Já ouviu dizer que o pen drive e o email salvaram mais árvores que todas as campanhas do Greenpeace?
Independentemente do cálculo de quem economizou mais celulose, essa frase comunica uma mensagem mais profunda. O capitalismo opera de forma não-premeditada. As mudanças capitalistas se realizam sem a necessidade de discursos ou campanhas de conscientização. Mas elas mudam o discurso e a consciência de maneira definitiva.
Não faz muito tempo, as mulheres ainda eram tratadas com inferioridade social e política. Repare estes anúncios do início do século XX:
“Não se preocupe, querida, você não queimou a cerveja.”
“Meu voto você não terá. Eu não quero uma sufragista que dá sermões.”
Transformações sociais e políticas costumam acompanhar transformações econômicas. Não é porque a economia muda sem a necessidade de um movimento retórico estabelecido que suas conquistas devem ser ignoradas. Pelo contrário. As vitórias silenciosas do capitalismo merecem ser lembradas justamente porque não foram resultado de planejamento ou oratória.
Segue a lista de 8 grandes conquistas femininas trazidas pelo capitalismo.
1. A Revolução Industrial
Ouvimos falar das péssimas condições que mulheres e crianças enfrentavam na indústria britânica do século XIX pelas páginas de Dickens ou pela boca do nosso professor de geografia. E às vezes nos esquecemos perguntar por que as mulheres escolhiam ir para as fábricas. Na verdade, as fábricas aumentaram a renda e a independência das mulheres.
Voltaire notava que, por serem fisicamente mais fracas que os homens, as mulheres eram “pouco capazes de fazerem o trabalho pesado de marcenaria, carpintaria, ferragem ou arado”. E que, portanto, “elas eram necessariamente delegadas com os trabalhos mais leves do interior da casa e, sobretudo, com o cuidado dos filhos”.
Ninguém acusa Voltaire de machismo. O que ocorria no século XVIII era uma falta de oportunidade para o trabalho feminino. Com as máquinas, as habilidades humanas mudam de valor. O capital deixa o trabalho menos braçal e mais intelectual, permitindo que as mulheres compensassem com neurônios o que lhes faltava em musculatura. Por ser mais produtivo que o trabalho rural, a renda dos trabalhadores industriais superou a renda do campo. Foi a revolução industrial que dinamizou o processo de emancipação econômica das mulheres.
Veja aqui um artigo detalhado sobre a participação da mulher na Revolução Industrial.
2. A invenção da bicicleta
Mais barata e fácil de manter do que o cavalo, a bicicleta deu mais mobilidade às mulheres no final do século XIX. A National Geographic publicou The Wheels of Change só para contar a história feminina da bicicleta. Originalmente, havia bicicletas com os dois pedais do mesmo lado, para que as mulheres pudessem pedalar em seus vestidos longos e de múltiplas camadas de tecido. Com o passar do tempo, o ato de pedalar causou uma reimaginação do vestuário feminino. E permitiu que as mulheres se deslocassem com mais facilidade, seja para trabalhar, se educar, ou conspirar pelos seus direitos.
A líder feminista Susan B. Anthony dizia que a bicicleta “fez mais para emancipar as mulheres do que qualquer outra coisa no mundo.”
3. A evolução da máquina de lavar
“Salve a vida das mulheres”, dizia a madeira que revestia as máquinas de lavar produzidas em 1907 pela Nineteen Hundred Company. O slogan é o título do livro de Lee Maxwell que conta a história da máquina de lavar.
Lavar roupa em caldeirões ferventes de fato não era uma atividade muito segura. A automatização do trabalho doméstico aumentou o bem-estar feminino. A partir da máquina de lavar, outros utensílios começaram a realocar o espaço e o tempo das atividades femininas. A vida da mulher se torna mais segura — a cozinha dos tempos pré-industriais era o principal local de acidentes fatais entre as mulheres. E menos tempo em trabalhos domésticos permitiu às mulheres se educarem e investir em outras atividades, da arte à indústria.
4. A comercialização das artes
Berthe Morisot
“O declínio do sistema de patronagem serviu de alavanca para as mulheres escritoras”, diz Tyler Cowen em In Praise of Commercial Culture. “Os homens, que tinham conexões políticas e sociais, recebiam quase todo o patrocínio artístico.”
Ao poder depender diretamente dos consumidores, as mulheres podiam desenvolver sua arte sem precisar pedir licença ao fechado clube masculino. E a diminuição dos custos do material artístico, como tintas, pincel e telas, fez com que praticar arte fosse menos um privilégio da elite e mais uma questão de talento.
5. O mercado publicitário
Pode parecer frivolidade, mas o mercado de beleza abre oportunidades para a independência financeira das mulheres. Anne Applebaum lembra que “na União Soviética não havia mercado para a beleza feminina. As revistas de moda não exibiam mulheres bonitas porque não havia revistas de moda. Nenhuma série de televisão dependia de mulheres bonitas para aumentar sua audiência porque não se media a audiência.”
Quantas líderes femininas não alcançaram proeminência por causa do mercado publicitário?
6. O anticoncepcional
“Pela primeira vez na experiência humana, e talvez na própria natureza, um dos sexos passou a ter o controle sobre a produção de bebês”, escreve Lionel Tiger em The Decline of Men.
Os anticoncepcionais deram poder reprodutivo às mulheres. Antes da sua invenção, entre 30 a 50% das noivas se casavam grávidas. O declínio desse número significa que mais mulheres puderam planejar e escolher quem será o pai dos seus filhos. Os homens passaram a ter que mudar o comportamento com relação às mulheres para se tornarem merecedores da paternidade. Agora são os homens que estão reavaliando o seu declínio social.
7. Acesso ao crédito
Ainda hoje, as mulheres correspondem a 70% da população pobre do planeta. O acesso ao crédito é um dos instrumentos de enriquecimento das mulheres.
Em boa operação, um sistema financeiro coloca pessoas com competência e boas ideias em pé de igualdade com pessoas que tem apenas o dinheiro. Novas modalidades financeiras, como o microcrédito, têm permitido que as mulheres se tornem mais empreendedoras, produtivas e participem do processo de desenvolvimento econômico de suas sociedades.
8. A migração global
Ayaan Hirsi Ali, emigrante somaliana e líder feminista global.
Em boa parte do mundo, o dia internacional das mulheres gera mais lamentação do que celebração. De acordo com relatório da Freedom House sobre direitos das mulheres:
A violência de gênero continua a ser um dos obstáculos mais graves para as mulheres no Oriente Médio. As leis que protegem as mulheres da violência conjugal estão ausentes na maioria dos países, o estupro conjugal não é criminalizado, e homicídios de honra ainda ocorrem e estão em ascensão no Iraque e na Palestina. As mulheres experimentam consideráveis ??obstáculos ao acesso à justiça devido ao seu baixo grau de alfabetização jurídica e à natureza patriarcal das sociedades. As mulheres também são significativamente sub-representadas em altos cargos na política e no setor privado. Em alguns países, elas estão completamente ausentes do judiciário.
Às vezes a melhor maneira de escapar de uma sociedade com mínimas perspectivas de dignidade e liberdade é, de fato, sair de lá. Hoje o número de mulheres migrantes já equivale ao de homens. Grande parte delas migra para seguir ou reencontrar sua família. Mas o Fundo de População das Nações Unidas elenca outros motivos:
Para estudar ou para adquirir experiência de trabalho e independência econômica, a fim de ganhar mais respeito dentro de sua família e da comunidade por causa da sua contribuição para o bem-estar…
Para escapar da discriminação de gênero e de normas constrangedoras de gênero, como a obrigação de se casar e ter filhos, ou a proibição de estudar e trabalhar.
Mesmo quando voltam para seus países, as mulheres voltam transformadas e novas agentes de transformação. Como relata a migrante indiana Sushila Rai:
Enquanto trabalhei em Hong Kong experimentei muitas coisas — a maneira como as pessoas tratam uma mulher, dependente ou independente. Ganhei muita experiência e minha confiança aumentou. Agora eu tenho voz ativa na tomada de decisão em casa. Meu marido não grita comigo. Eu comprei um pedaço de terra e quatro riquixás. Estou criando um meio de subsistência para outras quatro famílias.
“A conquista capitalista não consiste tipicamente em prover mais meias de seda para rainhas”, dizia o economista Joseph Schumpeter em 1942, “mas sim em trazer [meias de seda] para o alcance das meninas das fábricas em retorno a quantidades de esforço cada vez menores”. As consequências dessas conquistas não protegem e adornam apenas os pés dessas meninas — acabam protegendo seus direitos e adornando suas vidas.