O que é anarcocapitalismo: uma breve introdução

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Alguém que é obrigado a trabalhar à força para outra pessoa é um escravo. O mestre pode ser mais ou menos benevolente, generoso ou magnânimo, e pode até fornecer um grande número de bens e serviços a seu servo. Mas isso não muda o fato de que a pessoa obrigada a trabalhar à força continua sujeita ao jugo da escravidão.

Por outro lado, vários institutos e think tanks em todo o mundo calculam o que é conhecido como Dia da Liberdade de Impostos, como é chamada a data em que os cidadãos de um determinado país geraram renda suficiente para pagar todos os impostos ao estado. A partir daí é que começam a trabalhar para si mesmos.

Embora esses estudos tendam a recomendar a redução da carga tributária, e embora seja muito importante para fins informativos saber quanto tempo da vida as pessoas gastam para pagar impostos, há, no entanto, uma questão que esses estudos geralmente não levantam: quando deveria ser o Dia da Liberdade de Impostos?

Se a definição inicial for aceita, qualquer resposta que não seja 1º de janeiro justifica a escravidão, ou seja, justifica a situação das pessoas obrigadas a trabalhar à força para outras pessoas.

Pois bem, o anarcocapitalismo é uma teoria que se opõe completa e sistematicamente a todas as formas de escravidão e, portanto, considera que nenhuma pessoa deve ser forçada, por meio da coerção e da violência, a entregar parte dos frutos do seu trabalho a outrem, o que inclui o pagamento de impostos. Autores como Gustave de Molinari, Lysander Spooner, Murray N. Rothbard, Hans Hermann-Hoppe, Jesús Huerta de Soto e Miguel Anxo Bastos pertencem a esta tradição de pensamento.

O anarcocapitalismo é uma teoria política cujo eixo central é a pesquisa sobre o uso legítimo da força física, a violência. O postulado fundamental do anarcocapitalismo é o Princípio de Não-Agressão. De acordo com este princípio, ninguém tem o direito de iniciar o uso de violência física contra pessoas ou bens de terceiros. Esse princípio faz uma distinção muito clara entre a violência agressiva, que seria ilegítima, e a violência defensiva, que seria perfeitamente permissível. Assim, por exemplo, a violência perpetrada por um ladrão ou estuprador contra suas vítimas seria ilegítima, mas a violência exercida por essas mesmas vítimas para se defender da agressão de seus agressores seria perfeitamente legítima.

Um sociólogo alemão chamado Franz Oppenheimer (que, aliás, não era anarcocapitalista) estabeleceu, em sua obra O Estado, uma diferença fundamental entre os dois únicos meios que existem para adquirir os recursos e a riqueza disponíveis. Por um lado, segundo Oppenheimer, teríamos os meios econômicos, que seriam a produção e a troca. Esses meios são pacíficos e voluntários e alcançam um aumento geral da riqueza, sem prejudicar ninguém. Por outro lado, teríamos os meios políticos, que seria extorsão, fraude e roubo. Esses meios usam a violência, precisam da existência de riquezas anteriores geradas por meios econômicos, são parasitários e são um jogo de soma zero, ou seja, só podem aumentar a riqueza de uns em detrimento da redução de outros. Segundo esse sociólogo, o Estado seria a organização sistemática dos meios políticos.

Portanto, e dado que o Estado utiliza sistematicamente meios políticos e, portanto, viola o princípio da Não-Agressão, a teoria política anarcocapitalista considera o Estado uma organização ilegítima e deve ser substituído por sistemas sociais, baseados em relações livres e voluntárias.

O anarcocapitalismo também é uma teoria que busca consistência em três áreas de estudo fundamentais: economia, justiça e história. Assim, os autores desta corrente não aceitam, em nenhum destes campos de estudo, exceções injustificadas aos princípios gerais dos quais partem.

Em economia (particularmente aqueles autores anarcocapitalistas que são ao mesmo tempo seguidores da Escola Austríaca), eles consideram que as leis econômicas se aplicam igualmente a todos os bens e serviços. Os princípios da teoria subjetiva do valor, utilidade marginal, cálculo econômico, etc., afetam todos os bens econômicos igualmente. Os economistas da Escola Austríaca consideram o mercado uma instituição que responde adequadamente aos desejos dos consumidores quando se trata de fornecer bens e serviços, enquanto o Estado não o é. Autores anarcocapitalistas compartilham essa ideia, mas aplicam essa noção ao fornecimento de todos os bens, incluindo segurança e justiça.

No que diz respeito à teoria da justiça, esses autores também não aceitam exceções arbitrárias. Se um determinado ato for considerado ilegítimo e injusto, continuará a ser considerado como tal, independentemente de quem o comete. Por exemplo, se consideramos que o roubo é um ato violento e injusto que, em nenhum caso, pode ser considerado legítimo, tanto se o ladrão for um malfeitor mascarado que agride suas vítimas de forma dispersa, quanto se for um representante público que utiliza o aparato coercitivo do Estado para a cobrança de impostos.

No que diz respeito ao terceiro campo de estudo, os autores desta corrente utilizam o trabalho de um grupo de historiadores, sociólogos e antropólogos que estudaram em profundidade os mecanismos através dos quais as formas políticas que dariam, ao longo do tempo, origem a essa forma que hoje conhecemos pelo nome de Estado. Segundo autores como Alexander Rustow, Roberto L. Carneiro ou Charles Tilly, a origem do Estado, longe de ser um contrato social ou de relações pacíficas e voluntárias, está na guerra, na conquista e no saque.

Por fim, nesta breve introdução, é conveniente esclarecer um ponto muito importante que às vezes tende a ser esquecido: o anarcocapitalismo não é uma filosofia moral. Não diz às pessoas como você deve viver, ou quais objetivos você deve perseguir na vida. Limita-se a estabelecer as circunstâncias em que é justo ou legítimo o uso de violência física e aquelas em que não o é. Os autores desta tradição defendem o capitalismo porque consideram que respeita o princípio da Não Agressão e porque sustentam que é o sistema econômico que promove um maior aumento da riqueza e a melhoria da qualidade de vida para todos. Mas o capitalismo é apenas uma das muitas formas de organização econômica compatíveis com o princípio da Não-Agressão. Um grupo de pessoas que vive em uma economia tribal, comunitária ou tradicional e que não deseja fazer parte de uma economia do tipo capitalista tem toda a legitimidade para não fazê-lo e ninguém teria o direito de iniciar violência física contra suas pessoas e propriedades. Portanto, existem alguns autores que propõem denominações diferentes para esta tradição de pensamento como, por exemplo, Gerard Casey que propõe o termo Anarquia Libertária.

 

Artigo original aqui.

3 COMENTÁRIOS

  1. Uma das críticas mais comuns ao anarcocapitalismo feitas por liberais e conservadores é que ele é uma filosofia vazia moralmente, e que as coisas tem historicamente um porquê e o anarcocapitalismo por si só é muito pouco….
    Realmente uma pessoa que tem como unico princípio na vida o princípio da não agressão está vivendo no limite do limite… Porém o erro na minha opinião dessa crítica é que ela falha de entender que o objetivo do anarcocapitalismo não é dar um sentindo a vida ou ser uma filosofia moral… No meu modo de ver o anarcocapitalismo é simplesmente a ética mínima necessária para qualquer filosofia de vida ser compatível com a convivência pacífica em sociedade… E apartir daí vc pode adotar qualquer filosofia de vida… Ter qualquer fé religiosa… Quaisquer hábito alimentar… Quaisquer hábitos sexuais…. Sempre lembrando que discriminar e ter opiniões ruins sobre outras pessoas não é uma agressão e ninguém tem a obrigação de aceitar ninguém na sua convivência social

  2. Ainda que eu entenda a legítima defesa como moral, ainda assim, é violência. Umas das grandes questões do anarcocapitalismo é determinar um sistema eficiente entre crimes e punições, de maneira que isso possa ser considerado justiça. Um crime, por definição, é uma violação de propriedade. Com efeito, pode ser somente a quebra de um contrato. E se é um crime, um processo torna-se também legítima defesa. E neste caso, é preciso estar muito claro o principio da proporcionalidade, algo que não é necessário quando a agressão é física. Se um sujeito me dá um soco, ainda que pareça desproporcional, atirar um tijolo na sua cabeça é um ato de legítima defesa. Se o sujeito morrer ao receber a tijolada, não pode ser considerado um crime. Seria apenas se fosse comprovado uma agressão posterior, com o sujeito no chão, sem defesa – ainda que agressor.

    O objetivo de uma sociedade privada é impedir toda e qualquer violações de propriedade privada. E isso de fato, não é algo que possa ser considerado uma filosofia moral. O seja, como diz Hoppe, é preciso agregar um boa economia com uma boa cultura. Os austríacos fornecem a primeira e os conservadores a segunda. Ou seja, ainda que os indivíduos em uma sociedade libertária possam viver a vida que escolherem pra si, um libertário consistente é um conservador, e de preferência católico romano. É preciso ter uma posição firme a respeito destas coisas. O live and let die é potencialmente um comportamento niilista e destrutivo. Não é por menos que o rock and roll foi considerado durante muito tempo coisa do demônio.

    No geral, a tendência de uma sociedade libertária é ser conservadora porque o ser humano é conservador. Os estímulos sensoriais especificamente projetados pelos engenheiros sociais do estado é que distorcem isso. Nós poderíamos extrapolar bastante e deixar que o mercado legítimo determinar qual a melhor forma de organização social. Sem o estado leviatã, sua violência e dinheiro falsificado, as escolhas seriam outras.

    • Legítima defesa é uma forma de repelir uma violência, não uma violência. Por isso que o PNA, príncipio derivado da defesa absoluta da propriedade privada, se posiciona contra a INICIAÇÃO de uma agressão.
      Você não pode iniciar, ser o primeiro a agredir alguém. A partir do momento em que isso ocorre, a vítima tem direito de se defender da agressão e a exigir uma devida idenização em um tribunal privado, acordado entre as duas partes e não simplesmente apontado pelo Estado exposto a corrupções e favorecimentos que fogem ao controle do indivíduo e das duas partes envolvidas.

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