Mises e a Escola Austríaca – uma visão pessoal

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3 – A Importância da Moeda

Hoje, é difícil acreditar que foi uma grande inovação na economia Mises ter demonstrado logicamente que, sob o socialismo, os preços não podem ser estabelecidos e o cálculo econômico é impossível. É de se surpreender que os países socialistas, sem os subsídios de um país capitalista, sejam incapazes de alimentar o próprio povo? Essa é a razão por que a ameaça do comunismo diminuiria enormemente se conseguíssemos impedir nossos políticos eleitos de injetarem recursos nesses países. Somente a força permite que um sistema sobreviva sem um mecanismo de precificação de livre mercado.

Tendo-se estudado a economia de livre mercado, os efeitos desastrosos de controles de salário e de preços jamais são uma surpresa. Apesar dos fracassos recentes e antigos dos controles de salário e de preços, eles — assim como controles de crédito, controles cambiais e ataques a bens imóveis — continuarão a ser usados, para nosso grave prejuízo econômico, porque as pressões políticas para manterem-se os enormes déficits são fortes demais em Washington. Dessa maneira, o dólar será inevitavelmente destruído.

Como não podemos prever o futuro — porque não podemos prever as decisões subjetivas de milhões de consumidores e produtores —não podemos saber exatamente quando isso virá à tona. No entanto, podemos ter certeza, dada a história, de que os políticos vão continuar destruindo nossa moeda e vão postergar tanto quanto possível as consequências necessariamente resultantes.

Mises escreve que chegará um momento em que teremos de fazer uma escolha:

Temos de escolher entre a economia de mercado e o socialismo. O estado pode preservar a economia de mercado protegendo a vida, a saúde e a propriedade privada contra agressões violentas ou fraudulentas; ou pode assumir ele mesmo a gestão de todas as atividades produtivas. Algum órgão tem de determinar o que deve ser produzido. Se não forem os consumidores por meio da oferta e demanda no mercado, tem de ser o governo por meio da compulsão.[6]

Compreender a moeda é a chave para restabelecer a saúde da economia. Desde que entrei para a política, passei mais tempo tratando do tema da moeda do que de qualquer outro. A Economia Austríaca, e sobretudo os escritos de Mises, foram particularmente proveitosos para mim. A explicação de Mises a respeito de como a moeda surgiu no mercado como uma mercadoria útil me convenceu de que a moeda deve, mais uma vez, ser restituída ao mercado como uma mercadoria.

Os políticos inevitavelmente destroem a moeda ao tomarem o controle dela, e tentam torná-la um simples bem do estado, apartado por completo de qualquer mercadoria demandada pelo consumidor. Mises entendia como a questão da moeda havia se tornado uma questão tanto política quanto econômica. Suas ideias me ajudaram a me opor tanto às desculpas esquerdistas quanto às conservadoras para déficits. Ambas as facções, independentemente da retórica, dependem de um sistema de moeda de curso forçado e da inflação, que ocultam as exações necessárias para manter o financiamento do governo ao mesmo tempo em que servem aos interesses particulares que obtêm a moeda emitida antes que a depreciação seja reconhecida pela população em geral.

Meu apoio à legalização da competição entre moedas foi obviamente influenciado pela visão misesiana da moeda. Essa é uma área em que podemos fazer até os monetaristas concordarem. Mises explica que a moeda — como qualquer mercadoria — tem uma utilidade marginal e que seu valor é determinado subjetivamente. Isso me ajudou a refutar a versão pura da teoria quantitativa da moeda, tal como apresentada pela Escola de Chicago. A moeda como mercadoria precisa ter uma qualidade intrínseca, e os consumidores precisam confiar na moeda para que ela funcione — algo cada vez mais ausente hoje em dia. Quando se compreende isso, desfaz-se o mistério quanto ao motivo por que o mercado de títulos atua como atua, e por que as taxas de juros são “altas demais”, como os monetaristas e os keynesianos proclamaram.

A incompreensão mais comum em Washington no tocante à moeda é a convicção de que o crescimento econômico depende de expansão monetária. Ricardo mencionou-o, mas foi Mises quem enfatizou e esclareceu o seguinte ponto: a duplicação da quantidade de moeda não proporciona nenhum benefício social. Se proporcionasse, estaríamos em maus lençóis para explicar por que o crescimento econômico foi tão pequeno nos anos de 1970, quando o Comitê do Federal Reserve quase triplicou a oferta de moeda (M3). Ainda hoje, a ampla maioria dos burocratas e dos políticos acredita que, sem expansão monetária, não há como se ter crescimento econômico. Eles veem a moeda como algo apartado da tributação, dos gastos fiscais e das políticas regulatórias; sem uma compreensão do valor, da precificação e da qualidade da moeda, é virtualmente impossível explicar-lhes que os preços podem ser facilmente ajustados para baixo se um livre mercado o exigir. A opinião prevalente é que preços em queda são um sinônimo de depressão — uma ideia obviamente errônea. Aqueles que acreditam nisso não compreendem a natureza do capital — que ele vem do esforço produtivo e da poupança. Eles acreditam que o capital é algo que você obtém quando o Fed aumenta a oferta de moeda.

Em Uma Crítica ao Intervencionismo, Mises escreve:

Nenhum decreto governamental pode criar coisa alguma que já não tenha sido criada antes. Apenas os inflacionistas ingênuos acreditam que o governo pode enriquecer a humanidade através de emissão de dinheiro. O governo não pode criar coisa alguma; suas ordens não podem nem mesmo expropriar nada que pertença ao mundo da realidade, mas podem expulsar qualquer coisa do mundo do permissível. O governo não é capaz de tornar o homem mais rico, mas pode empobrecê-lo. [7]

Aplicando o conceito de utilidade marginal à moeda, Mises explica soberbamente a embriaguez manifestada pelo economista convencional a respeito das estatísticas de velocidade do governo. A propensão dos consumidores a reter moeda ou a gastá-la explica por que às vezes os preços sobem mais lentamente do que algumas pessoas dizem que “deviam”, e por que eles sobem mais rapidamente do que “deviam” ao final de uma destruição da moeda, apesar da redução na criação de nova moeda. Somente a Economia Austríaca pode explicar adequadamente esses acontecimentos econômicos.

Em 1913, Mises publicou A Teoria da Moeda e do Crédito.[8] Nessa obra-prima, ele nos deu tudo que seria necessário para evitar as calamidades financeiras do século XX e, possivelmente, até as guerras travadas com a arma da inflação. Tragicamente, os Estados Unidos tomaram outro caminho; com o Coronel House aconselhando o presidente Wilson, fundamos um banco central poderoso e implementamos o destrutivo imposto de renda progressivo — tudo naquele mesmo ano. O custo subsequente em sofrimento humano e em perda de liberdade tem sido incomensurável.


[6] Ludwig von Mises, Planned Chaos (Irvington-on-Hudson, New York: Foundation for Economic Education, 1947), p.34.

[7] Ludwig von Mises, Uma Crítica ao Intervencionismo (São Paulo, Instituto Mises Brasil, 2010).  p.23.

[8] Ludwig von Mises, The Theory of Money and Credit (New Haven, Connecticut: Yale University Press, 1953).

 

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Ron Paul
é médico e ex-congressista republicano do Texas. Foi candidato à presidente dos Estados Unidos em 1988 pelo partido libertário e candidato à nomeação para as eleições presidenciais de 2008 e 2012 pelo partido republicano. É autor de diversos livros sobre a Escola Austríaca de economia e a filosofia política libertária como Mises e a Escola Austríaca: uma visão pessoal, Definindo a liberdade, O Fim do Fed – por que acabar com o Banco Central (2009), The Case for Gold (1982), The Revolution: A Manifesto (2008), Pillars of Prosperity (2008) e A Foreign Policy of Freedom (2007). O doutor Paul foi um dos fundadores do Ludwig von Mises Institute, em 1982, e no ano de 2013 fundou o Ron Paul Institute for Peace and Prosperity e o The Ron Paul Channel.

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