O Apóstolo de Cambridge

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MAIS favorável educação disponível para a elite inglesa foi garantida a Maynard por seu pai amoroso. Primeiro, ele foi um estudante bolsista no “College” em Eton, uma subdivisão intelectual da mais influente escola pública da Inglaterra. De lá, Maynard foi para o King College, que, junto com o Trinity, era uma das duas mais dominantes faculdades da Universidade de Cambridge.

No King, Maynard foi rapidamente convidado para uma cobiçada membresia na sociedade secreta dos Apóstolos, uma organização que rapidamente moldou seus valores e sua vida. Keynes cresceu para maturidade social e intelectual nos confins de um pequeno e incestuoso mundo de segredos e superioridade.

Os Apóstolos não eram simplesmente um clube social, a maneira das fraternidades secretas da Ivy League. Eles eram uma autoconsciente elite intelectual, especialmente interessada em filosofia e nas suas aplicações a estética e a vida.

Membros dos Apóstolos eram escolhidos quase exclusivamente do King e do Trinity, e eles se encontravam todos os domingos a tarde, atrás de portas fechadas para entregarem e discutirem artigos.[1] Durante o resto da semana, os membros praticamente viviam nos quartos uns dos outros.

Além disso, o Apostolado não era simplesmente um caso para os graduandos, mas uma membresia para a vida e estimada como tal. Para o resto de suas vidas, os Apóstolos adultos (conhecidos como “Anjos”), incluindo Keynes, retornavam frequentemente a Cambridge para encontros, e participavam ativamente no recrutamento de novos graduandos.

Em fevereiro de 1903, com 20 anos de idade, John Maynard Keynes assumiu seu lugar como Apóstolo N°243 em uma cadeira que reclinava em uma sociedade que foi fundada em 1820.

Pelos próximos 5 ou 6 anos de formação, Maynard gastou quase toda sua vida privada entre os Apóstolos, e seus valores e atitudes foram moldados de acordo. Mais ainda, a maior parte da sua vida adulta foi gasta entre Apóstolos mais novos e mais velhos, seus amigos e outras relações.

Uma importante razão para o efeito poderoso da Sociedade dos Apóstolos sobre seus membros era a atmosfera inebriante de segredos. Como biógrafo de Keynes, Robert Skidelsky escreve

Ninguém deve jamais subestimar o efeito do segredo. Muito do que foi fazer o resto do mundo parecer alienígena veio desse simples combustível. Segredos foram o vínculo que ampliou o pedaço da vida que a Sociedade ocupava em comparação aos outros interesses dos seus membros.

É muito mais fácil, afinal, gastar o tempo de alguém com pessoas com as quais ele não precisa manter grandes segredos; e gastar muito tempo com eles reforça o que os trouxe juntos para começo de conversa. (Skidelsky 1983, p. 118; veja também Deacon 1986)

A extraordinária arrogância dos Apóstolos pode ser mais bem sumarizada pela piada meio kantiana dessa Sociedade, que a Sociedade em si era “real”, enquanto o resto do mundo era apenas “fenomênico.”

O próprio Maynard se referiria a não-Apóstolos como “fenomênicos”. O que isso tudo significava era que o mundo lá fora era tratado como menos substancial, menos digno de atenção que a vida coletiva da Sociedade.

Era uma piada que continha em si uma séria reviravolta (Skidelsky 1983, p. 118). “Foi devido a existência da Sociedade” escreveu o Apóstolo Bertrand Russell em sua Autobiografia, “que eu vim a conhecer as pessoas que mais valia a pena conhecer”.

De fato, Russell relembra que quando Keynes, já adulto, deixou Cambridge, ele viajou pelo mundo com a sensação de ser um bispo de uma seita em terras estrangeiras. “A verdadeira salvação para Keynes” relembra Russell com grande percepção “estava em outro lugar, entre os fiéis em Cambridge” (Crabtree and Thirlwall 1980, p. 102).

Ou, como o próprio Maynard escreveu durante seus dias de graduando em uma carta para seu amigo e seu colíder, Giles Lytton Strachey, “É monomania — essa colossal superioridade moral que nós sentimos? Eu tenho a sensação de que a maior parte do resto [o resto do mundo fora dos Apóstolos] nunca viram nada mesmo — tão estúpidos e tão imorais” (Skidelsky 1983, p. 118). [2]

Duas atitudes básicas dominaram o grupo hermético sob a égide de Keynes e Strachey. A primeira era sua crença fundamental na importância do amor-próprio e da amizade, enquanto desprezavam quaisquer regras gerais ou princípios que talvez pudessem limitar seus próprios egos; e a segunda, sua animosidade para com e desprezo pelos valores e pela moralidade da classe média.

A confrontação Apostólica com os valores burgueses incluíam elogios a estética vanguardista, a crença na homossexualidade como moralmente superior (com a bissexualidade como um distante segundo lugar[3]) e desprezo pelos valores tradicionais da família como a parcimônia ou qualquer ênfase no futuro ou no longo prazo, quando comparado com o presente. (“No longo prazo”, como Keynes iria entoar em sua famosa frase, “estaremos todos mortos.”)

 

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Notas

[1]           Perguntando a si mesmo por que o eminente historiador constitucional Frederic W. Maitland não teve influência sobre os apóstolos de sua era, mesmo que tenha sido um membro, Derek Crabtree responde que Maitland foi desafortunado o suficiente para ter uma cadeira na Downing College, uma das menos influentes faculdades de Cambridge (veja Crabtree 1980, pp 18-19).

[2]           Como quando o filósofo John E. McTaggart, um professor no Trinity, que foi um apóstolo desde 1880, casou-se mais tarde em sua vida, ele assegurou aos apóstolos que sua esposa era meramente “fenomênica” (Skidelsky 1983, p. 118).

[3]           Bertrand Russell, que era uma década mais velho que Keynes, não gostava do grupo de Strachey/Keynes que dominava os membros graduandos durante a primeira década do século 20, principalmente por sua convicção de que a homossexualidade era moralmente superior a heterossexualidade.

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