidade americana são agora ridicularizados como “egoístas”, “limitados” e “imorais”. Antigamente, no entanto, os intervencionistas eram mais corretamente considerados propagandistas do despotismo, assassinato em massa e guerra perpétua, se não porta-vozes de grupos de interesse especial ou agentes dos “mercadores da morte”. Dificilmente uma superioridade moral.
A causa dos “direitos humanos” é precisamente o argumento crítico pelo qual, em retrospecto, a Guerra de Agressão do Norte de Abraham Lincoln contra o Sul é justificada e até mesmo glorificada. O “humanitário” avança e corrige o mal da escravidão, fazendo isso através do assassinato em massa, a destruição de instituições e propriedades, e a instauração de um caos que perdura até hoje.
Isabel Paterson, em The God of the Machine, um dos grandes livros de filosofia política deste século, concentrou-se no que ela apropriadamente chamou de “O Humanitário com a Guilhotina”. “O humanitário”, escreveu a Sra. Paterson, “deseja ser o principal motor na vida dos outros. Ele não pode admitir nem a ordem divina nem a ordem natural, pela qual os homens têm o poder de ajudar a si mesmos. O humanitário se coloca no lugar de Deus”. Mas a Sra. Paterson observa que o humanitário é “confrontado por dois fatos embaraçosos: primeiro, que o competente não precisa de sua ajuda; e segundo, que a maioria das pessoas, se não for pervertida, positivamente não quer ser tornada “boa” pelo humanitário”. Tendo considerado o que pode ser o “bem” dos outros, e quem deve decidir sobre o bem e o que fazer a respeito, a Sra. Paterson aponta: “É claro que o humanitário realmente propõe é que ele faça o que acha que é bom para todos. É neste ponto que o humanitário monta a guilhotina.” Portanto, ela conclui, “o humanitário em teoria é o terrorista em ação”.
Há um ponto importante sobre o direito internacional antiquado, ou clássico, que se aplica a qualquer tipo de guerra, mesmo que seja uma guerra justa:
Mesmo que o país A esteja travando uma guerra claramente justa contra o país B, e a causa de B seja injusta, esse fato de forma alguma impõe qualquer tipo de obrigação moral a qualquer outra nação, incluindo aquelas que desejam cumprir políticas justas, de intervir nessa guerra. Pelo contrário, antigamente a neutralidade sempre foi considerada um curso mais nobre, se uma nação não tinha interesse próprio no conflito, não havia nenhuma obrigação moral de intervir. O curso mais elevado e moral de uma nação era permanecer neutra; seus cidadãos podem torcer em seus corações pela causa justa de A, ou, se alguém for dominado pela paixão pela causa de A, ele pode ir sozinho para o front lutar, mas geralmente os cidadãos da nação C deveriam se apegar aos interesses de sua própria nação acima da causa de uma justiça mais abstrata. Certamente, esperava-se que eles não formassem um grupo de pressão de propaganda para tentar forçar sua nação a intervir; se os defensores do país A fossem suficientemente fervorosos, poderiam ir lutar sozinhos, mas não poderiam obrigar seus compatriotas a fazer o mesmo.
Muitos de meus amigos e colegas hesitam em admitir a existência de direitos naturais universais, temendo que se vejam forçados a apoiar a intervenção americana, ou mundial, para tentar aplicá-los. Mas para os juristas internacionais clássicos do direito natural, essa consequência não se seguiu. Se, por exemplo, os tutsis estão massacrando hutus em Ruanda ou Burundi, ou vice-versa, esses juristas naturais realmente considerariam tais atos como violações dos direitos naturais dos massacrados; mas esse fato não implica de forma alguma qualquer obrigação moral ou de lei natural para que qualquer outra pessoa no mundo tome ações para tentar fazer valer esses direitos. Podemos encapsular essa posição em um slogan: “Os direitos podem ser universais, mas sua aplicação deve ser local” ou, para adotar o lema dos rebeldes irlandeses: Sinn Fein, “somente nós mesmos”. Um grupo de pessoas pode ter direitos, mas é sua responsabilidade, e somente deles, defender ou salvaguardar tais direitos.
Dito de outra forma, sempre acreditei que quando a esquerda afirma que todos os tipos de entidades – animais, jacarés, árvores, plantas, rochas, praias, a terra ou “a ecologia” – têm “direitos”, a resposta adequada é a seguinte: quando essas entidades agem como os americanos que declaram seus direitos, quando falam por si mesmas e pegam em armas para fazê-los valer, então e só então podemos levar a sério essas reivindicações.
Quero agora voltar às duas guerras justas dos EUA. É claramente evidente que a Revolução Americana, usando minha definição, foi uma guerra justa, uma guerra de povos formando uma nação independente e rompendo os laços com outro povo que exigia perpetuar seu domínio sobre eles. Obviamente, os americanos, embora aceitassem o apoio francês ou outro, estavam preparados para assumir a difícil tarefa de derrubar o domínio do império mais poderoso da Terra, e fazê-lo sozinhos, se necessário.
O que quero focar aqui não são as queixas que levaram os rebeldes americanos à visão de que se tornou “necessário para um povo dissolver os laços políticos que os conectavam a outro”. O que quero enfatizar aqui é o fundamento sobre o qual os americanos se posicionaram à favor deste ato solene e fatídico de separação. Os americanos estavam imersos na filosofia da lei natural de John Locke e dos escolásticos, e no republicanismo clássico da Grécia e de Roma. Havia duas grandes teorias políticas na Grã-Bretanha e na Europa durante este tempo. Uma era a visão absolutista mais antiga, mas nessa época já obsoleta: o rei era o pai de sua nação, e as ordens inferiores deviam obediência absoluta ao rei; qualquer rebelião contra o rei era equivalente à rebelião de Satanás contra Deus.
A outra visão, a da lei natural, contestava que a soberania não se originava no rei, mas no povo, porém, que o povo havia delegado seus poderes e direitos ao rei. Hugo Grotius e juristas naturais conservadores acreditavam que a delegação de soberania, uma vez transferida, era irrevogável, de modo que a soberania deveria residir permanentemente no rei. Os teóricos libertários mais radicais, como o padre Mariana e John Locke e seus seguidores, acreditavam, com bastante sensatez, que, como a delegação original era voluntária e contratual, o povo tinha o direito de recuperar essa soberania caso o rei violasse crassamente sua confiança.
Os revolucionários americanos, separando-se da Grã-Bretanha e formando sua nova nação, adotaram a doutrina lockeana. De fato, se não o tivessem feito isso, não teriam sido capazes de formar sua nova nação. É bem sabido que o maior problema moral e psicológico que os americanos tiveram, e só conseguiram superar após um ano inteiro de guerra sangrenta, foi violar seus juramentos de fidelidade ao rei britânico. Romper com o Parlamento britânico, seu governante de fato, não representava nenhum problema; Parlamento com o qual eles não se importavam. Mas o rei era seu senhor soberano herdado, a pessoa a quem todos juraram fidelidade. Era ao rei a quem deviam lealdade; assim, a lista de queixas na Declaração de Independência mencionava apenas o rei, embora o Parlamento fosse, na realidade, o principal culpado.
Daí a importância psicológica crucial, para os revolucionários americanos, do senso comum de Thomas Paine, que não apenas adotou a visão lockeana de uma reivindicação justificada da soberania pelo povo americano, mas também se concentrou particularmente no cargo do rei. Nas palavras da Nova Esquerda, Paine deslegitimou e dessacralizou o rei aos olhos americanos. O rei da Grã-Bretanha, escreveu Paine, é apenas descendente de “nada melhor do que o principal malfeitor de alguma gangue inquieta; cuja maneira selvagem ou preeminência na sutileza lhe rendeu o título de chefe entre os saqueadores. E agora os reis, incluindo o “Bruto Real da Grã-Bretanha”, são apenas “malfeitores coroados”.
Ao fazer sua revolução, então, os americanos apostam, permanentemente, em uma teoria contratual ou justificativa para o governo. O governo não é algo imposto de cima, por algum ato divino de concessão de soberania; mas contratual, a partir de baixo, por “consentimento dos governados”. Isso significa que as entidades políticas americanas inevitavelmente se tornam repúblicas, não monarquias. O que aconteceu, de fato, é que a Revolução Americana resultou em algo novo na terra. O povo de cada uma das 13 colônias formou novos governos republicanos, separados e contratuais. Com base nas doutrinas libertárias e nos modelos republicanos, o povo das 13 colônias estabeleceu estados soberanos independentes: com poderes de cada governo estritamente limitados, com a maioria dos direitos e poderes reservados ao povo e com freios, contrapesos e constituições escritas severamente limitando o poder do Estado.
Essas 13 repúblicas separadas, a fim de travar sua guerra comum contra o Império Britânico, enviaram separadamente representantes ao Congresso Continental e, mais tarde, formaram uma Confederação, novamente com poderes centrais severamente limitados, para ajudar a combater os britânicos. A decisão acaloradamente contestada de eliminar os Artigos da Confederação e elaborar uma nova Constituição demonstra conclusivamente que o governo central não deveria ser perpétuo, não ser o tipo de armadilha permanente de mão única que Grotius havia alegado entregar a soberania popular ao rei para sempre. De fato, teria sido muito estranho alegar que os revolucionários americanos haviam repudiado a ideia de que uma promessa de lealdade ao rei era contratual e revogável, e quebraram seus votos ao rei, apenas para voltar atrás alguns anos depois para entrar em um pacto que acabou sendo uma passagem de ida irrevogável para um poder permanente do governo central. Revogável e contratual para um rei, mas irrevogável para algum pedaço de papel!
E, finalmente, alguém acredita seriamente por um minuto que qualquer um dos 13 estados teria ratificado a Constituição se acreditasse que era uma perpétua armadilha de Vênus de mão única – uma passagem só de ida para o suicídio soberano? A Constituição mal foi ratificada como ela é!
Assim, se os Artigos da Confederação podiam ser tratados como um pedaço de papel, se a delegação ao governo confederado na década de 1780 era revogável, como poderia o governo central estabelecido pela Constituição, menos de uma década depois, alegar que seus poderes eram permanentes e irrevogáveis? A pura lógica insiste que: se um Estado pudesse entrar em uma confederação, poderia mais tarde se retirar dela; o mesmo deve ser verdade para um Estado que adota a Constituição.
E, no entanto, é claro, essa monstruosidade ilógica é precisamente a doutrina proclamada pelo Norte, pela União, durante a Guerra entre os Estados.
Em 1861, os Estados do Sul, acreditando com razão que suas queridas instituições estavam sob grave ameaça e sob agressão do governo federal, decidiram exercer seu direito natural, contratual e constitucional de retirada, de “separar-se” daquela União. Os Estados separados do sul então exerceram seu direito contratual como repúblicas soberanas para se unirem em outra confederação, os Estados Confederados da América. Se a Guerra Revolucionária Americana foi justa, então segue como a noite segue o dia que a causa sulista, a Guerra pela Independência do Sul, foi justa, e pela mesma razão: romper os “laços políticos” que uniam os dois povos. Em nenhum dos casos essa decisão foi tomada por “causas leves ou transitórias”. E em ambos os casos, os corajosos separatistas prometeram uns aos outros “suas vidas, suas fortunas e sua honra sagrada”.
E quanto as queixas dos dois conjuntos de separatistas? Elas eram comparáveis? A queixa central dos rebeldes americanos era o poder de tributação: o saque sistemático de suas propriedades pelo governo britânico. Fosse o imposto sobre os selos, ou o imposto sobre as importações, ou finalmente o imposto sobre o chá importado, a tributação era o ponto central. O slogan “nenhuma tributação sem representação” era enganoso; em última análise, não queríamos “representação” no Parlamento; queríamos não ser tributados pela Grã-Bretanha. As outras queixas, como a oposição a mandados gerais de busca ou a anulação do antigo princípio anglo-saxão de julgamento por júri, eram críticas porque envolviam o poder de revistar propriedades dos comerciantes em busca de mercadorias que haviam evitado o pagamento dos impostos alfandegários, isto é em busca de bens “contrabandeados”, e o julgamento por júri era vital porque nenhum júri americano jamais condenaria tais contrabandistas.
Uma das principais queixas do Sul também era a tarifa que os nortistas impunham aos sulistas, cuja maior renda vinha da exportação de algodão para o exterior. A tarifa, ao mesmo tempo, elevou os preços dos produtos manufaturados, forçou os sulistas e outros americanos a pagar mais por esses produtos e ameaçou reduzir as exportações do sul. A primeira grande crise constitucional com o Sul veio quando a Carolina do Sul lutou contra a bem chamada Tarifa da Abominação de 1828. Como resultado da resistência da Carolina do Sul, o Norte foi forçado a reduzir a tarifa e, finalmente, o governo Polk adotou um regime de duas décadas de comércio praticamente livre.
John C. Calhoun, o grande líder intelectual da Carolina do Sul e, na verdade, de todo o Sul, destacou a importância de um nível muito baixo de tributação. Todos os impostos, por sua própria natureza, são pagos, líquido, por um grupo de pessoas, os “pagadores de impostos”, e os rendimentos vão para outro grupo de pessoas, o que Calhoun justamente chamou de “consumidores de impostos”. Entre os consumidores líquidos de impostos, é claro, estão os políticos e burocratas que vivem em tempo integral dos recursos arrecadados. Quanto maior o nível de tributação, maior a porcentagem que os produtores do país têm para dar à classe dominante parasita que recolhe e vive de impostos. Ao se concentrar na tarifa, Calhoun destacou que “o Norte adotou um sistema de arrecadação e despesas, no qual uma proporção indevida da carga tributária foi imposta ao Sul e uma proporção indevida foi destinada ao Norte, e foi para a monopolização da indústria do Norte”.
E a oposição a essas duas guerras justas? Ambas eram injustas, pois tanto no caso dos britânicos quanto no do Norte, eles estavam travando uma guerra feroz para manter seu domínio coercitivo e indesejado sobre outro povo. Mas se os britânicos queriam manter e expandir seu império, quais eram as motivações do Norte? Por que, nas famosas palavras do abolicionista William Lloyd Garrison, pelo menos no início da luta, o Norte “não deixou suas irmãs errantes irem em paz?”
O Norte, em particular a força motriz do Norte, os “Yankees” – aquele grupo etnocultural que ou viveu na Nova Inglaterra ou migrou de lá para o norte do estado de Nova York, norte e leste de Ohio, norte de Indiana e norte de Illinois – havia sido tomado por um nova forma de protestantismo. Este era um neo-puritanismo fanático e emocional impulsionado por um fervoroso “pós-milenismo” que sustentava que, como pré-condição para o Segundo Advento de Jesus Cristo, o homem deveria estabelecer um Reino de Deus de mil anos na Terra.
O Reino deve ser uma sociedade perfeita. Para ser perfeito, é claro, este Reino deve estar livre de pecado; o pecado, portanto, deve ser eliminado, e o mais rápido possível. Além disso, se você não tentasse ao máximo eliminar o pecado pela força, você mesmo não seria salvo. Ficou muito claro para esses neo-puritanos que, para eliminar o pecado, o governo, a serviço dos santos, é o instrumento coercitivo essencial para realizar essa tarefa purgativa. Como os historiadores resumiram os pontos de vista de todos os mais proeminentes desses milenaristas, “o governo é o principal instrumento de salvação de Deus”.
O pecado foi amplamente definido pelos neopuritanos ianques como qualquer coisa que pudesse interferir o livre arbítrio de uma pessoa para aceitar a salvação, qualquer coisa que, nas palavras do velho seriado de rádio Shadow, pudesse “nublar as mentes dos homens”. As ocasiões particulares de formação de nuvens de pecado, para esses milenaristas, eram bebidas alcoólicas (“rum demoníaco”), qualquer atividade no sábado, exceto ler a Bíblia e ir à Igreja, escravidão e Igreja Católica Romana.
Se o antiescravismo, o proibicionismo e o anticatolicismo estavam fundamentados no protestantismo fanático pós-milenista, o grande governo paternalista exigido para esse programa social nos níveis estadual e local levou logicamente a um grande paternalismo governamental nos assuntos econômicos nacionais. Enquanto o Partido Democrata no século XIX era conhecido como o “partido da liberdade pessoal”, dos direitos dos estados, do governo mínimo, do livre mercado e do livre comércio, o Partido Republicano era conhecido como o “partido das grandes ideias morais”, que equivalia à eliminação do pecado. No nível econômico, os republicanos adotaram o programa Whig de estatismo e grande governo: tarifas protecionistas, subsídios às grandes empresas, governo central forte, obras públicas de grande escala e crédito barato estimulado pelo governo.
A guerra do Norte contra a escravidão contou com o fervor fanático milenarista, com uma disposição otimista de desenraizar instituições, causar desordem e cometer assassinato em massa, saquear, pilhar e destruir, tudo em nome do alto princípio moral e do nascimento de um mundo perfeito. Os fanáticos ianques eram verdadeiros humanitários patersonianos com a guilhotina: os anabatistas, os jacobinos, os bolcheviques de sua época. Esse espírito fanático de agressão do Norte por uma causa supostamente redentora é resumido nos versos pseudo-bíblicos e verdadeiramente blasfemos da ianque por excelência Julia Ward Howe, em seu chamado “Hino de Batalha da República”.
É claro que os historiadores progressistas de esquerda modernos retratam esse episódio de uma maneira ligeiramente diferente. Tomemos, por exemplo, o eminente historiador abolicionista da Guerra Civil James McPherson. Aqui está a maneira como McPherson retrata de forma reveladora: “A liberdade negativa [ele quer dizer “liberdade”] foi o tema dominante no início da história americana – liberdade de restrições aos direitos individuais impostas por um estado poderoso”. “A Declaração de Direitos”, continua McPherson, “é a expressão clássica da liberdade negativa, ou liberalismo humanista jeffersoniano. Essas dez primeiras emendas à Constituição protegem as liberdades individuais colocando uma camisa de força de ‘não deve’ no governo federal. “Em 1861”, continua McPherson, “os Estados do sul invocaram as liberdades negativas da soberania estadual e os direitos individuais de propriedade [ou seja, escravos] para dividir os Estados Unidos”.
Qual foi a resposta do herói de McPherson, Abraham Lincoln? Lincoln, escreve ele, “ganhou assim uma oportunidade de invocar a liberdade positiva [ele quer dizer “tirania estatal”] do liberalismo reformista, exercido através do poder do exército e do Estado, para derrubar as liberdades negativas de desunião e propriedade de escravos.” Mais um novo modelo de exército em ação! McPherson pede uma “mistura” de liberdades positivas e negativas, mas, como vimos, qualquer “mistura” é um absurdo, pois o estatismo e a liberdade estão sempre em conflito. Quanto mais o “liberalismo reformista” “empoderar” um grupo de pessoas, menos “liberdade negativa” haverá para todos os outros. Deve-se mencionar que o sul dos Estados Unidos foi o único lugar no século XIX onde a escravidão foi abolida pelo fogo e pela “terrível espada célere”. Em todas as outras partes do Novo Mundo, a escravidão foi eliminada pacificamente por acordo com os proprietários de escravos. Mas nesses outros países, nas Índias Ocidentais ou no Brasil, por exemplo, não havia milenaristas puritanos para fazer seu trabalho sangrento, armados com revólver em uma mão e hinário na outra.
No Partido Republicano, o “partido das grandes ideias morais”, diferentes homens e diferentes facções enfatizaram diferentes aspectos dessa visão de mundo despótica integrada. Na fatídica convenção republicana de 1860, os principais candidatos à presidência eram dois abolicionistas veteranos: William Seward, de Nova York, e Salmon P. Chase, de Ohio. Seward, no entanto, era visto com desconfiança pelos extremistas anticatólicos porque de alguma forma ele não se importava com a suposta ameaça católica; por outro lado, enquanto Chase estava satisfeito em colaborar com os ex-Sabem-Nada, que enfatizavam o ar anticatólico da coalizão, ele era visto com desconfiança pelos sewarditas e outros que eram indiferentes à questão católica. Abraham Lincoln, de Illinois, foi um azarão que conseguiu refinar com sucesso a questão católica. Sua maior ênfase estava no estatismo econômico Whig: altas tarifas, enormes subsídios às ferrovias, obras públicas. Como um dos principais advogados da Illinois Central e de outras grandes ferrovias do país, Lincoln era virtualmente o candidato da Illinois Central e de outras grandes ferrovias.
Uma razão para a vitória de Lincoln na convenção foi que o empresário da ferrovia de Iowa, Grenville M. Dodge, ajudou a obter o apoio da delegação de Iowa a Lincoln. Em troca, no início da Guerra Civil, Lincoln nomeou Dodge general do exército. A tarefa de Dodge era limpar os índios do caminho designado da primeira ferrovia transcontinental fortemente subsidiada pelo governo federal do país, a Union Pacific. Desta forma, tropas recrutadas da União e pobres contribuintes foram coagidos a socializar os custos de construção e operação da Union Pacific. Esse tipo de ação agora é chamado eufemisticamente de “cooperação do governo e da indústria”.
Mas o principal foco de Lincoln era aumentar os impostos, em particular aumentar e fazer cumprir a tarifa. Sua vitória na convenção foi possível basicamente pelo apoio da delegação da Pensilvânia. A Pensilvânia há muito era o lar e o foco político da indústria de ferro e aço do país que, desde seu início durante a Guerra de 1812, era cronicamente ineficiente e, portanto, constantemente clamava por altas tarifas e, mais tarde, cotas de importação. Praticamente o primeiro ato do governo Lincoln foi aprovar o ato tarifário de proteção de Morrill, dobrando as taxas tarifárias existentes e criando as mais altas taxas tarifárias da história americana.
Em sua primeira posse, Lincoln foi conciliador sobre a manutenção da escravidão; no que ele era linha-dura em relação ao Sul era na insistência em cobrar todas as tarifas alfandegárias naquela região. Como disse Lincoln, o governo federal “cobraria as taxas e impostos, mas além do que for necessário para esses objetos, não haverá invasão, nem uso de força contra . . . pessoas em qualquer lugar”. O significado dos fortes federais é que eles forneceram os soldados para fazer cumprir as tarifas alfandegárias; assim, o Forte Sumter ficava na entrada do porto de Charleston, o principal porto, além de Nova Orleans, em todo o sul. As tropas federais no Sumter eram necessárias para fazer cumprir as tarifas que deveriam ser cobradas no porto de Charleston.
É claro que as palavras conciliatórias de Abraham Lincoln sobre a escravidão não podem ser consideradas sinceras. Lincoln era um mestre político, o que significa que ele era um conivente, manipulador e mentiroso contumaz. Os fortes federais foram a chave para o sucesso de seu processo de guerra. Mentindo para a Carolina do Sul, Abraham Lincoln conseguiu fazer o que Franklin D. Roosevelt e Henry Stimson fizeram em Pearl Harbor 80 anos depois – manobrou os sulistas para disparar o primeiro tiro. Dessa forma, ao manipular o Sul para atirar primeiro contra um forte federal, Lincoln fez o Sul parecer “agressor” aos olhos dos numerosos hesitantes e moderados do Norte.
Fora da Nova Inglaterra e dos territórios povoados por habitantes da Nova Inglaterra transferidos, a ideia de forçar o Sul a permanecer na União era altamente impopular. Em muitos Estados de nível médio, incluindo Maryland, Nova Jersey e Pensilvânia, havia um sentimento considerável de imitar o Sul, formando uma Confederação intermediária para isolar os ianques irritantes e fanáticos. Mesmo após o início da guerra, o prefeito da cidade de Nova York e muitos outros dignitários da cidade propuseram que a cidade se separasse da União e fizesse a paz e se envolvesse no livre comércio com o Sul. De fato, o advogado de Jefferson Davis após a guerra era o que hoje chamaríamos de líder “paleo-libertário” da Ordem dos Advogados de Nova York, o irlandês-católico Charles O’Conor, que concorreu à presidência em 1878 pela chapa Straight Democrat, em protesto contra o candidato a presidente de seu amado Partido Democrata, que era o abolicionista, protecionista, socialista e tolo Horace Greeley.
O governo Lincoln e o Partido Republicano aproveitaram o Congresso majoritariamente republicano após a secessão do Sul para aprovar quase todo o programa econômico Whig. Lincoln assinou nada menos que dez leis de aumento de tarifas durante seu governo. Pesados impostos sobre “pecados” foram cobrados sobre álcool e tabaco, o imposto de renda foi cobrado pela primeira vez na história americana, enormes concessões de terras e subsídios monetários foram entregues às ferrovias transcontinentais (acompanhadas por uma grande quantidade de corrupção concomitante) e o governo saiu do padrão-ouro e praticamente nacionalizou o sistema bancário para estabelecer uma máquina de imprimir dinheiro novo e fornecer crédito barato para a elite empresarial. Além disso, o novo modelo de exército e o esforço de guerra se basearam em uma vasta e sem precedentes coerção federal contra os nortistas, bem como contra o sul; um enorme exército foi recrutado, dissidentes e defensores de uma paz negociada com o Sul foram presos, e o precioso direito anglo-saxão de habeas corpus foi abolido por enquanto.
Embora seja verdade que o próprio Lincoln não era particularmente religioso, isso realmente não importava porque ele adotou todas as atitudes e temperamento de seus aliados evangélicos. Ele era severo e sóbrio, ele se opunha pessoalmente ao álcool e ao tabaco, e se opunha ao porte privado de armas. Como alguém ambicioso que desde o início da idade adulta sempre tentou aproveitar todas as oportunidades de se auto promover, Lincoln agiu cruelmente em relação à sua própria família humilde de fronteira em Kentucky. Abandonou sua noiva para casar com Mary Todd, mais rica, cuja família era amiga do eminente Henry Clay; ele repudiou seu irmão e se recusou a visitar ao seu pai moribundo ou comparecer ao seu funeral, declarando monstruosamente que tal experiência “seria mais dolorosa do que agradável”. Sem dúvida!
Lincoln também foi um exemplo típico de um humanitário com a guilhotina em outra dimensão: um tipo familiar moderno de “liberal reformista” cujo coração anseia por “elevar” uma humanidade remota, enquanto ele mente e trata abominavelmente pessoas reais que ele conhecia. E assim Abraham Lincoln, em uma frase que prefigura nosso amado Mario Cuomo, declarou que a União era realmente “uma família, indissoluvelmente unida pelos laços orgânicos mais íntimos”. Chute sua própria família e depois transmute os sentimentos espirituais familiares em direção a uma entidade hipostasiada e mítica, “A União”, que então deve ser mantida intacta, independentemente do custo ou sacrifício humano concreto.
De fato, há uma diferença crítica vital entre as duas causas injustas que descrevemos: os britânicos e o norte. Os ingleses, pelo menos, lutavam por uma causa que, mesmo errada e injusta, era coerente e inteligível: a soberania de um monarca hereditário. Qual foi a desculpa do Norte para sua monstruosa guerra de pilhagem e assassinato em massa contra seus compatriotas americanos? Não foi fidelidade a uma pessoa real, de verdade, o rei, mas fidelidade a uma suposta entidade inexistente, mística e quase divina, “a União”. O rei era pelo menos uma pessoa real, e os méritos ou deméritos de um determinado rei ou da monarquia em geral podem ser discutidos. Mas onde está localizada a “União”? Como avaliar os feitos da União? A quem esta União presta contas?
A União foi transformada, por seus adoradores do Norte, de uma instituição contratual que pode ser cindida ou descartada, em uma entidade divinizada, que deve ser cultuada e que deve ser permanente, inquestionável, todo-poderosa. Não há heresia maior, nem teoria política mais perniciosa, do que sacralizar o secular. Mas esse processo monstruoso é precisamente o que aconteceu quando Abraham Lincoln e seus colegas do norte fizeram da União um deus. Se as forças britânicas lutaram pelo mau rei George, os exércitos da União pilharam e assassinaram em nome desse ídolo pagão, dessa “União”, desse Moloch que exigia terrível sacrifício humano para sustentar seu poder e sua glória.
Pois nesta Guerra entre os Estados, o Sul pode ter lutado por sua honra sagrada, mas a guerra do Norte foi o oposto de honrosa. Recordamos o cuidado com que as nações civilizadas desenvolveram o direito internacional clássico. Acima de tudo, os civis não devem ser alvos; as guerras devem ser limitadas. Mas o Norte insistiu em criar um exército de conscritos, uma nação em armas, e quebrou as regras de guerra do século XIX, especificamente saqueando e massacrando civis, destruindo vidas e instituições civis para reduzir o Sul à submissão. A infame marcha de Sherman pela Geórgia foi um dos grandes crimes de guerra e crimes contra a humanidade do último século e meio. Porque mirando e massacrando civis, Lincoln, Grant e Sherman abriram o caminho para todas as honras genocidas do monstruoso século XX. Muito se falou nos últimos anos sobre memória, sobre nunca esquecer a história como punição retroativa por crimes de guerra e assassinatos em massa. Como disse Lord Acton, o grande historiador libertário, o historiador, em última análise, deve ser um juiz moral. A musa do historiador, escreveu ele, não é Clio, mas Radamanto, o lendário vingador do sangue inocente. Nesse espírito, devemos sempre lembrar, nunca devemos esquecer, devemos colocar no banco dos réus e pendurar mais alto do que Hamã, aqueles que, nos tempos modernos, abriram a Caixa de Pandora do genocídio e do extermínio de civis: Sherman, Grant e Lincoln.
Talvez, algum dia, suas estátuas, como a de Lenin na Rússia, sejam derrubadas e derretidas; suas insígnias e bandeiras de batalha serão profanadas, suas canções de guerra lançadas ao fogo. E então Davis e Lee e Jackson e Forrest, e todos os heróis do Sul, “Dixie” e os Stars and Bars, serão mais uma vez verdadeiramente homenageados e lembrados. O clássico comentário sobre aquela série de TV vulgar A Guerra Civil foi feito pela maravilhosa e mal-humorada escritora sulista Florence King. Questionada sobre suas opiniões sobre a série, ela respondeu: “Não tive tempo de assistir A Guerra Civil. Estou muito ocupada me preparando para a próxima.” Nesse espírito, tenho certeza de que um dia, ajudado e instigado por nortistas como eu na gloriosa tradição “copperhead”, o Sul se rebelará novamente.
[Este artigo é a palestra “America’s Two Just Wars: 1775 and 1861”, dada na conferência The Cost of War, em maio de 1994 no Mises Institute. Está incluída como um capítulo do livro The Cost of War. O áudio da palestra original pode ser ouvida aqui.]