Introdução da edição americana

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As pessoas apresentadas neste livro geralmente são consideradas abomináveis, e as funções que executam, prejudiciais.  Às vezes, a própria sociedade é amaldiçoada por gerar um sem-número de tais personagens repreensíveis.  Entretanto, o ímpeto deste livro se concentrará nas seguintes proposições:

1.  Eles não são culpados de qualquer mau procedimento de natureza violenta. 

2.  Em virtualmente todos os casos, eles, na verdade, beneficiam a sociedade. 

3.  Se proibirmos suas atividades, o faremos em nosso próprio prejuízo. 

 

O ímpeto deste livro é o Libertarianismo*.  A premissa básica dessa filosofia é a de que é ilegítimo praticar agressão contra não agressores.   O que se quer dizer com agressão não é assertividade, argumentatividade, competitividade, ousadia, disputabilidade ou antagonismo.  O que se quer dizer com agressão é o emprego da violência, como a que tem lugar no assassinato, estupro, assalto ou sequestro.  O Libertarianismo não implica pacifismo; não proíbe o uso de violência em legítima defesa ou mesmo em retaliação à violência.  A filosofia libertária condena apenas o dar início à violência – o uso de violência contra uma pessoa não violenta ou sua propriedade.

Nada há de impróprio ou controverso nessa visão.  A maioria das pessoas a apoia de todo o coração.  E, sem dúvida, esse sentimento é parte e parcela da nossa civilização ocidental, guardada no relicário da Lei, de nossa Constituição e do direito natural. 

A singularidade do Libertarianismo é encontrada, não na declaração de seu princípio básico, mas na maneira rigorosamente consistente, maníaca, até, na qual o princípio é aplicado.  Por exemplo, a maioria das pessoas não vê qualquer contradição entre este princípio e nosso sistema tributário.  O Libertarianismo vê. 

A tributação é contrária ao princípio básico, porque envolve agressão contra cidadãos não agressivos que se recusam a pagar impostos.  Não faz a menor diferença que o governo ofereça bens e serviços em troca da arrecadação.  O importante é que o chamado “comércio” (dinheiro em impostos por serviços do governo) é coagido.  O indivíduo não é livre para rejeitar a oferta. Tampouco o fato de que a maioria dos cidadãos apoie essa tributação coercitiva faz qualquer diferença.  Mesmo quando endossada pela maioria, a iniciação de agressão física não é legítima. O Libertarianismo condena-a nessa área, como a condena onde quer que ocorra. 

 * Libertarianismo: uma corrente do pensamento liberal.

Outra diferença entre as crenças dos liberais e as de outros membros da sociedade é o anverso da visão de que a violência iniciatória é maligna.  Os libertários defendem que, no que se refere à teoria política, qualquer coisa que não envolve a iniciação de violência não é maligna, e que, no que respeita à teoria política, qualquer coisa que não envolve a iniciação de violência não é um mal punível e não deveria ser considerada ilegal.  E esta é a base para a primeira parte de meu argumento.  Os chamados “vilões”, não são nem um pouco vilões, nesse sentido, pois não dão início à agressão contra não agressores.

Uma vez concebido que nenhum membro dessa aparente galeria de maus elementos é culpado de qualquer mau procedimento coercitivo, não é difícil apreciar o segundo ponto: virtualmente todas essas pessoas com quem nos preocupamos, são responsáveis por beneficiar o resto da sociedade.  As pessoas que estamos considerando, são não agressores.  Não forçam a si próprios nem ninguém a qualquer coisa.  Se os outros membros da comunidade têm negócios com eles, esses negócios são voluntários.  As pessoas tomam parte em transações voluntárias porque sentem que algum benefício pode derivar destas.  Já que as pessoas comercializam voluntariamente com nossos “vilões”, elas devem obter, deles, algo que desejam.  Os vilões têmde estar lhes proporcionando algum benefício. 

A terceira premissa sucede, inevitavelmente, a segunda.  Dado que o comércio voluntário (a única via de interação aberta àqueles que, como os bodes expiatórios, se abstêm da violência) deve sempre beneficiar todas as partes, a proibição do comércio voluntário deve prejudicartodas as partes.  De fato, minha colocação é até mais forte.  Argumentarei que proibir as atividades das pessoas que estamos considerando, não só prejudica as partes potenciais de seu comércio específico, como também pode prejudicar terceiros, seriamente.  Um exemplo gritante é a proibição das atividades do vendedor de heroína.  Além de prejudicar o vendedor e o cliente, a proibição da venda da heroína é responsável por uma grande proporção dos crimes cometidos em nossa sociedade, por corrupção policial e, em muitas áreas, pela derrocada geral da lei e da ordem. 

O ponto que faço questão de salientar nesta introdução – a essência de meu posicionamento, é que existe uma diferença crucial entre a iniciação de agressão e todos os outros atos que, embora possam nos desagradar, não envolvem essa agressão.  Somente o ato de violência agressiva viola os direitos do homem.  Abster-se de violência agressiva deve ser considerada uma lei fundamental da sociedade.  As pessoas de quem tratamos neste livro, embora ultrajadas pela média e condenadas de antemão por quase todas as demais, não violam os direitos de quem quer que seja; portanto, não deveriam estar sujeitas a sanções judiciais.  Minha crença é a de que eles são bodes expiatórios – são visíveis, vulneráveis a serem atacados, mas têm de ser defendidos, se a justiça deve prevalecer. 

Este livro é uma defesa da economia de mercado.  Destaca, em uma exaltação especial, aqueles participantes do sistema de iniciativa privada que são os mais ultrajados pelos críticos do sistema.  E o faz porque, se é possível demonstrar que o sistema de preços é mutuamente benéfico e produtivo nesses exemplos extremos, tanto mais o é nos mercados em geral. 

Entretanto, é importante frustrarmos qualquer interpretação errônea.  Este livro não afirma que o mercado é uma instituição econômica moral.  Certo, o sistema de lucros e perdas nos negócios trouxe à humanidade uma superabundância de bens de consumo e serviços jamais vista em toda a história do mundo.  Esses benefícios são objeto de cobiça por todas as pessoas não afortunadas o suficiente para viverem sob essa bandeira.  Dados os gostos, desejos, preferências do consumidor final, o mercado é o melhor meio que o homem conhece de lhe proporcionar satisfação. 

Mas o mercado também produz bens e serviços – como o jogo, a prostituição, a pornografia, as drogas (heroína, cocaína etc.), a bebida, o cigarro, os clubes de balanço, a instigação ao suicídio – cuja condição moral é, no mínimo, altamente questionável e, em muitos casos, altamente imoral. O sistema de livre iniciativa, portanto, não pode ser considerado um sistema moral.  Ao contrário, como meio de satisfação do consumidor, pode ser apenas tão moral quanto os objetivos dos próprios participantes do mercado.  Uma vez que estes variam grandemente, em toda a extensão que vai do completamente depravado e imoral até o inteiramente legítimo, o mercado deve ser visto como amoral – nem moral, nem imoral.

Em outras palavras, o mercado é como o fogo ou uma espingarda, uma faca, uma máquina de escrever: um meio esplendidamente eficiente, tanto para os bons quanto para os maus propósitos. Através da livre iniciativa somos capazes de praticar atos virtuosos, mas também seu oposto. 

Como, então, podemos defender as atividades imorais de alguns agentes do mercado? Isso brota da filosofia do Libertarianismo, que está limitada a analisar um único problema.  Ela pergunta: sob quais condições a violência é justificada? E responde: a violência é justificada somente para fins de defesa ou em resposta a uma agressão prévia, ou em retaliação a esta.  Isso significa, entre outras coisas, que não se justifica que o governo multe, puna, encarcere, imponha pena de morte a pessoas que ajam de uma maneira imoral – contanto que elas se abstenham de ameaçar ou dar início à violência física em relação às pessoas ou às propriedades de outrem.  O Libertarianismo, então,não é uma filosofia de vida.  Não tem a pretensão de indicar como a humanidade pode viver melhor.  Não traça fronteiras entre o bem e o mal, entre o moral e o imoral, entre a propriedade e a impropriedade. 

A defesa de pessoas como a prostituta, o pornógrafo etc., é, pois, uma defesa muito limitada. Consiste unicamente em alegar que eles não dão início à violência física contra não agressores. Consequentemente, de acordo com os princípios libertários, nenhuma agressão deveria recair sobre eles.  Isso significa apenas que essas atividades não deveriam ser punidas por sentenças de prisão ou outras formas de violência.  Isso, decididamente, não quer dizer que sejam morais, apropriadas ou boas. 

 

W.B.

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