Você odeia o estado?

3
Tempo estimado de leitura: 6 minutos

david friedmanUltimamente tenho pensado sobre quais são as questões cruciais que dividem os libertários. Algumas que têm recebido muita atenção nos últimos anos são: o anarcocapitalismo vs. o governo limitado, o abolicionismo vs. gradualismo, direitos naturais vs. utilitarismo, e a guerra vs. a paz. Mas cheguei à conclusão de que, por mais importante que sejam estas questões, elas realmente não vão ao cerne da questão, a linha divisória crucial entre nós.

Tomemos, por exemplo, dois dos principais trabalhos anarcocapitalistas dos últimos anos: o meu Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário e As Engrenagens da Liberdade de David Friedman. Superficialmente, as principais diferenças entre eles são a minha adesão ao jusnaturalismo e a um código de lei libertária racional, em contraste com o utilitarismo amoralista de Friedman que clama para troca de favores políticos e trade-offs entre agências policiais privadas não-libertárias. Mas a diferença realmente é mais profunda. Ao longo do Por Uma Nova Liberdade: O Manifesto Libertário (e da maior parte do resto do meu trabalho também) vê-se um ódio profundo e penetrante ao estado e a todas as suas obras, com base na convicção de que o estado é o inimigo da humanidade. Por outro lado, é evidente que David não odeia o estado de forma alguma; ele apenas chegou à convicção de que o anarquismo e forças policiais privadas concorrentes são um melhor sistema social e econômico do que qualquer alternativa. Ou, mais elaboradamente, que o anarquismo seria melhor do que o laissez-faire que por sua vez é melhor do que o sistema atual. Em meio a todo o espectro de alternativas políticas, David Friedman decidiu que o anarcocapitalismo é superior. Mas superior a uma estrutura política existente que é muito boa também. Em suma, não há nenhum sinal de que David Friedman em qualquer sentido odeie o estado americano existente ou o estado per se, que o odeie profundamente em seu interior como a uma gangue de ladrões predatória, escravizadores, e homicidas. Não, existe simplesmente uma convicção de que o anarquismo seria o melhor de todos os mundos possíveis, mas que a nossa atual situação não é tão distante dele em conveniência. Pois para Friedman não há sentido em dizer que o estado – qualquer estado – é uma gangue criminosa e predatória.

A mesma impressão se vê nos escritos, por exemplo, do filósofo político Eric Mack. Mack é um anarcocapitalista que acredita em direitos individuais; mas não há nenhum indício em seus escritos de qualquer ódio passional ao estado, ou, a fortiori, qualquer acusação de que o estado é uma besta fera inimiga e que vive de espólios.

Talvez a palavra que melhor defina a nossa distinção é “radical”. Radical no sentido de estar em total e completa oposição ao sistema político existente e ao próprio estado. Radical no sentido de ter integrado a oposição intelectual ao estado com um ódio corajoso a seu abrangente e organizado sistema de crime e de injustiça. Radical no sentido de um profundo compromisso com o espírito de liberdade e antiestatismo que integra a razão, a emoção, o coração e a alma.

Além disso, em contraste com o que parece ser verdade hoje em dia, você não tem que ser um anarquista para ser um radical em nosso sentido, assim como você pode ser um anarquista mesmo faltando a centelha radical. Não consigo pensar em um único governista limitado dos dias de hoje que é radical – um fenômeno verdadeiramente surpreendente, quando pensamos em nossos antepassados liberais clássicos que eram genuinamente radicais, que odiavam o estatismo e os estados de seus dias com uma paixão muito bem integrada: os Levellers, Patrick Henry, Tom Paine, Joseph Priestley, os jacksonianos, Richard Cobden, e assim por diante, uma votação nominal verdadeira dos grandes nomes do passado. O ódio radical de Tom Paine ao estado e ao estatismo foi e é muito mais importante para a causa da liberdade que o fato de que ele nunca cruzou a linha divisória entre laissez-faire e anarquismo.

E mais perto de nossos dias, as minhas primeiras influências, como Albert Jay Nock, H. L. Mencken e Frank Chodorov, foram magnificamente e soberbamente radicais. O ódio em Nosso Inimigo, o Estado (título de um livro de Nock) e todas as suas obras brilhou através de todos os seus escritos como uma estrela cintilante. E daí se eles nunca fizeram bem todo o caminho para o anarquismo explícito? Muito melhor um Albert Nock do que uma centena de anarcocapitalistas que estão todos muito confortáveis com o status quo existente.

Onde estão os Paines e Cobdens e Nocks de hoje? Por que quase todos os nossos governistas de laissez-faire limitado são conservadores débeis e patriotas? Se o oposto de “radical” é “conservador”, onde estão os nossos radicais de laissez-faire? Se os nossos estatistas limitados forem verdadeiramente radicais, não haveria praticamente nenhuma divisão entre nós. O que divide o movimento agora, a verdadeira divisão, não é anarquista vs. minarquista, mas radical vs. conservador. Senhor, dá-nos radicais, sejam eles anarquistas ou não.

Para levar a nossa análise adiante, antiestatistas radicais são extremamente valiosos, mesmo que dificilmente possam ser considerados libertários em qualquer sentido abrangente. Assim, muitas pessoas admiram o trabalho de colunistas como Mike Royko e Nick von Hoffman porque consideram estes homens simpatizantes libertários e companheiros de viagem, o que eles são, mas isso não dá a dimensão da sua verdadeira importância. Em todos os escritos de Royko e von Hoffman, por mais inconsistentes que possam ser, sem dúvida, há um ódio onipresente ao estado, a todos os políticos, burocratas e seus clientes que, no seu radicalismo genuíno, é muito mais fiel ao subjacente espírito de liberdade do que alguém que nos acompanhe friamente ao longo de cada silogismo e entimema até o “modelo” de tribunais concorrentes.

Tomando o conceito de radical vs. conservador no nosso novo sentido, vamos analisar o agora famoso debate “abolicionismo” vs. “gradualismo”. O último golpe vem na edição de agosto da Reason (uma revista em que cada fibra de seu ser exala “conservadorismo”), na qual o editor Bob Poole pergunta a Milton Friedman onde ele está neste debate. Friedman aproveita a oportunidade para denunciar a “covardia intelectual” daqueles que não estabeleceram métodos “viáveis” de conseguir ir “daqui para lá.” Poole e Friedman conseguiram encobrir os verdadeiros problemas. Não há um único abolicionista que não adotaria um método viável, ou um ganho gradual, se fosse o caminho disponível no momento. A diferença é que o abolicionista sempre mantém alta a bandeira de seu objetivo final, não esconde os seus princípios básicos e pretende chegar ao seu objetivo tão rápido quanto humanamente possível. Assim, enquanto o abolicionista aceitará um passo gradual na direção certa se isso é tudo que ele pode conseguir, ele sempre aceita a contragosto, como apenas um primeiro passo em direção a um objetivo que ele sempre mantém incrivelmente claro. O abolicionista é um “apertador de botões”, que pressionaria seu polegar contra um botão que abolisse o estado imediatamente, se tal botão existisse. Mas o abolicionista também sabe que, infelizmente, tal botão não existe e que ele vai pegar um pouco do pão, se necessário – enquanto prefere sempre o pão inteiro se ele puder alcançá-lo.

Deve-se notar aqui que muitos dos mais famosos programas “graduais” de Milton, como o plano de vouchers, o imposto de renda negativo, o imposto retido na fonte e o papel-moeda fiduciário são passos graduais (ou mesmo não tão graduais) na direção errada, para longe da liberdade e daí a oposição de muita da militância libertária a esses regimes.

A posição “apertador de botões” decorre do profundo e permanente ódio do abolicionista ao estado e ao seu vasto motor de crime e opressão. Com tal visão de mundo integrada, o libertário radical nunca poderia sonhar enfrentar um botão mágico ou qualquer problema da vida real com algum cálculo de custo-benefício árido. Ele sabe que o estado deve ser diminuído tão rápido e tão completamente quanto possível. Ponto.

E é por isso que o libertário radical não só é um abolicionista, mas também se recusa a pensar em termos como de um Plano de Quatro Anos para algum tipo de procedimento medido para a redução do estado. O radical – seja ele anarquista ou de laissez-faire – não pode pensar em termos como, por exemplo: bem, no primeiro ano, vamos cortar o imposto sobre o rendimento de 2%, abolir o ICC, e cortar o salário mínimo; pelo segundo ano vamos abolir o salário mínimo, cortar o imposto de renda por outro 2% e reduzir os pagamentos de bem-estar por 3%, etc. O radical não pode pensar em tais termos, porque os radicais veem o estado como nosso inimigo mortal, que deve ser mutilado onde e quando pudermos. Para o libertário radical, deve-se tomar toda e qualquer oportunidade para cortar na carne do estado, seja para reduzir ou suprimir um imposto, uma redução orçamentária, ou um poder de regulamentação. E o libertário radical é insaciável nesse apetite até que o estado tenha sido abolido, ou – para minarquistas – diminuído para um papel minúsculo, de laissez-faire.

Muitas pessoas se perguntam: por que deveria haver quaisquer disputas políticas importantes entre os anarcocapitalistas e minarquistas agora? Neste mundo de estatismo, onde há muito terreno comum, por que os dois grupos não podem trabalhar em completa harmonia até que tenham alcançado um mundo cobdenita, após o qual poderemos expor nossas divergências? Por que brigar por tribunais e outras coisas agora? A resposta a esta excelente pergunta é que poderíamos e iríamos marchar lado a lado, desta forma, se os minarquistas fossem radicais, como desde o nascimento do liberalismo clássico até a década de 1940. Dê-nos os radicais antiestatistas novamente, e a harmonia irá reinar triunfante dentro do movimento.

 

 

Tradução de Lacombi Lauss

Revisão de Marcos Paulo Silva

3 COMENTÁRIOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.