Deixem os travestis competirem nos esportes femininos

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Um dos temas mais imbecis que tem ocupado o debate público dos últimos anos é o trangenerismo, ou mais precisamente, a ideologia de gênero. Homens que se sentem melhor agindo e vivendo como mulheres, e vice-versa, não são novidade. O trangenerismo é simplesmente isso, algo que sempre ocorreu com uma ínfima porcentagem de indivíduos em todas as sociedades humanas, como mostram os escritos das primeiras civilizações e os estudos de etnólogos. Ao discorrer sobre a divisão sexual do trabalho dos povos pré-colombianos, Gilberto Freyre destaca

      que entre os primitivos o homem é a atividade violenta e esporádica; a mulher, a estável, sólida, contínua. Funda-se esse antagonismo na organização física da mulher, que a habilita antes à resistência que ao movimento. Antes à agricultura e à indústria que à caça e à guerra. Daí a atividade agrícola e industrial desenvolver-se quase sempre pela mulher; pela mulher desenvolver-se a própria técnica da habitação, a casa; e em grande parte a domesticação de animais. Mesmo a magia e a arte, se não se desenvolvem principalmente pela mulher, desenvolvem-se pelo homem efeminado ou bissexual, que à vida de movimento e de guerra de homem puro prefere à doméstica e regular da mulher.[1]

Ou seja, o reconhecimento e a particularização de pessoas transgêneras é um fato corriqueiro da humanidade. Estes indivíduos são tratados de modos diferentes em cada tempo e local. Por exemplo, nas culturas autóctones mencionadas acima, “é provável que [os pajés] fossem daquele tipo de homens efeminados ou invertidos que a maior parte dos indígenas da América antes respeitavam e temiam do que desprezavam ou abominavam.”[2] Atualmente, a homossexualidade é considerada crime em cerca de 70 países, e em alguns pode ser punida com a pena de morte, como no Irã, mas lá a pessoa trangênera é abençoada pelo estado teocrático e incentivada a se submeter a cirurgia de mudança de sexo (que na verdade é apenas uma cirurgia de mutilação, já que nada é capaz de mudar o sexo de um animal) e o estado arca com metade dos custos da operação e garante a documentação com o sexo trocado. O Irã fica atrás somente da Tailândia no número dessas cirurgias, enquanto a Rússia as proíbe completamente.

Mas é nos países ocidentais – onde não existe nenhum tipo de criminalização contra transgêneros – que o transgenerismo tem sido motivo de polêmica, por causa da ideologia de gênero que o envolveu recentemente. E a controvérsia não tem nada a ver com aceitação ou discriminação destes indivíduos. O motivo é que pós-modernistas querem impor que toda a sociedade considere que um homem que quer ser uma mulher é uma mulher, pelo simples fato de ele querer. Como se a manifestação do desejo de ter um sexo diferente tivesse poder de alterar a matéria e se realizar. Todos agora devem aceitar que uma pessoa não é o que ela é, mas o que ela deseja ser. Esta é uma proposição tão imbecil que eu me sinto deprimido de ter que discuti-la. De fato, ela é melhor abordada por comediantes de stand-up como Dave Chappelle, Rick Gervais, Bill Burr e Chris Rock (muitos ou todos eles progressistas) que já a refutaram e a ridicularizaram das formas mais perspicazes possíveis.

Não obstante, quem fez a refutação mais avassaladora desta delirante presunção pós-modernista foi o comentarista conservador Matt Walsh ao fazer uma simples pergunta aos seus proponentes: O que é uma mulher? Walsh fez essa pergunta a ativistas, professores universitários “especialistas” e pessoas transgêneros e absolutamente ninguém foi capaz de responde-la. Isto porque ela é um xeque-mate nesta imbecilidade toda. A resposta correta é: “uma mulher é um ser humano do sexo feminino”, mas os ideólogos de gênero não podem admitir essa verdade pois isso destruiria as bases de sua crença. Os que tentam dar uma resposta diferente caem num argumento circular dizendo que “uma mulher é alguém que se identifica como uma mulher”. Uma psicóloga entrevistada por Walsh diz que não sabe responder o que é uma mulher pois ela não é uma mulher; mas para ela dizer que ela não é uma mulher, ela também precisa saber o que é uma mulher. Esta tolice foi tão longe que até uma juíza indicada para a Suprema Corte dos EUA respondeu que não sabia o que é uma mulher. Outra resposta padrão envolve discorrer sobre uma suposta diferença entre sexo e gênero, que também é redundante, pois ao dizerem que um indivíduo com sexo biológico masculino se identifica como mulher, com o que ele se identifica afinal?

Na verdade, “gênero” sempre foi uma categoria gramatical até que em 1955 o sexólogo John Money introduziu a ideia de gênero como uma construção social. Além de sua teoria incorrer na falácia do raciocínio circular citada acima, ela também foi testada empiricamente em um experimento monstruoso com um resultado catastrófico que acabou com o suicídio de suas cobaias: dois irmão, um se matou com uma overdose de antidepressivos e o outro com um tiro de espingarda na cabeça. Não obstante, a ideologia de gênero é baseada nos malsucedidos estudos execráveis do infame Money.

A pergunta que resta é como algo tão execrável, estúpido e facilmente refutável como a ideologia de gênero permanece há tantos anos preenchendo vastos espaços do debate público? Em um clip do começo de 2023 que voltou a viralizar na última semana, Dave Smith dá uma explicação convincente para este fenômeno. A discussão de um tema tão imbecil não surgiu organicamente, mas foi implantada de cima para baixo pela elite dominante para desviar a atenção do público de temas realmente importantes que, se discutidos, podem significar uma séria ameaça ao poder da casta. Em 2012, tanto a esquerda, com o movimento Occupy Wall Street, quanto a direita, com o movimento Tea Party, começaram a questionar coisas como o Banco Central, os resgates financeiros e o massivo endividamento público, e foi aí que a mídia controlada pelas grandes corporações que lucram com esses esquemas extorsivos começaram a despejar sobre o público termos como racismo, transgenerismo, privilégio branco, justiça social etc. Esta enxurrada é comprovada por gráficos que reúnem dados sobre as menções nas grandes publicações. Ou seja, não foi o povo que acordou um dia com vontade de discutir nacionalmente se homens podem engravidar e se mulheres podem ter pintos, mas essas discussões foram impostas artificialmente.

E funcionou. Já faz anos que Direita e a Esquerda têm discutido se um travesti deve poder usar o banheiro feminino enquanto ignoram completamente o assalto sistemático que sofrem do Banco Central e outras formas de exploração que são vítimas. A pauta é tão prevalecente que alguém pode ser considerado de direita apenas por dizer que homens são diferentes de mulheres. Dave Smith dá um exemplo disso citando o caso de Piers Morgan, um cara que defendeu lockdowns, desarmamento da população, prender pessoas por se expressarem de forma contrária a narrativa oficial, tirar os direitos dos não-vacinados, a guerra por procuração na Ucrânia dos EUA contra a Rússia, etc. mas….. ele levou uma “mulher trans” em seu programa e disse na cara dela que ela não era uma mulher de verdade. E por conta disso ele passou a ser considerado um direitista!

A distração abilolada do transgenerismo vem acompanhada de consequências graves com vítimas reais, entre elas, meninas que foram estupradas por “meninas com pinto” autorizadas a usar o vestiário feminino em escolas e crianças confusas que foram submetidas a tratamentos e mutilações de redesignação sexual. Mas uma das alegadas vítimas da ideologia de gênero não é vítima de nada, a não ser de um choque de realidade: as mulheres esportistas.

Permitir que homens disputem provas nas categorias femininas é talvez a polêmica mais barulhenta do transgenerismo – direita e esquerda têm se engalfinhado sobre isto, comprovando o sucesso da estratégia de desvio de temas importantes. Mas o tema é tão obtuso que os papéis se inverteram: é a direita quem está defendendo o Girl Power, o “empoderamento da mulheres”, a luta feminista de igualdade entre homens e mulheres, a máxima “o lugar de mulher é onde ela quiser” e a esquerda que está do lado realista defendendo que tem coisas que mulheres realmente não são capazes de fazer direito. Mas ambos os lados estão nessa inadvertidamente. Por exemplo, em uma audiência do Senado americano, o senador conservador Ted Cruz interpelou uma ativista da extrema esquerda Kelley Robinson sobre a participação de travestis nos esportes femininos, perguntando se existe alguma diferença entre homem e mulher. Sendo uma adepta da ideologia de gênero, Robinson não podia admitir que existem diferenças, e se recusou repetidas vezes a responder. Cruz pressionou:

      Se você se recusa a responder sim ou não, deixe-me fazer-lhe esta pergunta então: por que existem esportes femininos? Se você não pode definir uma diferença entre mulheres e homens, por que não abolir os esportes femininos e apenas dizer às meninas para nadarem com os meninos e ver quem ganha?

Robinson não responde. Cruz insiste:

     Por que ter uma categoria separada para mulheres se não há diferença entre mulheres e homens? Pra que ter esportes femininos?

Robinson continua fugindo da pergunta. Então Cruz desiste e responde ele mesmo citando um estudo

     que examina os melhores recordes femininos do mundo em vários eventos de atletismo. Por exemplo, no cem metros rasos, o recorde mundial feminino foi 10,71 segundos. O recorde da mulher número um do mundo em 2017 foi naquele mesmo ano quebrado por 124 meninos menores de 18 anos e por um total de 2.474 homens. Se a agenda democrata radical para destruir os esportes femininos for bem-sucedida, as meninas não terão chance de competir.

Então, a resposta que Ted Cruz buscava e não obteve é clara: esportes femininos existem porque mulheres são ruins em esportes. Competições esportivas são coisas de homem. Mulheres não possuem a menor capacidade de competir com homens. Para que mulheres pudessem disputar competições esportivas foram criadas as categorias especiais femininas, que são como uma categoria café-com-leite. Não sei se essa expressão ainda é usada, mas quando eu era criança, nos jogos ou brincadeiras físicas, uma menina era considerada café-com-leite, ou seja, os meninos não poderiam usar a força toda contra elas, teríamos que maneirar. O mesmo para crianças menores; meu irmão mais novo era café-com-leite. A categoria feminina é onde as cafés-com-leite podem competir umas com as outras, sem que ninguém tenha que maneirar.

O esporte feminino é como o esporte para deficientes. Um cego não possui nenhuma condição de disputar uma partida de futebol contra homens que enxergam, então criou-se o futebol para cegos, onde somente cegos podem jogar. A mesma coisa se aplica ao futebol feminino. Mulheres não possuem nenhuma condição de disputar uma partida de futebol contra homens, então criou-se o futebol feminino, onde somente mulheres podem jogar. Comparada com homens, tanto cegos como mulheres são deficientes para o futebol. E o futebol feminino é tão ou mais horrível de se assistir que o de cegos. As categorias femininas da olimpíada são de fato uma categoria da paralimpíada. Assim como criou-se categorias de corridas para pernetas, basquete para aleijados e natação para quem não tem braços, criou-se as modalidades femininas para quem não tem o cromossomo Y, que é uma inegável deficiência para a prática da maioria dos esportes.

Na verdade, existem raros esportes em que as mulheres não são deficientes, como o hipismo, onde não há categoria feminina. As mulheres competem contra homens em alto nível. Algumas categorias da ginástica olímpica também podem ser incluídas nesses esportes onde a feminilidade não é uma deficiência, mas a ginástica olímpica é mais uma competição de dança, com juízes dando notas por critérios artísticos, circenses, e não propriamente esportivos. Mas mulheres são incapazes de disputar com homens em praticamente todos os outros esportes. Então podemos refazer a pergunta de Ted Cruz; sendo as mulheres deficientes nos esportes, por que existem competições esportivas femininas? Ou, em outras palavras, por que existem competições esportivas para deficientes? Se alguém é ruim em alguma coisa, por que vai se dedicar a essa coisa, ao invés de se dedicar a algo que seja bom? Ninguém descortinou melhor essa questão do que Carlos Ramalhete. Ele diz:

     Ora, todos somos, em algum aspecto, piores que a média. Do mesmo modo, todos somos melhores que a média em algum outro aspecto. É assim que funcionam as médias: praticamente ninguém é mediano em um aspecto isolado, e quase todos são medíocres na média de seus talentos, com as deficiências sendo contrabalançadas pelas excelências e vice-versa. O que os atletas olímpicos fazem é … tomar aquilo em que por natureza já são melhores que a média e treinar … até que sejam extraordinariamente melhores que os demais naquilo.

Já o deficiente físico, no senso estrito do termo que habilita à participação na “paralimpíada”, é alguém que, por alguma razão, está completamente fora dos parâmetros de normalidade, e para pior. Um perneta, cego, amputado, o que for. … A estes, dada a gravidade de sua lesão ou desordem, é impossível até mesmo alcançar — com o esforço que for — a normalidade. Alguém que não tem um pé nunca fará outro crescer, por melhor que se locomova com uma prótese.

Esses aleijões, contudo, como ocorre com qualquer deficiência ou excelência humana, são localizados. Não é porque o sujeito é perneta que ele se torna incapaz de desenvolver-se tremendamente em outro aspecto, em que não tenha deficiência alguma, e tornar-se parte de uma elite performativa daquela outra área. Um mudo, por exemplo, continua podendo ser nadador olímpico se tiver o corpo necessário e treinar como deve. Um perneta pode, como o cantor Roberto Carlos, desenvolver-se ao máximo na música ou em qualquer outro campo que não dependa da perna que não tem, e assim conviver saudavelmente com seu problema. Ninguém conhece Roberto Carlos como perneta, nem é ele o “Rei” dos pernetas. Ao contrário: ele procura ao máximo evitar atrair a atenção para sua deficiência, e é como cantor que ele desenvolveu-se à perfeição.

Como seu exemplo prova, pernetas podem ser excelentes cantores, assim como mudos ou fanhos podem ser excelentes atletas. As “paralimpíadas”, todavia, são como uma competição de cantores fanhos ou mudos …. : uma piada de mau gosto, em que se chama toda a atenção exatamente para aquela única coisa em que são deficientes pessoas perfeitamente capazes em todo o resto. Uma corrida de pernetas é uma paródia macabra da superação atlética, em que a deficiência, a ausência, a incompletude e a imperfeição tornam-se o centro da atenção. Não se trata, nelas, de superar os limites do corpo humano, sim de negar a deficiência que se tem efetivamente, em vez de aceitá-la ordenadamente e dedicar-se a algo que se possa efetivamente fazer bem, algo em que não faça diferença se se tem todos os dedinhos. É um espetáculo quase circense de inadaptação à condição de deficiente, patético e triste como um anão que puxa briga em bares quando bebe demais.

Imagine se Ray Charles, Steve Wonder e Andrea Bocelli, ao invés de se dedicarem à música, fossem jogadores de futebol! A visão é essencial para um jogador de futebol. Usar a audição para tentar localizar a posição de uma bola com guizos e tentar chutá-la em um gol, cuja direção os cegos só podem saber pois um guia está atrás dele para orientá-los também por sons, é realmente patético e triste. Ramalhete, que é portador de deficiência física e um autor com uma mente brilhante, chamou apropriadamente as Paralimpíadas de “paródia macabra das Olimpíadas”. Nelas, diz ele, “em vez de se celebrar a saúde, festeja-se a deficiência e a doença”.

    O discurso é que se estaria celebrando a “superação”. Mentira. Superação é o que faz um atleta olímpico, que vai além do que um ser humano comum é capaz. Um deficiente convive com sua deficiência e procura fazer dela o melhor que pode, mas ele não a “superará”. Se o fizer deixará de ser deficiente, e o esforço extraordinário dispendido nisso servirá para torná-lo uma pessoa igual às demais naquele aspecto.

O mesmo vale para as mulheres. Para tentar superar suas deficiências elas se masculinizam. Se essa superação fosse possível, elas deixariam de ser deficientes, tornando-se um homem igual aos demais naquele aspecto. Uma meta impossível de se atingir, mas algumas chegam perto. Na mesma audiência do Senado citada anteriormente, Ted Cruz indagou a nadadora Riley Gaines – que havia empatado com o nadador travesti Lia Thomas e a organização do torneio decidiu dar o troféu para ele – se existe diferença entre homens e mulheres. Ao contrário da ideóloga de gênero esquerdista, Gaines não fugiu da pergunta e respondeu:

     É claro [que há uma diferença entre mulheres e homens], acho que aprendemos isso desde muito jovens, ao ver até mesmo crianças de 12 anos e menores de idade passarem pela puberdade obtendo uma vantagem irreversível que não importa o treinamento, não importa a dieta, não importa qualquer mudança que você pode fazer, você não vai superar essa vantagem masculina.

Um exemplo de uma atleta que tentou superar a deficiência feminina foi a nadadora Rebeca Gusmão, que de tanto hormônio masculino que injetou ficou com a compleição física de um atleta homem, até ser pega no exame antidoping e ser expulsa do esporte. Na verdade, Gusmão conseguiu ficar mais musculosa que o Lia Thomas, o cara que está disputando natação na categoria café-com-leite feminina e está ganhando quase tudo e quebrando os recordes das deficientes. Rebeca Gusmão foi banida por elevar sua testosterona, mas agora, homens que nasceram com o nível maior de testosterona estão sendo liberados para competir com as mulheres deficientes em testosterona (e em outras características físicas superiores dos homens).

A masculinização das mulheres é algo tão grotesco que em 2015 o concurso de Ms. Olympia foi descontinuado. Um número crescente de atletas do sexo masculino que se identificam como mulheres estão competindo contra mulheres e quebram recordes ao longo do caminho. Mas essa ideia não é nova. Nos anos 1960, a URSS colocou dois homens para competir as provas femininas de atletismo, as “irmãs” Irina e Tamara Press. Ambas quebraram diversos recordes e ganharam várias medalhas de ouro. E ambas encerram a carreira abruptamente, coincidentemente no momento que começaram a pedir comprovações do sexo nos campeonatos internacionais. Especula-se também que elas poderiam ser hermafroditas; mulheres com vagina, mas com o corpo de homem. No Brasil já tivemos uma atleta assim, a judoca intersexo Edinanci Silva, que, de nascença, possuía características dos dois sexos, mas com físico e níveis masculinos de testosterona. Com genética masculina, Edinanci se submeteu a procedimento cirúrgico em sua genitália dupla, retirando seus testículos, e foi aprovada em um teste de feminilidade. E sua compleição física de homem não fez com que ela destoasse tanto das atletas de sua categoria; Edinanci enfrentava mulheres que eram verdadeiros brutamontes, que frequentemente a derrotavam. Contudo, o que leva tantas mulheres a disputarem esportes adequados aos homens?

Há 100 anos, o filósofo madrilenho José Ortega y Gasset inferia que cada época era qualificada pela dominância da velhice ou da juventude e da masculinidade ou da feminilidade.[3] Sua própria época (escrevendo em 1927) ele definiu como ascendente pelo quadrante “mocidade”, e para filiar o sexo de uma época era preciso analisar como se define um sexo de acordo com seu comportamento em relação ao outro sexo. Assim, “o tipo de varão dominante em 1890” que se definia “primeiramente por seu afã pela mulher revela, por si só, que nessa época [anterior a sua] predominavam os valores de feminilidade.” Em seu tempo, isto havia se invertido, e era a mulher que não podia “ser definida sem referi-la ao varão”, que tinha então o privilégio de ser “independente por completo de que a mulher exista ou não. Ciência, técnica, guerra, política, esporte, etc., são coisas em que o homem se ocupa com o centro vital de sua pessoa, sem que a mulher tenha intervenção substantiva.” Ortega y Gasset aponta como o masculinismo culminou na Atenas de Péricles:

    Século só para homens. Vive-se em público: ágora, ginásio, acampamento, trirreme. O homem maduro assiste aos jogos dos efebos nus e habitua-se a discernir as mais finas qualidades da beleza varonil, que o escultor vai comentar no mármore. … A mulher?… Sim, à última hora, no banquete varonil, aparece sob a espécie de flautistas e dançarinas que executam suas humildes destrezas ao fundo, muito ao fundo da cena, como apoio e pausa à conversação que languidesce. Alguma vez, a mulher se adianta um pouco: Aspásia. Por que? Porque aprendeu o saber dos homens, porque se masculinizou. Embora o grego tenha sabido esculpir famosos corpos de mulher, sua interpretação da beleza feminina não conseguiu desprender-se da preferência que sentia pela beleza do varão. A Vênus de Milo é uma figura másculo-feminil, uma espécie de atleta com seios.[4]

Voltando ao seu tempo, Ortega y Gasset nota que “a mulher de 1927 deixou de cunhar os valores por si mesma e aceita o ponto de vista dos homens que nesta data sentem, com efeito, entusiasmo pela esplêndida figura do atleta. Vê, pois, nisso, um sintoma de primeira categoria, que revela o predomínio do ponto de vista varonil.” Em uma época masculina, a mulher emula os gostos e valores dos homens. Ela “se esfalfa em esportes físicos” e “aceita na conversação os temas de preferência dos moços e fala de esportes e de automóveis” por uma razão: “a assimilação ao homem.” Transcorrido um século, hoje em 2024, me parece que voltamos a uma época masculinizada, mas não sem a ajuda do estado. No começo de seus questionamentos, o senado Ted Cruz citou uma legislação de 50 anos atrás:

    O Título IX foi uma lei histórica de direitos civis que ajudou a criar a incrível amplitude dos esportes de mulheres e meninas que vemos em todo o país. Acredito nos esportes femininos. Acredito nos esportes de meninas. Sou um orgulhoso pai de duas filhas que são atletas. Acho que participar de esportes competitivos é uma coisa maravilhosa para uma jovem. Eu acho que é uma coisa maravilhosa para uma mulher e acho que infelizmente o Partido Democrata de hoje decidiu que os esportes femininos não importam mais e eles estão dispostos a promover uma legislação radical projetada para destruir esportes de mulheres e meninas.[5]

Mas o que é o Título IX? É um projeto de lei que foi aprovado por Richard Nixon que proibia a discriminação de sexo por entidades esportivas que recebiam subsídios do governo. Assim, esportes que eram coisa de homem deixaram de barrar esses elementos estranhos a eles e passaram a aceitar e incentivar a participação de mulheres. Graças a uma subvenção estatal, o esporte feminino ascendeu:

    O Título IX entrou em vigor durante a segunda onda do feminismo, uma época em que as mulheres lutavam por trabalho igual, oportunidades iguais e serviços de cuidados infantis estendidos. O envolvimento das mulheres no esporte foi limitado, principalmente à participação no colegiado. Antes da introdução do Título IX, foram envidados alguns esforços para incentivar o desporto intercolegial entre as mulheres. Isso incluiu a nomeação de uma Comissão de Esportes Intercolegiais para Mulheres em 1966 e em 1969, juntamente com o anúncio de vários campeonatos nacionais para mulheres.

No entanto, após a implementação do Título IX, a participação das mulheres nos esportes nos EUA aumentou significativamente no atletismo do ensino médio e universitário. Dados de 2010-11 sugerem que 41% dos atletas do ensino médio nos EUA eram do sexo feminino em comparação com a participação antes da implementação do Título IX, que era de apenas 7%. Da mesma forma, no atletismo universitário, a participação feminina aumentou 456%, passando de 29.972 em 1971-72 para 166.728 em 2007-08.

Ted Cruz está mostrando ser um verdadeiro conservador, no sentido da defesa do status quo, seja ele qual for – mesmo que sejam subsídios progressistas, legislações feministas e leis antidiscriminação: se algo existe há um tempo, deve ser mantido. Ele prefere conservar a ilusão de suas duas filhas de que elas são atletas competitivas, protegendo-as do mundo real, onde homens iriam estraçalhar seus esforços pueris.[6] Se Cruz realmente apoia suas filhas atletas, ele quer vê-las masculinizadas ao máximo. Ele tem razão quando diz que os esquerdistas irão destruir as competições femininas ao permitir que homens compitam contra mulheres, mas isso só iria revelar as verdadeiras capacidades inferiores das mulheres e coloca-las no lugar delas. A esquerda, de uma maneira tortuosa e irrefletida, está empenhada em mostrar a realidade de que lugar de mulher não é onde ela quiser. Mulheres podem competir de igual pra igual e superar os homens em muitas searas da vida; esportes não é uma delas.

Como libertário, apoio que todo tipo de discriminação seja permitido, e se, sem subvenção e proteções estatais e paraestatais das grandes corporações fascistas, competições privadas exclusivamente femininas florescerem, que seja. Pessoalmente, não poderia me importar menos se a sandice da ideologia de gênero extinguisse as competições esportivas femininas  femininas – e iria até me satisfazer com a extinção de abominações como o futebol e o vale-tudo femininos. Travestis nos esportes femininos? Tanto faz; podemos mudar de assunto e falar de coisas como secessão e a imediata abolição do Banco Central que está nesse momento batendo a carteira de todos os homens, mulheres e trans?

 

 

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Notas

[1] Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre.

[2] Ibid.

[3] “Masculino ou Feminino?”, José Ortega y Gasset, apêndice em A Rebelião das Massas.

[4] Ibid.

[5] Cruz fala em “esportes femininos”, porém se refere a “competições esportivas femininas”, que é o tema tratado em todo este artigo. A prática de esportes e atividades físicas é essencial para a saúde do ser humano, e deve ser um hábito de todos os sexos e faixas etárias.

[6] O portal conservador de Matt Walsh produziu uma comédia longa metragem para defender as competições femininas (que conta com a participação de Walsh, Ben Shapiro, Ted Cruz e a nadadora Riley Gaines). No clímax do filme, um time masculino profissional de basquete joga contra um time de menininhas de 8 anos e deixa elas ganharem por pena. Isso traduz perfeitamente a quimera do esporte feminino que eles querem proteger.

9 COMENTÁRIOS

  1. Fernando, darei meus 25 cents:

    Em minha opinião pessoal, creio que as únicas modalidades esportivas em que não é salutar que pessoas transgêneras compitam são as ligadas às artes marciais ou pugilismo. Todavia, nos outros esportes, sou super a favor, especialmente aonde o contato físico entre os oponentes é mínimo, exemplo do voleibol e da atleta Tiffany, que aparece na imagem do artigo e de quem não temos ouvido falar há séculos, inclusive.
    Uma boa parte dos que defendem que somente mulheres cisgêneras devem participar de competições esportivas femininas o faz muito mais em conquistar syua (delas) validação que proteger a pureza das chegadas ao mundo com o cromossomo “xx”. Lembra-me bastante a situação do ex-presidente Bolsonaro, que tanto aprovou projetos de lei feministas sob influência da ministra Damares Alves (que até Paulo Kogos, um adulador inveterado do sexo feminino, a reconhece como feminista de fato, só que de direita) e recebeu o quê em retribuição? Rejeição massiva da parte delas na campanha de 2022, que, por tenderem ao esquerdismo, votaram massivamente em Lula.
    De resto, concordo que deveríamos preocupar-nos com situações mais relevantes e secessão seria uma delas, sobretudo por ser sulista.

  2. Os ateus tem um imperativo moral em aceitar as teorias de gênero. Se Deus não existe, esse negócio de XX e XY é fruto do processo seletivo da natureza. Logo, qual a moral para negar o próximo passo do processo evolutivo?

    • “É esse o mundo que dizem ter sido criado por um Deus? Não, deve ter sido por um demônio!’ (Arthur Schopenhauer)

    • “Se Deus não existe, esse negócio de XX e XY é fruto do processo seletivo da natureza.”

      – O processo seletivo existe independentemente de você ser criacionista ou evolucionista.

      “Logo, qual a moral para negar o próximo passo do processo evolutivo?”
      Melhorando a pergunta: (pois faz confusão entre ética e moral)

      Logo, qual é o argumento ético para negar o próximo passo do processo evolutivo?

      – Nenhum, contanto que a minha propriedade privada seja respeitada.
      Mas eu acredito que o que você insinua como um processo evolutivo nada mais é do que uma tentativa que fracassará miseravelmente.
      Não há com o que se preocupar no longo prazo, essa gente aí não vai passar da próxima geração; veja que eles não estão se reproduzindo, logo serão extintos.

  3. Vejo apenas um esquizofrênico sexual a ocupar o lugar da mulher que é proibida de reagir a está ocupação social porque será acusada de discriminação. As teorias sexuais fazem partes da agenda globalista para impor o transumanismo a humanidade.

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