Problemas para o Banqueiro com Reserva Fracionária: O Direito Penal

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Um banqueiro não poderia iniciar uma carreira de fraude de “reserva fracionária” e inflação desde o começo. Se eu nunca tivesse aberto um Banco Rothbard, eu não poderia simplesmente começar um e começar a emitir recibos de depósito fraudulentos. Para quem eu os daria? Primeiro, eu teria de construir ao longo dos anos um renome por honestidade e por serviços bancários de reserva 100%; minha carreira de fraude teria de ser construída parasiticamente sobre minha reputação anterior, que foi devidamente construída com integridade e retidão.

Uma vez que nosso banqueiro comece sua carreira no crime, há várias coisas com as quais ele precisa se preocupar. Em primeiro lugar, ele deve se preocupar que, se ele for pego, ele pode ir para a prisão e terá multas pesadas devido ao estelionato. Torna-se importante para ele contratar advogados, economistas e contadores para convencer os tribunais e o público de que suas práticas de reserva fracionária certamente não são fraudulentas e nem estelionatárias, que elas são meramente ações empreendedoras legítimas e contratos voluntários. Portanto, se alguém apresentar um recibo prometendo resgate em ouro ou dinheiro sob demanda, e o banqueiro não puder pagar, essa seria apenas uma infeliz falha empreendedorial em vez de uma tentativa de acobertamento de um crime. Para fugir com esta linha argumentativa, ele tem de convencer as autoridades de que seus passivos de depósito não são uma fidúcia, como um depósito, mas apenas uma dívida de boa-fé. E se o banqueiro conseguir convencer as pessoas dessa artimanha, então ele tem uma tentação ainda maior e mais oportunidades de praticar peculatos de reserva fracionária. Deve ser claro que, se o banqueiro, ou depositador de dinheiro, é tratado como um comum dono de instituição de depósito, ou fiador, o dinheiro depositado para sua guarda nunca pode constituir parte da coluna de “ativos” em seu balanço patrimonial. De nenhum modo o dinheiro pode fazer parte de seus ativos e, portanto, não faz sentido ser uma “dívida” devida ao depositador para compor parte da coluna dos passivos do banqueiro; como algo armazenado para custódia, não são empréstimos ou dívidas e, portanto, não se encaixam em seu balanço patrimonial.

Infelizmente, já que a lei de fidúcia ainda tinha sido pouco desenvolvida no século XIX, o conselho dos banqueiros foi capaz de moldar as decisões judiciais à sua maneira. O marco decisivo veio da Grã-Bretanha na primeira metade do século XIX, e essas decisões foram então assumidas pelos tribunais americanos. No primeiro caso importante, Carr v. Carr, em 1811, o juiz britânico, Sir William Grant, decidiu que uma vez que o dinheiro pago em um depósito bancário tinha sido pago não especificamente, não foi reservado em um saco fechado (ou seja, como um “depósito específico”) a transação se tornou um empréstimo em vez de uma fidúcia. Cinco anos depois, no caso chave de Devaynes v. Noble, um dos advogados argumentou corretamente que “um banqueiro é antes um fiador dos fundos do cliente do que seu devedor, … porque o dinheiro em … [suas] mãos é mais um depósito do que uma dívida, e pode, portanto, ser imediatamente exigido e pego.” Mas o mesmo juiz Grant insistiu novamente que “dinheiro pago ao banqueiro se torna imediatamente uma parte de seus ativos gerais; e ele é apenas um devedor da quantia.” No ápice do caso culminante Foley v. Hill and Others, decididos pela Câmara dos Lordes em 1848, Lord Cottenham, repetindo o raciocínio dos casos anteriores, faz uma colocação com uma lucidez estonteante:

 

O dinheiro colocado na custódia de um banqueiro é, para todos os casos e propósitos, o dinheiro do banqueiro, para fazer o que quiser com o dinheiro; ele não é culpado de quebra de confiança alguma ao por isso em ação; ele não responde perante o dono se ele pôr o dinheiro em risco, se ele se envolver em uma especulação perigosa; ele não é obrigado a mantê-lo ou a tratá-lo como propriedade de seu dono; mas ele é, obviamente, responsável pela quantia, pois ele foi contratado.[1]

O argumento de Lord Cottenham e de todos os outros apologistas da reserva fracionária, que o banqueiro contrai apenas a quantidade de dinheiro, mas não para ficar com o dinheiro em mãos, ignora o fato de que se todos os depositadores soubessem o que estava acontecendo e exercessem suas reivindicações de uma vez, o banqueiro não poderia possivelmente honrar seus compromissos. Em outras palavras, honrar os contratos e manter todo o sistema de reserva fracionária, requer uma cortina de fumaça, enganar os depositadores fazendo-os pensar que “seu” dinheiro está seguro e seria honrado se eles desejassem resgatar seus depósitos. Todo o sistema de reserva fracionária, portanto, é construído sobre o engano, um engano conivente pelo sistema legal.

Uma pergunta crucial a ser feita é esta: por que a lei de depósitos de grãos, em que as condições — de bens de depósito fungíveis — são exatamente as mesmas, fizeram grãos serem um depósito não específico ao invés de um conjunto específico — se desenvolvem precisamente na direção oposta? Por que os tribunais finalmente reconheceram que os depósitos mesmo de um bem fungível, no caso de grãos, são enfaticamente uma fidúcia e não uma dívida? Será que os banqueiros realizaram uma operação de lobby mais eficaz do que fizeram os cultivadores de grãos?

Na verdade, os tribunais americanos, embora aderissem à doutrina da dívida-não-fiança, introduziram anomalias intrigantes que indicam sua confusão e vaguidade sobre este ponto. Assim, o respeitado jornalista legal afirma que, na lei americana, um “depósito bancário é mais do que uma simples dívida, e a relação do depositador com o banco não é idêntica à relação de um credor comum.” Michie cita um caso da Pensilvânia, People’s Bank v. Legrand, que afirmou que “um depósito bancário é diferente de uma dívida ordinária, que por natureza, está constantemente sujeita à verificação do depositador, e é sempre paga quando exigido.” Além disso, apesar da insistência da lei, seguindo Lord Cottenham, em que um banco “torna-se o dono absoluto do dinheiro depositado com ele”, ainda, um banco “não pode especular com o dinheiro de seus depositadores[?].”[2]

Por que os bancos não são tratados como elevadores de grãos? A resposta é mais resultado da política em vez de considerações de justiça ou direitos de propriedade, que é sugerido pelo proeminente historiador jurídico Arthur Nussbaum, quando afirma que, ao adotar a “visão contrária” (que um depósito bancário é uma fidúcia não uma dívida) iria “colocar um fardo insuportável sobre negócios bancários.” Sem dúvida, os lucros dos bancos com a emissão de recibos de depósito fraudulentos realmente terminariam assim como quaisquer lucros fraudulentos quando a fraude é reprimida. Mas elevadores de grãos e outras instituições de depósito, afinal, são capazes de permanecer no negócio com sucesso; mas por que não os lugares genuínos e seguros para guardar dinheiro?[3]

Para destacar a natureza essencial da reserva fracionária, afastemo-nos por um momento dos bancos que emitem recibos de depósito falsificados para ganhar dinheiro. Vamos supor, em vez disso, que esses depósitos bancários imprimem realmente notas de dólar feitas para se parecerem com o artigo genuíno, repletas de assinaturas falsificadas pelo Tesouro dos Estados Unidos. Os bancos, digamos, imprimem essas notas e as emprestam com juros. Se eles forem denunciados pelo que todos concordam que seja falsificação e fraude, por que esses bancos não poderiam responder da seguinte forma: “Bem, olhe, temos reservas de caixa não falsificados, genuínos, de, digamos, 10 por cento em nossos cofres. Enquanto as pessoas estão dispostas a confiar em nós e a aceitarem essas notas como equivalentes ao dinheiro genuíno, o que há de errado nisso? Nós estamos apenas envolvidos em uma transação de mercado, nem mais nem menos do que qualquer outro tipo de reserva fracionária.” E o que de fato está errado sobre esta afirmação que não pode ser aplicada a qualquer caso de reserva fracionária?[4]

 

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Notas

[1]     Veja Murray N. Rothbard, The Mystery of Banking (Nova Iorque: Richardson & Snyder, 1983), p. 94. Sobre essas decisões, veja J. Milnes Holden, The Law and Practice of Banking, vol. 1, Banker and Customer (Londres: Pitman Publishing, 1970), pp. 31-32.

[2]     A. Hewson , Michie on Banks and Banking, edição revisada (Charlottesville, Va.: Michie, 1973), 5A, pp. 1-31; e ibid., 1979 Cumulative Supplement, pp. 3-9. Veja Rothbard, The Mystery of Banking, p. 275.

[3]     O Banco de Amsterdã, que manteve fielmente a reserva de 100 por cento desde a sua abertura em 1609 até que cedeu à tentação de financiar guerras holandesas no final do século XVIII, financiou-se exigindo que os depositadores renovassem suas notas ao final de, digamos, um ano, e então cobrando uma taxa pela renovação. Veja Arthur Nussbaum, Money in the Law: National and International (Brooklyn: Foundation Press, 1950), p. 105.

[4]     Devo este ponto ao Dr. David Gordon. Veja Murray N. Rothbard, The Present State of Austrian Economics (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute Working Paper, Novembro de 1992), p. 36.

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