No pensamento de Murray Rothbard, o estado é uma organização criminosa de agressão e depredação contra os justos direitos de propriedade privada de seus súditos. O estado adquire sua receita através da coerção física (tributação) e obtém o monopólio compulsório da força e o poder de decisão final sobre um determinado território. Portanto, não há estado justo no libertarianismo de Rothbard.
O Estado de Israel
Em 1948, dentro das fronteiras do que era então conhecido como Palestina, David Ben-Gurion anunciou a independência do Estado de Israel. Lá, em 1949, como Rothbard relatou, “600.000 judeus criaram um estado que originalmente abrigava 850.000 árabes”. Três quartos de milhão de árabes “foram expulsos de suas terras e casas, e o restante remanescente ficou sujeito a um regime militar severo”. E as casas, terras e contas bancárias dos refugiados em fuga “foram prontamente confiscadas por Israel e entregues aos imigrantes judeus”.
Israel alegou que os três quartos de milhão “não foram expulsos pela força, mas sim por seu próprio pânico injustificado induzido por líderes árabes”, mas, como Rothbard apontou, “todos reconhecem a recusa inflexível de Israel em permitir que esses refugiados retornem e recuperem as propriedades que lhes foram tiradas”.
Rothbard viu duas reivindicações absolutamente irreconciliáveis na região:
“Por um lado, há os árabes palestinos, que cultivaram o solo ou usaram a terra da Palestina por séculos; e, por outro lado, há um grupo de fanáticos estrangeiros, que vêm de todo o mundo, e que reivindicam toda a área de terra como “dada” a eles por serem uma religião ou tribo coletiva em algum momento remoto e possivelmente lendário no passado.”
76 anos depois, o estado israelense permanece indefinido em suas fronteiras, expandindo seu monopólio territorial e mantendo a propriedade estatal de quase todas as terras do país. O movimento político por trás de toda essa conquista que ainda continua é chamado de sionismo.
Guerras interestatais e o caso israelense-palestino
De acordo com Rothbard, o mito que permite que os estados engordem com a guerra é a mentira de que ela é combatida por eles em defesa de seus súditos. Os fatos são o contrário:
“Pois se a guerra é o alimento do estado, é também o seu maior perigo. Um estado só pode “morrer” através de uma derrota na guerra ou uma revolução. Na guerra, portanto, o estado mobiliza freneticamente o povo para lutar por ele contra outro estado, sob o pretexto de que ele está lutando pelo povo.”
Nesse caso, o estado israelense não pode nem mesmo defender seus súditos contra outro estado, porque não há estado palestino – que também existiria para enganar os palestinos e fazê-los morrer em sua defesa.
Além disso, o fato de o estado israelense reivindicar a propriedade de todas essas terras não apenas torna essa propriedade injusta, mas também torna muitos beneficiários dessa propriedade cúmplices de um crime contra os direitos justos de propriedade privada: porque o estado israelense agride os palestinos para que possuam mais e mais terras e casas e, em seguida, arrenda novas propriedades estatais a cidadãos israelenses, que geralmente sabem a origem delas e às vezes são até ajudados pelo estado israelense a se estabelecer.
Guerra e culpa
Embora os libertários não devam exonerar nenhum lado em uma guerra, nem qualquer indivíduo envolvido em crimes cometidos em nome de qualquer um dos lados, a verdade é que mesmo a culpa por uma guerra e suas consequências não podem ser compartilhadas igualmente – isto é, um lado sempre ataca primeiro ou causa mais danos. O conflito israelense-palestino não é exceção. Nesse sentido, com relação a tomar partido, Rothbard exortou:
“Os libertários devem perceber que papaguear princípios supremos não é suficiente para lidar com o mundo real. Só porque todos os lados compartilham a culpa final do estado não significa que todos os lados sejam igualmente culpados … Em praticamente todas as guerras, um lado é muito mais culpado do que o outro, e de um lado deve ser atribuída a responsabilidade básica pela agressão, por um impulso de conquista, etc. Mas para descobrir qual lado de qualquer guerra é o mais culpado, temos que nos informar em profundidade sobre a história desse conflito, e isso leva … a disposição final de se tornar relevante, tomando partido por meio da atribuição de um maior grau de culpa em um lado ou no outro.”
Portanto, se o comprometimento com o libertarianismo vai além de papaguear princípios, os libertários devem ser relevantes e tomar partido assim que tiverem o conhecimento para fazê-lo – ou, pelo menos, devem admitir a possibilidade de atribuir uma culpa maior a um lado.
Aqui, a responsabilidade básica pela agressão recai sobre o lado israelense – como Rothbard escreve: “Israel tem sido o agressor no Oriente Médio”. E o estado israelense é culpado pela maior parte da destruição e inúmeras injustiças cometidas na região desde 1948. Além disso, o fato de que o conflito israelense-palestino – além do envolvimento de estados árabes vizinhos em guerras contra o estado israelense – não seja entre estados torna toda a atribuição de culpa mais clara.
Culpa e narrativa
O estado israelense conseguiu diminuir a obviedade de sua culpa graças a alguns fatores particulares, embora simples. O fator principal, conforme explicado por Michael Rectenwald, tem a ver com seu status de estado e, ainda por cima, religioso – “com uma ideologia que é particularmente fascinante para muitos”. É claro que esse status não é um endosso de sua inocência, mas como a maioria das pessoas não é contra a instituição de um estado e muitas são atraídas por racionalizações religiosas, a combinação ajuda a reduzir a atenção dada à culpa israelense. E quanto às racionalizações religiosas, por exemplo, Rothbard indicou o sonho de um estado nas terras supostamente dadas por Deus vários milênios no passado, e as áreas designadas para esse estado como aquelas supostamente governadas por judeus em algum momento da Bíblia.
Justiça e sionismo
O libertarianismo é inseparável da ideia de justiça que implica não apenas se opor ao estado israelense, mas também reconhecer a justiça dos esforços palestinos para resistir aos conquistadores israelenses. Em 1982, com relação à perspectiva libertária sobre o conflito, Rothbard expressou:
“… o Estado de Israel é excepcionalmente pernicioso, porque toda a sua existência repousa e continua a repousar sobre uma expropriação maciça de propriedade e expulsão da terra … No caso das desapropriações de séculos atrás, “quem recebe o que” muitas vezes é confuso… Mas no caso da Palestina, as vítimas e seus filhos – os verdadeiros donos da terra – estão bem ali, além das fronteiras, em campos de refugiados, em casebres, sonhando com um retorno s suas propriedades… A justiça só será feita, e a verdadeira paz na área devastada só virá, quando um milagre acontecer e Israel permitir que os palestinos voltem e retomem a posse de sua propriedade legítima. Até lá, enquanto os palestinos continuarem a viver e não importa quão longe sejam oprimidos, estarão sempre lá, e continuarão a pressionar pelo seu sonho de justiça… Mas permitir a justiça, permitir o retorno dos expropriados, significaria que Israel teria que abrir mão de seu ideal sionista exclusivista. Pois reconhecer os palestinos como seres humanos plenos é a negação do sionismo …”
Sionismo e soluções
A presença fronteiriça de um estado contrapõe-se ao impulso expansionista de qualquer estado, pois não pode haver dois monopólios que detenham o mesmo monopólio territorial da tributação e do mesmo poder de decisão final. E, de fato, por que o estado israelense permitiria a criação de um estado palestino que limitaria seu expansionismo se pode continuar a expulsar ou aniquilar um povo essencialmente indefeso? De fato, o financiamento para dividir os palestinos, o encolhimento gradual e a invasão da Faixa de Gaza e a política de décadas de assentamentos judaicos na Cisjordânia, tudo nas mãos e no interesse do estado israelense, ilustram a rejeição israelense da chamada solução de dois estados.
Rothbard considerou que esses assentamentos eram explicitamente ideológicos e disse que “esses colonos eram, e se sentiam como sendo, a vanguarda da eventual sionização da Cisjordânia”.
Por outro lado, Rothbard lamentou que a OLP sempre tenha se apoiado em ideais multiculturais. Para ele, poderia haver uma guerra até a morte ou um meio termo prático incômodo que não poderia ser multicultural nem o sonho de uma coexistência pacífica e harmoniosa de todos os partidos e grupos:
“Do conflito irreconciliável veio o inevitável ódio mútuo, e nenhuma propaganda de especialistas liberais ou neoconservadores ou de proclamações das Nações Unidas pode mudar essa realidade nem um pouco.”
Na visão de Rothbard, um estado israelense justo, na medida em que qualquer estado pudesse ser justo, seria necessariamente um sem o sionismo. Quatro décadas depois, seu parágrafo final em 1982 ressoa até hoje, porque o sionismo ainda está no comando do estado israelense, e o massacre e o horror, como Rothbard alertou que aconteceria com um estado sionista, definitivamente continuaram.
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