Precisamos falar sobre os crimes do estado contra o indivíduo

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Muito se fala sobre o indivíduo que comete crimes, mas pouco se fala sobre os crimes do estado contra o indivíduo. Crimes, estes, que são muito piores, visto que contra o estado, o indivíduo tem poucas chances substanciais e realmente efetivas de defesa.

O estado mata, sequestra, furta e expropria cidadãos pacíficos diariamente, sendo frequentemente responsável por atrocidades inenarráveis, que muitos demagogos arrivistas exploram de forma oportunista, para fins políticos e eleitoreiros egoístas.

Outros, no entanto — em especial os idólatras mais fanáticos do estado — se contentam em ignorar deliberadamente acontecimentos desta natureza, fingindo que eles nunca ocorreram. Essa categoria de pessoas não admite absolutamente nada que possa macular a reputação do seu adorado e precioso deus. Consequentemente, os irracionais e intransigentes defensores do estado omitem e convenientemente ignoram todos os crimes e arbitrariedades cometidos pelo monopólio institucional da força, sempre dispostos a obliterar todas as atrocidades executadas contra pessoas pacíficas e inocentes, como se elas nunca tivessem acontecido, visto que isso depõe contra as suas preferências pessoais de organização coercitiva da sociedade.

Vou citar brevemente alguns crimes hediondos, cometidos aqui mesmo no Brasil, pelas forças policiais de estado contra cidadãos inocentes, que expõem o comportamento agressivo e beligerante das instituições armadas. A voracidade por controle, o desespero em subjugar pessoas vulneráveis e indefesas e a obsessão pelo reconhecimento de sua autoridade são características inerentes aos integrantes dessas instituições. Senão de todos os seus membros, ao menos de boa parte.

Todos esses elementos, no entanto, integram uma combinação explosiva, especialmente se levarmos em consideração o fato de que muitas das pessoas que estão em posição de poder e autoridade são psicopatas, que não poupam nem mesmo crianças da sua bestial e pérfida truculência.

Em setembro deste ano, Heloísa dos Santos Silva, uma menina de três anos de idade, foi baleada por agentes da polícia rodoviária federal, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Uma patrulha seguiu o veículo onde a menina estava, juntamente com os seus pais, uma tia e sua irmã de oito anos. Subitamente, sem razão alguma, os agentes efetuaram no mínimo quatro disparos contra o veículo. A menina Heloísa foi alvejada nas costas e na cabeça, e foi então rapidamente encaminhada a um hospital. No entanto, ela não resistiu aos ferimentos e veio a morrer no sábado, dia 16 de setembro.

Em 25 de maio de 2022, essa mesma instituição, a polícia rodoviária federal — desta vez no estado do Sergipe — matou Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, ao colocá-lo na parte de trás de uma viatura, onde ele foi mantido preso, sendo brutalmente asfixiado ao ser forçado a inalar fumaça. A “justificativa” dos assassinos de farda foi alegar que sua vítima teria supostamente resistido a abordagem policial. Se este foi realmente o caso, o cidadão em questão estava simplesmente exercendo o seu direito individual inalienável de resistir à abordagem agressiva e coercitiva dos opressores armados.

Em 12 de agosto de 2022, Gabriel Marques Cavalheiro, um rapaz de dezoito anos, foi assassinado por três policiais militares em São Gabriel, no Rio Grande do Sul. Os três policiais responderão pelo crime de homicídio triplamente qualificado, em julgamento que ainda não foi marcado.

Em abril de 2019, dez militares do exército brasileiro — que faziam parte de uma intervenção do governo federal executada no Rio de Janeiro — abriram fogo contra um veículo, onde estavam cinco pessoas. O músico Evaldo dos Santos Rosa, de 51 anos, morreu na hora. Felizmente, seu filho, sua esposa e uma amiga da família não se feriram. O sogro de Evaldo foi atingido, mas foi socorrido há tempo. O carro foi alvejado com mais de oitenta tiros, sendo quase inacreditável que esta ação criminosa do estado tenha incorrido em apenas uma fatalidade. Os militares envolvidos na ação afirmaram que confundiram o veículo com o de criminosos.

Infelizmente, esses são apenas alguns poucos exemplos que mostram como as instituições policiais e militares estatais oferecem um enorme risco para a vida, para a segurança e para a integridade física de milhões de cidadãos brasileiros. No entanto, toda essa truculência policial é sistêmica em um país como o Brasil.

De fato, nenhuma das ocorrências citadas acima é um caso isolado. Polícias civis, polícias militares, polícias federais e guardas municipais são instituições que estão longe de oferecer qualquer possibilidade coesa e real de segurança para o cidadão comum. A verdade é que todas essas agências policiais são tão perigosas para as pessoas quanto qualquer outra organização criminosa.

Sabemos que a esquerda política — muito corretamente — há tempos alerta as pessoas para a truculência da brutalidade policial, especialmente quando suas vítimas são pessoas de uma determinada raça. Lamentavelmente, a esquerda recua quando apresentamos uma solução eficaz para o problema: enfraquecer ao máximo as instituições de estado, fortalecer o indivíduo e permitir aos cidadãos que andem armados.

Como é fácil constatar pelas atitudes que toma, a esquerda política não parece estar verdadeiramente interessada em resolver o problema da brutalidade policial. Talvez, a esquerda só queira mesmo reclamar, porque isso alimenta suas pautas histéricas e raciais de demagogia política.

Muito provavelmente é isso. Para a esquerda, é melhor que exista uma vasta profusão de problemas, que podem ser oportunamente explorados politicamente, do que não ter problemas sobre os quais reclamar. Assim, a militância pode dar um espetáculo de interpretação dramática, ao explorar problemas sociais importantes e fingir estar interessada em resolvê-los.

Constatamos, portanto, que — em virtude da sua apatia generalizada no que diz respeito a ações práticas —, para a esquerda política, parece que o melhor mesmo é não resolver problema nenhum. Ela só quer razões para reclamar e reclamar indefinidamente.

Então, não conte com a esquerda política para maximizar a segurança da população. E quanto a direita, bem, a direita, por sua vez, está ocupada demais venerando as forças policiais. Sempre dispersa na sua delirante romantização da polícia, a direita política vive iludida demais em seu mundinho de fantasias patrióticas e militares, sendo completamente incapaz de compreender o problema da brutalidade policial em toda a sua dimensão, bem como suas implicações no mundo real.

Portanto, não podemos contar nem com um lado, nem com o outro, para tentar mitigar este terrível problema.

Mas vamos voltar ao ponto central do artigo.

A verdade é que existe uma verdadeira profusão de crimes do estado contra o indivíduo — e todos eles constituem uma categoria de estudos acadêmicos à parte (o cientista político americano Rudolph Rummel definiu o termo democídio, para descrever “assassínio de qualquer pessoa ou grupo de pessoas por parte do seu governo, incluindo genocídio, politicídio, e assassínio em massa”).

De fato, foram cometidos tantos crimes de governos contra cidadãos comuns, em praticamente todas as partes do mundo, que seria possível compor enciclopédias inteiras, se fôssemos discorrer minuciosamente sobre cada caso.

Crimes do estado contra o indivíduo envolvem tanto ocorrências de agências policiais que usam de violência excessiva contra uma única pessoa (podendo resultar ou não em fatalidade) quanto crimes mais amplos, que fazem mais de uma vítima de uma só vez.

Vou citar aqui um caso pouco conhecido, um crime cometido pelas ações criminosas de dois governos tirânicos e arbitrários, que até hoje não foi resolvido.

Entre 1968 e 1973, o governo britânico — por solicitação do governo federal americano — expulsou centenas de chagossianos do arquipélago de Chagos, no Oceano Índico, porque desejava desocupar as ilhas para construir uma base militar. Em abril de 1973, logo depois da evacuação forçada do atol de Peros Banhos, 280 ilhéus entraram com uma ação na justiça, representados por um advogado das Ilhas Maurício, exigindo reparação e indenização em virtude dos deslocamentos forçados.

De acordo com uma cláusula (Artigo 7-d) do próprio Estatuto do Tribunal Penal Internacional, “a deportação ou a transferência forçada de população constitui um crime contra a humanidade, se for cometida como parte de um crime generalizado ou ataque sistemático dirigido contra qualquer população civil”. No entanto, em função de diversas contingências legais, esses processos continuam tramitando nas cortes internacionais. Como o Tribunal Penal Internacional não oferece validação legal para ações retroativas, a instituição não se considera habilitada para julgar crimes dessa natureza, cometidos antes de 1º de Julho de 2002.

Esse crime foi cometido há mais de cinco décadas. De fato, esse ano completou cinquenta anos desde o início dos procedimentos legais. No entanto, a julgar pela lentidão com que tramitam os processos, podemos assumir com toda a certeza que esse será mais um crime de larga escala cometido por governos criminosos, sádicos e onipotentes, que ficará impune, e suas vítimas muito provavelmente nunca receberão nenhuma compensação por todo o sofrimento a que foram submetidas.

Por razões óbvias, não discorri nesse artigo sobre atrocidades como o Holocausto ou o Holodomor, porque ambas são ocorrências amplamente documentadas e são possivelmente os casos mais clássicos de crimes em larga escala cometidos por governos contra cidadãos pacíficos.

Só que o Holodomor e o Holocausto tem a desvantagem de fazer parecer que chacinas e crimes orquestrados e executados por burocracias governamentais contra cidadãos comuns são coisas do passado, ocorrências históricas distantes da nossa realidade. Quando esse não é o caso.

A verdade é que apenas não abordamos o problema com a frequência que deveríamos. E muito disso se deve ao fato de que a mídia corporativa mainstream tem fortes inclinações estadólatras. Mas crimes de estados e governos contra indivíduos pacíficos e indefesos são ocorrências corriqueiras, que acontecem diariamente, em vários lugares do mundo. É verdade que a grande maioria desses crimes não tem a mesma proporção do Holocausto ou do Holodomor. Mas todo dia, em diversos países do mundo, inúmeros indivíduos se tornam vítimas de crimes cometidos por alguma instituição de estado (geralmente, a polícia).

Infelizmente, essas injustiças não são veiculadas com a frequência adequada. Talvez porque isso tornaria muito evidente para as pessoas como a existência do estado, que não passa de um grande monopólio, é terrivelmente prejudicial e deletéria para a sociedade. E que antes de contribuir para a segurança das pessoas, o estado é muito mais fonte de morte, assassinatos, sequestros e expropriações, entre outros crimes cometidos contra a vida e contra a propriedade particular dos indivíduos.

Quando a mídia mainstream divulga ocorrências de brutalidade policial, ela veicula o fato como sendo um problema de polícia, e não como um problema de estado (e consequência natural do monopólio). E as pessoas, conduzidas por esse falso raciocínio, realmente acreditam que isso é um problema da corporação, que poderia ser resolvido, se os policiais recebessem um treinamento mais humanitário. Infelizmente, a população não compreende que o problema é muito mais profundo. O problema está no fato do estado ter o monopólio do sistema de justiça e das forças policiais. O problema não é e nunca foi a polícia em si.

Esse problema seria ostensivamente minimizado se agências policiais privadas pudessem concorrer em um regime de livre mercado, além dos cidadãos serem livres para portarem armas, e formarem milícias, organizações paramilitares e associações voluntárias de cooperação para a segurança de bairros e comunidades. Coisas que serão impossíveis, enquanto o monopólio da brutalidade, da opressão e do terrorismo institucionalizado contra cidadãos pacíficos continuar a existir.

Enquanto estados e governos políticos existirem, infelizmente, pessoas inocentes continuarão a ser vítimas de suas ações criminosas e assassinas. E — ainda que frequentemente comparemos o estado a máfias e sindicatos do crime —, a verdade é que o estado é muito pior do que qualquer outra organização criminosa, visto que é muito mais poderoso, e tem um alcance excepcionalmente amplo.

Para concluir, gostaria de dedicar este artigo a Heloísa dos Santos Silva, Genivaldo de Jesus Santos, Gabriel Marques Cavalheiro e Evaldo dos Santos Rosa, bem como a todos os demais brasileiros que injustamente tiveram suas vidas ceifadas pela truculenta brutalidade das forças policiais de estado, que fazem vítimas inocentes em demasia, com muita frequência, em todo o território nacional.

De fato, o que as forças policiais de estado fazem diariamente nos quatro cantos do território brasileiro constitui uma verdadeira chacina, uma mortandade injustificada de pessoas inocentes, cujo único “crime” é, geralmente, estar no lugar errado e na hora errada.

Estado é mortandade, brutalidade, violência e a mais clara manifestação de desprezo pela vida.

Não existe crime maior do que o estado.

2 COMENTÁRIOS

  1. Adoro dizer, às vezes, que se o Estado e os bancos fossem pessoas físicas e respondessem por tudo de ruim que cometem/cometeram até aqui, nenhuma dosimetria penal os favoreceria e a pena capital teria de ser implantada no país, quebrando a ridícula cláusula pétrea que a veta.

  2. “Em 12 de agosto de 2022, Gabriel Marques Cavalheiro, um rapaz de dezoito anos, foi assassinado por três policiais militares em São Gabriel, no Rio Grande do Sul”

    Os detalhes deste caso são revoltantes. Os policiais mataram o rapaz e ainda atiraram o corpo em um lado para parecer um afogamento. Provavelmente ele tenha morrido em consequência de bater com a cabeça no chão, depois de levar um violento tapa no rosto dos vagabundos que prestam segurança para os políticos.

    O sistema favorece esses psicopatas armados “autoridades”. Tempos atrás uma patrulha da Brigada Militar – Polícia Militar aqui no Sul, matou uma mulher dentro de um carro. A desculpa padrão: achamos que eram bandidos… só que estes policiais eram conhecidos pela brutalidade e violência que agiam, devido as denúncias, acobertadas pelos comandantes.

    Estado é uma gangue e ponto final.

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