Keynes e a Índia

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Enquanto em Eton, o jovem Keynes (com seus 17, 18 anos) presenciou um sentimento anti-imperialista despertar na guerra da Grã-Bretanha contra os Bôeres na África do Sul. Ainda assim, ele nunca foi influenciado por esse sentimento. Como Skidelsky nota,

Por toda a sua vida ele assumiu o império como um fato da vida e nunca mostrou o menor interesse em descartar ele. […] Ele nunca desviou muito da visão de que, todas as coisas consideradas, era melhor ter falantes de inglês dominando o mundo do que estrangeiros. (Skidelsky 1983, p. 91)

No final de 1905, apesar da importunação de Marshall, Keynes abandonou seus estudos de graduação em economia depois de um semestre e, no ano seguinte, prestou provas para o serviço civil, tendo ganhado um secretariado num escritório na Índia. Na primavera de 1907, Keynes foi transferido do Departamento Militar para o departamento de Receitas, Estatísticas e Comércio.

Enquanto ele ainda estava para se tornar um especialista nos assuntos dos indianos, ele mesmo assim alegremente assumiu que o governo da Grã-Bretanha não devia ser questionado: a Grã-Bretanha simplesmente disseminou bom governo em lugares que não poderiam ter se desenvolvido por contra própria.

“Maynard”, Skidelsky aponta, “sempre viu o Raj através do Whitehall; ele nunca considerou as implicações humanas e morais do governo imperial ou se os grã-bretões estavam explorando os indianos”.

Na grande tradição imperialista de Mills e de Thomas Macaulay na Inglaterra do século XIX, além disso, Keynes nunca sentiu necessidade de viajar para a Índia, aprender as línguas indianas, ou ler quaisquer livros sobre exceto se eles lidassem com finanças (ibid., p. 176).

Apesar do seu crescimento a níveis maiores no Serviço Civil, Keynes rapidamente ficou cansado da sua quase sinecura e tentou retornar para Cambridge num cargo de professor. Finalmente, no final de 1907, Marshall escreveu para Keynes, oferecendo a ele uma classe em economia.

Apesar de Marshall estar prestes a se aposentar, ele facilmente persuadiu seu amigo, estudante favorito, e sucessor escolhido a dedo, Arthur C. Pigou, a seguir a prática de Marshall de pagar pela palestra do seu próprio salário; Neville Keynes prontamente ofereceu-se para igualar a bolsa.

Em 1908, Keynes alegremente assumiu o provinciano cargo de ensinar economia Marshalliana em sua velha escola, o King College, Cambridge. Mas, a maior parte do seu tempo e energia estavam sendo gastas como um homem ocupado de negócios em Londres (Corry 1978, p. 5). Uma de suas funções era de ser um informal, mas valioso conselheiro para o escritório Indiano; de fato, sua associação com o escritório na verdade aumentou depois de 1908 (Keynes 1971, p.17).

Como resultado, ele desempenhou um importante papel nas questões monetárias da Índia, escrevendo o primeiro de seus artigos principais sobre a Índia para o Economic Journal em 1909; escrevendo um influente memorando que cresceu para seu primeiro livro, a breve monografia chamada “Indian Currency and Finance em 1913; e desempenhando um papel influente na Comissão Real para Finanças e Moeda da Índia, posto notável para o qual ele foi apontado antes de ter 30 anos.

O papel de Keynes nas finanças indianas não era apenas importante, mas também em última análise pernicioso, prefaciando seu papel posterior nas finanças internacionais. Apesar de ter convertido a Índia do padrão em prata para o padrão ouro em 1892, o governo britânico tropeçou em um padrão de taxa de ouro, ao invés de um padrão de ouro total que marcou a Grã-Bretanha e outras nações maiores do Ocidente.

Ouro não foi dissolvido como moeda ou semelhante disponível na Índia, e as reservas de ouro da Índia para as rúpias foram mantidas como saldos em libras ao invés de em ouro per se.

Para a maioria dos oficiais do governo, esse arranjo foi apenas uma medida de meio do caminho para um padrão completo de ouro; mas Keynes saudou o novo padrão de taxa de ouro como progressivo, científico e se movendo em direção a uma moeda ideal.

Ecoando visões inflacionistas de séculos de idade, ele opinou que a moeda “gasta” recursos que podem ser “economizados” por papéis e trocas estrangeiras.

Seu ponto crucial, entretanto, era que um falso padrão ouro, como o padrão de taxa de ouro precisa ser, confere muito mais espaço para manuseio da moeda e inflação pelos governos centrais. Tirando assim o poder do público sobre o dinheiro e colocando o poder nas mãos do governo. Keynes elogiou o padrão indiano como permitindo uma elasticidade muito maior (uma palavra secreta para inflação monetária) de dinheiro em resposta a demanda.

Mais ainda, ele saudou especialmente o relatório do governo da comissão do governo dos Estados Unidos em 1903 que advogava por um padrão de taxa de ouro na China e em outros países de Terceiro Mundo que usavam prata — um guia colocado por economistas progressistas e políticos para levar tais nações para o domínio e controle de um bloco comandado pelos Estados Unidos de ouro-dólar (Keynes 1971, pp. 60–85; veja também Parrini e Sklar 1983; Rosenberg 1985).

Na verdade, Keynes explicitamente olhou para frente para o tempo em que o padrão ouro sumiria por completo, para ser substituído por um sistema mais “científico” baseado em algumas moedas de papéis nacionais importantes. “Uma preferência por uma moeda com reservas tangíveis”

Keynes opinou, é “uma relíquia de um tempo em que governantes eram menos confiáveis nessas matérias do que eles são hoje” (1971, p. 51). Aqui estava o prenúncio da famosa rejeição de Keynes do ouro como “uma relíquia bárbara”.

De forma mais ampla, as primeiras visões monetárias de Keynes pressagiaram o desastroso padrão de taxa de ouro projetado pela Grã-Bretanha durante os anos 1920, bem como o profundamente falho plano de Bretton Woods de um dólar-ouro administrado e imposto pelos Estados Unidos — com ajuda da Grã-Bretanha e do Lord Keynes — no final da Segunda Guerra Mundial.

O economista de Cambridge, entretanto, não estava contente em defender o status quo padrão de taxa de ouro na Índia. Acreditando que a marcha para a inflação controlada não estava avançando rápido o suficiente, ele clamou pela criação de um Banco Central (ou “Banco do Estado”) para a Índia, permitindo assim centralização das reservas, elasticidade monetária bem maior e mais expansão monetária e inflação. Embora ele fosse incapaz de convencer a Comissão Real de ir em apoio a um Banco Central, ele foi fortemente influente em seu relatório final.

Esse relatório incluiu sua visão de Banco Central como um apêndice, e Keynes também fez uma severa investigação da posição pró-padrão ouro e anti-banco central das testemunhas.

Uma interessante nota de rodapé ao caso foi a reação ao apêndice de Banco Central de Keynes por seu antigo professor, Alfred Marshall. Marshall escreveu para Keynes que ele estava “encantado com um prodígio com um trabalho tão construtivo” (ibid., p. 268).

Keynes geralmente gostava de enfrentar teorias econômicas para resolver problemas práticos. Sua motivação principal para mergulhar na questão monetária da Índia era de defender a reputação de seu primeiro e mais importante patrono político, Edwin Samuel Montagu, das influentes famílias Montagu e Samuel do Banco Internacional de Londres.

Montagu tinha sido presidente do União de Cambridge, a sociedade de debates da universidade, quando Keynes ainda era um graduando e Keynes se tornou seu favorito. Nas eleições gerais de 1906, Keynes havia feito campanha para a eleição bem-sucedida de Montagu para um cargo no parlamento como um Liberal.

No final de 1912, quando Montagu era um Subsecretário de Estado para a Índia, um escândalo se desenvolveu nas finanças indianas. O governo indiano, do qual Montagu era o segundo em comando, havia contratado secretamente a firma bancária de Samuel Montagu e sua companhia para comprar prata.

Acabou acontecendo que o nepotismo figurou fortemente nesse contrato. Lord Swaythling, um parceiro sênior da firma, era o pai do subsecretário Edwin S. Montagu, outro parceiro, Sir Stuart Samuel, era o pai de Herbert Samuel, chefe postal do governo Asquith (veja Skidelsky 1983, p. 273).

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