Rothbard sobre o jingoísmo progressista da guerra atual

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Os leitores dos artigos e discursos de Murray Rothbard sobre o coletivismo de guerra reconhecerão imediatamente o fervor pietista progressista em torno do jingoísmo de guerra progressista de hoje: em todos os lugares está a Ucrânia! A necessidade atávica de fazer uma analogia da situação atual com a de 1938, de Vladimir Putin como Adolf Hitler e os céticos da guerra como Neville Chamberlain em Munique, é prova disso. As lições de 1914, onde uma série de erros trágicos transformaram um conflito regional em uma conflagração em toda a Europa, são muito mais apropriadas.

O interesse óbvio para os EUA é a contenção da guerra como uma luta terrível, mas mutualmente destrutiva (e contínua) entre russos e ucranianos. Sem o que deveriam ser obrigações extintas para com os países vizinhos da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), absolutamente nenhum papel dos EUA deve ser remotamente contemplado.

O coro de guerra, no entanto, não deve ser subestimado. Esse coro faz ainda mais barulho na esquerda neoconservadora.

Veículos como The Bulwark, The Atlantic, Washington Post, Fox News e MSNBC são todos habitats naturais para os promotores de guerra que procuram sentar no ombro de Joe Biden e gritar em seu ouvido. Será que o presidente, sofrendo com os péssimos números das pesquisas e as más notícias econômicas em casa, sucumbirá às vozes pedindo escalada e prometendo a glória a um forte comandante em chefe das forças armadas?

Até o momento, as declarações públicas de Biden têm sido razoavelmente tranquilizadoras. Anteriormente, ele insistiu que nenhuma tropa dos EUA seria enviada ao país e repetiu isso desde então. Um acordo de três vias proposto – enviar caças F-16 americanos para os poloneses, liberando seus MiGs soviéticos para pilotos ucranianos – parece ter sido afundado por temores de escalada. O estabelecimento de uma zona de exclusão aérea na Ucrânia, que obrigaria os pilotos da OTAN (incluindo dos EUA) a interceptar e destruir caças e bombardeiros russos, está fora de cogitação por enquanto.

Mas a viagem desastrosa de Biden para falar sobre a Otan em Bruxelas no mês passado resultou em várias gafes que levantam questões sobre seu verdadeiro pensamento. A mudança de regime é a política real, mas não declarada, dos EUA para a Rússia? Ele falou errado ao dizer aos membros da Eighty-Second Airborne o que eles poderiam “ver” na Ucrânia? Livrar-se de Putin não é tarefa fácil, e uma guerra terrestre antiquada na Europa Oriental com um inimigo nuclear é uma ideia incrivelmente assustadora. Ele enfrenta os mesmos tipos de insubordinação ativa de promotores de guerra em seu próprio gabinete, Pentágono, Chefes Conjuntos e CIA que atormentaram JFK e Donald Trump? Ele está sendo vítima da ala Victoria Nuland do Departamento de Estado?

Nesse caso, Biden deve reprimir essas vozes e confiar em seus instintos de reticência aqui. Sua presidência pode muito bem depender de ele conseguir ignorar os jingoístas progressistas de esquerda. Os delirantes David Frums, Bill Kristols e Max Boots do mundo, as desequilibradas Jennifer Rubins e Cathy Youngs, os luxuriosos Sean Hannitys e Adam Kinzingers são, em sua essência, pessoas profundamente falsas. A escola de realismo da Guerra Fria dentro do establishment de política externa que Biden conhecia quando jovem senador já se foi. Os antigos progressistas kennedianos, sejam professores como John Mearsheimer ou figuras da mídia como Glenn Greenwald, encontram-se não apenas bem fora das visões políticas da esquerda, mas ativamente atacados por sugerir moderação ao lidar com Putin. Qualquer sentimento antiguerra progressista remanescente teve seu último suspiro quando George W. Bush deixou o cargo.

No entanto, como Rothbard, o historiador, explicou tão bem, o verdadeiro objetivo progressista sempre foi remodelar internamente os EUA, promovendo a guerra. O velho slogan de Bernays-cum-Wilson de tornar o mundo seguro para a democracia também pretendia criar um pé de guerra permanente dentro dos EUA, para fazer de todos os problemas do mundo o negócio dos EUA. A Grande Guerra, a primeira verdadeira guerra ideológica dos EUA, novamente ilustra a situação atual. A guerra dá aos presidentes e ao governo federal um papel de liderança na sociedade.

Considere John Dewey, o reformador insaciável e ex-pacifista que se tornou uma das primeiras estrelas da até hoje execrável revista New Republic. Rothbard observa que Dewey nos deu um vislumbre da mentalidade de guerra permanente:

E embora [em janeiro de 1916] Dewey apoiasse a entrada dos EUA na guerra para que a Alemanha pudesse ser derrotada, “um trabalho árduo, mas que precisava ser feito”, ele estava muito mais interessado nas maravilhosas mudanças que a guerra certamente traria na política doméstica americana. Em particular, a guerra ofereceu uma oportunidade de ouro para realizar o controle social coletivista no interesse da justiça social. Como disse um historiador,

Como a guerra exigia um compromisso supremo com o interesse nacional e exigia um grau sem precedentes de planejamento governamental e regulação econômica nesse interesse, Dewey viu a perspectiva de socialização permanente, a substituição permanente do interesse privado e possessivo pelo interesse público e social, tanto dentro como entre as nações.[1]

Em entrevista ao New York World alguns meses após a entrada dos EUA na guerra, Dewey exultou que “esta guerra pode facilmente ser o começo do fim das empresas”. Pois a partir das necessidades da guerra, “estamos começando a produzir para uso, não para venda, e o capitalista não é capitalista [diante da] guerra”. As condições capitalistas de produção e venda estão agora sob controle do governo, e “não há razão para acreditar que o velho princípio jamais será retomado. . . . A propriedade privada já havia perdido sua santidade. . . a democracia industrial está a caminho.”

Esse desejo de conflitos contínuos que colocam o governo no centro da vida americana é claramente visível hoje, independente de a emergência ser Putin, covid ou mudança climática. Como sempre, a necessidade de controle sobre as pessoas e principalmente sobre a propriedade é justificada por eventos externos exagerados ou mesmo fabricados. E a guerra é a justificativa final para as políticas coletivistas, especialmente a organização de mão de obra e recursos.

Afinal, a New Republic de Dewey postulou em 1914, a guerra deveria ser usada como uma “ferramenta agressiva da democracia” e como um “pretexto para impingir inovações ao país”. O influente jornalista Walter Lippmann, cujos análogos modernos são os já mencionados Boots e Rubins, foi ainda mais direto que Dewey:

Nós, que fomos à guerra para assegurar a democracia no mundo, teremos levantado aqui uma aspiração que não terminará com a derrubada da autocracia prussiana. Devemos nos voltar com novos interesses para nossas próprias tiranias – para nossas minas no Colorado, nossas autocráticas indústrias siderúrgicas, fábricas e nossos cortiços. Uma força está à solta nos EUA. Nossos próprios reacionários não vão aplacá-la. Saberemos como lidar com eles.[2]

Aparentemente pouco mudou hoje quando se trata de propaganda de guerra. Um olhar superficial sobre a New Republic revela títulos jingoístas de doidos extremistas como “‘Um trunfo russo na Casa Branca’: o autor Craig Unger sobre Trump, Putin e o Partido Republicano“. Que os apoiadores de Trump (e Trump) estão profundamente a serviço de Vladimir Putin e, portanto, são traidores dos EUA é um dogma entre os progressistas de hoje. Eles estão obcecados em conectar Trump e republicanos com a Rússia sob um guarda-chuva de “supremacia branca” e, claro, a “insurreição” de 6 de janeiro de 2021 está ligada a essa invenção. Mas a invasão de Putin realmente colocou a narrativa do Russiagate em alta. Em 2022, quem deixar de compartilhar a visão de mundo dos leitores da New Republic é potencialmente culpado de traição. O neoconservadorismo e o argumento de uma presença robusta dos EUA em todo o mundo são justificados, enquanto uma mistura nociva de vozes de extrema direita e extrema esquerda formam uma ferradura com seu ceticismo antipatriótico em relação à guerra. Mesmo Tulsi Gabbard é quase certamente um trunfo russo neste meio sensacionalista.

Dewey e Lippmann certamente aprovariam.

Hoje, como sempre, o verdadeiro movimento antiguerra encontra sua tração muito longe de Washington e dos comentaristas profissionais. As pessoas comuns, menos abastadas e cansadas da guerra após duas décadas no Oriente Médio, ousam se preocupar mais com os preços do combustível e aluguel do que com a Ucrânia. Trump ouviu essas pessoas. Será que Joe Biden ouvirá? Ou ele vai sucumbir aos modernos Walter Lippmanns? Os americanos podem ter se acostumado a guerras e ocupações permanentes nos últimos cinquenta anos, mas essas foram o que o professor Steven F. Hayward chama de “meias-guerras” — principalmente conflitos de baixo grau travados por uma pequena porcentagem de americanos nas forças armadas voluntárias. Uma guerra terrestre na Europa não seria meia-guerra. Vamos torcer para que Joe Biden ouça a razão, ao invés de progressistas que estão empenhados em remodelar os EUA e o mundo. Independentemente de suas opiniões sobre a Ucrânia, ele certamente compartilha a visão progressista de mudanças radicais internas – e a guerra no exterior é um meio para esses fins.

 

Artigo original aqui

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Notas

[1] Carol S. Gruber, Mars and Minerva: World War I and the Uses of the Higher Learning in America (Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1975), p. 92, citado em Murray N. Rothbard, War Collectivism: Power, Business, and the Intellectual Class in World War I (Auburn, AL: Mises Institute, 2012), p. 85.

[2] Walter Lippmann, citado em Charles Hirschfeld, “Nationalist Progressivism and World War I”, Mid-America 45 (julho de 1963), p. 140. Lippmann usa “nós” gratuitamente aqui; como observa Rothbard, ele estava apto e com 27 anos ainda conseguiu solicitar um trabalho de escritório nos Estados Unidos com o secretário de guerra e evitar o alistamento militar obrigatório. Veja Rothbard, Colectivismo de Guerra, pp. 200-201.

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