Por que o gasto governamental piora uma recessão

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FrankensteinEm uma recente palestra sobre Keynes, o economista Roy Weintraub mencionou uma ideia de Keynes que pode ser caracterizada como o multiplicador da confiança.  Essa ideia keynesiana diz que o gasto em determinadas áreas fortalece a confiança em outras áreas porque os negócios atuantes nestas poderão contar com o gasto complementar daquelas.  Desta forma, haverá uma retomada generalizada do gasto, possibilitando que a economia saia da recessão.

O problema é que essa ideia – que muitos keynesianos insistem em promover – é totalmente falha.  É verdade que, sob condições apropriadas, o gasto pode gerar mais gasto.  Mas, e daí?

Alguns keynesianos dirão que, em um cenário de recessão, o maior gasto irá fazer com que os recursos ociosos passem a ser utilizados; e que praticamente qualquer uso que se dê a esses recursos será de maior valia do que deixá-los ociosos.

Mas a questão é que há um motivo para esses recursos estarem ociosos.  Eles estão à espera de um realinhamento entre a estrutura do capital e a real demanda do consumidor.  No momento, não há demanda por eles naquele setor.  Eles estão tentando encontrar – em meio ao processo de liquidação de recursos nos setores que se expandiram excessivamente durante o boom – outras linhas de produção que realmente correspondam às demandas do consumidor, isto é, outras áreas mais adequadas para novos investimentos.  E apenas ao serem realocados para essas outras áreas é que esses recursos ociosos serão corretamente valorados.  É essa realocação aprimorada que irá atribuir um real valor a esses recursos.

Seria ótimo, é claro, se (1) não levasse tempo para se realocar os recursos, ou (2) não importasse onde os recursos fossem empregados, desde que estivessem empregados.  Mas ambas as hipóteses são claramente inverídicas.

Não há dúvidas de que há um fenômeno do tipo “você primeiro” em ação.  As atividades econômicas são interdependentes.  Assim, quando um agente tenta determinar para onde alocar seus recursos, ele precisa determinar também para onde os outros agentes irão querer alocar os recursos deles.  Quanto maior for a incerteza em relação a isso, maiores serão as desvantagens de ser o primeiro a tomar a iniciativa.  Por outro lado, os pioneiros que tiverem êxito irão colher os maiores lucros.  Esse é, portanto, um problema de coordenação.

Donde vem a pergunta: será que estimular a “confiança” geral irá aliviar o problema da coordenação?

Suponha que o governo, através de uma política fiscal expansionista, tente estimular o gasto agregado.  Há um problema: ele não é capaz de fazer isso de modo neutro.  Ele terá de gastar voltando-se para direções específicas.  E, consequentemente, aqueles primeiros a receber o dinheiro irão gastá-lo também de maneira mais direcionada.  Adicionalmente, o governo terá de “manter sua trajetória”, sinalizando com clareza quais são seus planos de gasto durante um período de tempo que corresponda aos horizontes de planejamento dos agentes econômicos.  Se as taxas de juros estiverem baixas, esse provavelmente será um horizonte bem longo.

O próprio Keynes reconheceu esse problema.  Como consequência, ele defendia um consistente e persistente controle do governo sobre a maior parte dos investimentos.  A ideia era que a confiança aumentaria em decorrência da certeza criada pelo fato de os agentes saberem qual seria o nível e a direção dos gastos em investimento, bem como sua duração.

Mas não vivemos no mundo que Keynes sonhou por dois motivos: (1) não se pode confiar que o governo irá manter políticas consistentes de longo prazo e (2) Keynes não aceitava que durante uma expansão econômica artificial os recursos eram sistematicamente mal alocados.

No nosso mundo, os agentes econômicos precisam lidar com inúmeras incertezas ao mesmo tempo.

1. Como o sistema político irá de fato alocar os recursos do estímulo econômico?  E por qual período de tempo?

2. Em qual direção (em que área) irão gastar aqueles que aumentaram suas rendas em consequência dos gastos do governo?

3. Qual será o padrão sustentável de gastos, poupança e investimento que irá surgir quando o estímulo governamental decrescer?

Investidores não investem no abstrato ou no agregado; eles investem em áreas específicas.  Os estímulos governamentais, da forma como são praticados, aumentam as dificuldades de coordenação com que os agentes lidam.  Eles agora precisam prever o comportamento de agentes políticos que não reagem às condições de oferta e demanda no mercado.  O que o Ministro da Fazenda irá inventar depois?  Quais as novas condições que o presidente ou o congresso irão impor às empresas?  Toda essa incerteza é misturada às tentativas de se descobrir novos equilíbrios de mercado compatíveis com as preferências sustentáveis.  Nesse cenário, a qualidade informacional dos preços tende a se deteriorar.

Simplesmente transmitir a certeza de que o governo estará gastando em alguma coisa por algum período indefinido de tempo não irá corrigir o problema fundamental.  Há um duplo problema de coordenação: o gasto do governo precisa ser coordenado com os outros gastos da economia, e também precisa ser coordenado com as preferências sustentáveis dos consumidores e poupadores.

Há três tipos de confiança relevantes aqui.  O primeiro (“a confiança no regime”) é criado por políticas ou regras estáveis.  Nesse canário, os agentes sabem que o governo não irá introduzir incertezas ou ruídos adicionais (em relação aos dados econômicos básicos). Desta forma, os preços não serão desnecessariamente enganosos.  A falta desse tipo de confiança pode ser gerada por mudanças imprevisíveis na política econômica e pelo estímulo a linhas insustentáveis de gasto e produção.  O segundo tipo de confiança (“confiança monetária”) é um efeito indireto de se satisfazer um aumento na demanda por moeda dos agentes (através de um aumento da oferta monetária feito ou pelas autoridades monetárias ou pelo sistema bancário).  Isso iria impedir que os preços caíssem uma quantia incerta.  Quando os empreendedores temem a deflação, eles se tornam mais propensos a reter seus recursos, isto é, eles estarão menos inclinados a alocá-los para usos específicos no mercado, uma vez que eles estão incertos sobre o curso futuro dos preços.

O terceiro tipo de confiança (“confiança na alocação dos recursos”) é o efeito de os empreendedores descobrirem, dentro do contexto das duas formas de confiança acima mencionadas, as melhores – mais lucrativas – linhas de produção surgidas no rastro das distorções alocacionais ocorridas durante a fase do boom econômico.  É difícil ver como o estado pode ajudar diretamente os empreendedores a resolver este problema.  O mercado é um processo de descoberta.  Mercados específicos requerem empreendedores com conhecimentos factuais específicos, detalhados e transientes, que possam agir prontamente.  Não conheço nenhum estado com essas características.

Portanto, agora podemos responder nossa pergunta: é possível que os gastos governamentais (“estímulos”) construam uma confiança generalizada de modo a aliviar os problemas de coordenação sofridos pelos agentes?

Não.  Os estímulos irão reduzir, e não aumentar, a confiança no regime.  As incertezas políticas irão aumentar, a confiança monetária não será afetada pela política fiscal, e gerar confiança na alocação dos recursos não é o forte do governo.

Podemos ver o que há de errado com o multiplicador de confiança keynesiano.  Ele multiplica o erro; ele multiplica os obstáculos no caminho das correções de mercado e multiplica o tempo que se levará para que a genuína recuperação comece.

E só quando vamos além da cortina dos macro agregados é que podemos perceber as complexidades do mundo real, bem como a natureza completamente simplista das políticas baseadas no estímulo e na multiplicação da confiança que são normalmente propostas como cura para uma recessão.

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