Introdução de Michael Wiebe
A primeira e mais óbvia estratégia para se ter uma sociedade genuinamente livre é a educação: temos de mostrar para as pessoas que o estado é imoral, desnecessário e não funciona. Mas como conseguir isso? Devemos tentar convencer as massas ou os intelectuais? Devemos enfatizar a moralidade ou a viabilidade?
Hans-Hermann Hoppe nos forneceu a resposta a esta questão apresentando a estratégia do “intelectualismo anti-intelectual”. Seguindo a constatação de Étienne de La Boétie, de que o poder e a legitimidade do governo advêm da opinião pública, temos de reconhecer que são os intelectuais que moldam a opinião pública. Deste modo, Hoppe convoca “intelectuais anti-intelectuais” para que assumam a missão de confrontar os intelectuais pró-estado, tirar definitivamente a legitimidade do estado e, deste modo e em última instância, destruam o estado.
As duas seções principais desta estratégia são (1) basear seus argumentos na moralidade e não meramente no utilitarismo, e ao mesmo tempo (2) contornar o mundo acadêmico e alcançar o público em geral. Assim, diz Hoppe, “estados, por mais poderosos e invencíveis que possam parecer, devem sua existência essencialmente às ideias; e, uma vez que ideias podem, ao menos em princípio, ser mudadas instantaneamente, estados podem ser derrubados e esfacelados quase que da noite para o dia.”
A estratégia do intelectualismo anti-intelectual foi exposta por Hoppe em seu artigo, A ética rothbardiana:
A partir desta constatação sobre a importância das ideias e do papel dos intelectuais como protetores do estado e do estatismo, segue-se que o papel mais importante no processo de liberalização — a restauração da justiça e da moralidade — deve ser assumido por aqueles que podemos chamar de intelectuais anti-intelectuais. No entanto, fica a pergunta: como estes intelectuais anti-intelectuais podem ter êxito em deslegitimar o estado perante a opinião pública se considerarmos que a esmagadora maioria de seus colegas é formada por estatistas que farão de tudo para isolá-los e desacreditá-los, taxando-os de extremistas e malucos? O espaço aqui me permite fazer apenas breves comentários sobre esta questão, que é fundamental.
Primeiro: Dado que será necessário enfrentar a oposição cruel e maliciosa de seus colegas, para que o indivíduo possa resistir e não se deixar abater é de máxima importância não basear sua posição no utilitarismo e na ciência econômica, e sim em argumentos de ordem ética e moral. Pois somente convicções morais provêem a força e a coragem necessárias para uma batalha intelectual e ideológica. Poucos se sentem inspirados ou se dispõem a aceitar sacrifícios quando estão se opondo a coisas que consideram ser meros erros ou superficialidades. Por outro lado, inspiração e coragem podem ser obtidas em grande dose se se souber que se está lutando contra o mal e combatendo mentiras perversas. (Retorno a este ponto brevemente).
Segundo: É importante reconhecer que não é necessário convencer outros intelectuais convencionais. Como demonstrou Thomas Kuhn, isto é algo bastante raro até mesmo nas ciências naturais. Nas ciências sociais, praticamente não se conhece casos de intelectuais consagrados que abandonaram suas opiniões anteriores e se converteram. Em vez disso, os esforços devem ser concentrados naqueles jovens que ainda não se comprometeram intelectualmente; jovens cujo idealismo também os torna particularmente mais receptivos a argumentos morais rigorosos. E, da mesma maneira, deve-se ignorar o mundo acadêmico e se esforçar para alcançar o grande público (isto é, os leigos inteligentes esclarecidos), o qual, de modo geral, nutre alguns saudáveis preconceitos anti-intelectuais, que podem ser facilmente explorados.
Terceiro (retornando à importância de um ataque moral contra o estado): É essencial compreender que não se pode fazer nenhuma concessão em nível de teoria. É claro que não se deve recusar uma cooperação com pessoas que possuam opiniões que sejam essencialmente erradas e confusas, desde que os objetivos delas possam ser classificados, clara e inequivocamente, como um passo correto em direção à desestatização da sociedade. Por exemplo, é correto cooperar com pessoas que pretendem introduzir um imposto de renda uniforme (flat) de 10% (embora não iríamos querer cooperar, por exemplo, com aqueles que gostariam de combinar esta medida com um aumento em outros impostos a fim de manter a arrecadação inalterada). No entanto, sob nenhuma circunstância esta cooperação deve levar a, ou ser obtida por meio de, uma contemporização dos próprios princípios. Ou a tributação é algo justo ou ela é injusta. E uma vez que ela seja aceita como justa, como então será possível se opor a qualquer aumento da mesma? A resposta logicamente é que não é possível!
Em outras palavras, fazer concessões em nível de teoria, como vemos acontecer, por exemplo, entre liberais moderados como Hayek e Friedman, ou mesmo entre os chamados minarquistas, não apenas denota uma grande falha filosófica, como também é uma atitude, do ponto de vista prático, inútil e contraproducente. As idéias destas pessoas podem ser — e de fato são — facilmente cooptadas e incorporadas pelos governantes e pelos ideólogos do estado. Aliás, não é de se estranhar a frequência com que ouvimos estatistas defendendo a agenda estatista dizendo coisas como “até mesmo Hayek (Friedman) diz — ou, nem mesmo Hayek (Friedman) nega — que isto e aquilo deve ser feito pelo estado!” Pessoalmente, eles até podem ter ficado descontentes com isso, mas não há como negar que suas obras serviram exatamente a este propósito; e, consequentemente, queiram ou não, eles realmente contribuíram para o contínuo e incessante crescimento do poder do estado.
Ou seja, gradualismo ou concessão teórica irá gerar apenas a perpetuação da falsidade, do mal e das mentiras do estatismo. Somente o purismo teórico, com seu radicalismo e sua intransigência, pode e irá resultar primeiro em reformas práticas e graduais, depois no aprimoramento, até finalmente chegar a uma possível vitória final. Deste modo, sendo um intelectual anti-intelectual no sentido rothbardiano, um indivíduo não deve se limitar apenas a criticar diversas tolices do governo, ainda que ele possa ter de começar por elas; ele deve sempre partir deste ponto e ministrar um ataque fundamental à instituição do estado, mostrando-o como uma afronta ética e moral. O mesmo deve ser feito com seus representantes, que devem ser expostos como fraudes morais e econômicas, bem como mentirosos e impostores — devemos sempre apontar que os reis estão nus.
Particularmente, o indivíduo jamais deve hesitar em atacar o próprio núcleo da legitimidade do estado: seu suposto papel de indispensável fornecedor de segurança e proteção. Já demonstrei em termos teóricos o quão ridícula é esta alegação: como é possível uma agência que pode expropriar propriedade privada alegar ser protetora da propriedade privada? Mas tão importante quanto o ataque teórico é atacar também a legitimidade do estado em bases empíricas. Isto é, trabalhar arduamente sobre o tema de que os estados, que supostamente deveriam nos proteger, são eles próprios a instituição responsável por 200 milhões de mortes apenas no século XX — mais do que as vítimas de crimes privados em toda a história da humanidade (e este número de vítimas de crimes privados, crimes contra os quais o governo não nos protegeu, teria sido bem menor caso os governos de todos os locais e de todas as épocas não tivessem se empenhado continuamente em desarmar seus próprios cidadãos para que eles mesmos, os governos, não encontrassem resistência e pudessem se tornar máquinas mortíferas ainda mais eficientes)!
Portanto, em vez de tratar políticos com respeito, nossa crítica a eles deveria ser significativamente intensificada: quase sem exceção, eles não são somente ladrões; são também falsificadores, corruptos, charlatães e chantagistas. Como ousam exigir nosso respeito e nossa lealdade?
Mas será que uma vigorosa e distinta radicalização ideológica trará os resultados desejados? Não tenho a menor dúvida que sim. De fato, apenas ideias radicais — e, na verdade, radicalmente simples — podem incitar as emoções das massas inertes e indolentes, e deslegitimar o governo perante seus olhos.
Purismo! Radicalismo! Intransigência!
Este sim é um slogan que deve ser adotado em nossa vida.