Sejamos diretos: a maneira como se calcula o PIB — tanto no Brasil como no resto do mundo — é uma falácia. Aliás, não é apenas uma falácia: é também algo extremamente enganoso. Para ser curto e grosso: trata-se de uma fraude que só se sustenta porque ninguém questiona.
Muitas vezes divulga-se que o PIB aumentou seguidamente sem que as pessoas do setor produtivo da economia tenham a sensação de que estão realmente melhorando. Isso, por exemplo, foi muito comum no governo Fernando Henrique e nos quatro anos do primeiro mandato de Lula.
Por que isso acontece?
A maneira tradicional de calcular o PIB de um país é por meio da seguinte (e extremamente simples) equação:
C representa os gastos do setor privado, I representa o total de investimentos realizados na economia, G representa os gastos do governo, X é o volume de exportações e M, o de importações.
O problema todo começa ao se fazer confusão entre aquilo que o PIB realmente pretende mensurar e a interpretação que dão a essas mensurações. Quando a mídia diz que “a economia cresceu”, ela está se referindo ao fato de que o número resultante da equação acima para um dado ano (ou trimestre) é maior do que o número encontrado para o ano (ou trimestre) anterior, após ser ajustado pela inflação — utilizando-se para tal um deflator calculado pelo IBGE.
Contabilmente, não há problema algum com a equação acima. Por definição, ela representa o valor monetário de todos os bens e serviços finais que foram comprados e vendidos dentro das fronteiras do Brasil em um dado ano. Apenas isso. O problema todo advém do fato de que tal número passou a ser interpretado como medida do bem-estar econômico do país. E a encrenca começa aí.
Afinal, se o PIB passou a ser interpretado como medida da saúde da economia, não faz sentido algum as importações contribuírem para o decréscimo do PIB, como mostra a equação. Se a economia está importando maquinário e bens decapital, isso irá torná-la mais produtiva, e não menos, que é o que a equação sinaliza. Porém, olhando-se estritamente do ponto de vista contábil, as importações são subtraídas porque o PIB está preocupado apenas com aquilo que é transacionado dentro da fronteira brasileira, sem se importar com a nacionalidade do produtor. Assim, um Audi fabricado no Paraná gera um aumento no PIB; porém, se uma empresa brasileira atuando no exterior vendesse para o Brasil um produto seu fabricado lá fora, mesmo que fosse um bem de capital que aumentasse a produtividade da economia, tal transação diminuiria o PIB.
(Já o Produto Nacional Bruto, que quase nunca é utilizado, exclui a produção de estrangeiros no Brasil e inclui os bens e serviços produzidos por empresas brasileiras no exterior).
O PIB, portanto, inclui a totalidade do consumo, investimento e gastos do governo, mais o valor das exportações, menos o valor das importações. O valor daí resultante nem de longe serve para inferir qualquer saúde econômica. Veremos o porquê.
Pra começar, um dos grandes problemas do PIB é que ele não faz qualquer esforço para distinguir as transações econômicas que beneficiam a saúde da economia do país daquelas que apenas a enfraquecem. Atividades destruidoras de riqueza são incluídas em pé de igualdade com atividades produtoras de riqueza. A intenção inicial do PIB — criado nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial unicamente para mensurar a capacidade de produção da economia americana naquele período belicoso — nunca foi a de mensurar o bem-estar econômico de um país. Porém, como ele inadvertidamente passou a ser utilizado para esse fim, todas as transações monetárias por ele calculadas passaram a ser vistas como sendo um progresso e uma contribuição para a saúde econômica do país.
Assim, quando há um tornado em Santa Catarina ou uma enchente avassaladora em São Paulo, os esforços de reconstrução fazem o PIB aumentar, não obstante toda a destruição e todas as perdas trágicas enfrentadas pela população. Outras despesas negativas, como gastos para se proteger contra a criminalidade, gastos com médicos, gastos com divórcios, gastos com a defesa nacional, gastos para se reparar depredações etc., tudo isso conta como geração de riqueza e bem-estar econômico.
Da mesma forma, quando alguma indústria, para produzir algum bem, consome recursos naturais até seu completo esgotamento, isso também gera um aumento no PIB. A distribuição de renda também é completamente ignorada pelo PIB. Se toda a renda nacional estivesse nas mãos de apenas uma família, e todo o resto da população estivesse à míngua, a renda dessa família, ao ser gasta, iria dar uma bela aditivada no PIB. Quando a Petrobras faz lambança e deixa vazar petróleo no mar, o dinheiro gasto para limpar o oceano aumenta o PIB. Se algum lixo tóxico é derramado num rio, o dinheiro gasto para descontaminar o rio estimula o PIB. Mais absurdo ainda: o dinheiro que foi gasto para criar esse lixo tóxico também gera acréscimos ao PIB. Quando os estrangeiros aplicam em títulos públicos e esse dinheiro é gasto aqui, o PIB sobe — sem qualquer consideraçãopara com o ônus da quitação dessa dívida, que será transmitido às gerações futuras.
Mas esses detalhes excêntricos nem de longe são o pior — por isso não vamos tratar deles neste artigo. O que realmente chama a atenção na equação é o fato bizarro de que um aumento dos gastos do governo gera um crescimento da economia!
Essa equação faz sentido apenas no mundo maravilhoso de Keynes, onde cavar buracos para em seguida tapá-los contribui para o enriquecimento e aumenta o bem-estar geral de toda a população.
No mundo real, porém, as coisas são um pouco diferentes. Os gastos do governo são, sob qualquer aspecto e em qualquer situação, um fardo para toda a economia de um país. Ao contrário do que se imagina, o que determina o tamanho de um governo não é a carga tributária, mas sim seu total de gastos. A variável “carga tributária” engloba, obviamente, apenas os impostos arrecadados. Já a variável “gastos do governo” engloba três variáveis: impostos, endividamento e inflação.
Explica-se: quando o governo gasta, ele está consumindo bens que, de outra forma, seriam utilizados pela população ou mesmo por empreendedores para fins mais úteis e mais produtivos. Por isso, todo o gasto do governo gera um exaurimento de recursos. Bens que foram poupados para serem consumidos no futuro acabam sendo apropriados pelo governo, que os utilizará sempre de forma mais irracional que o mercado, que sempre se preocupa com o sistema de lucros e prejuízos. Portanto, os gastos do governo exaurem a poupança (por ”poupança”, entenda-se ”bens que não foram consumidos no presente para serem utilizados em atividades futuras”).
Ademais, os fundos que possibilitam os gastos do governo vieram (1) dos impostos arrecadados (carga tributária), ou (2) do aumento da oferta monetária (inflação) ou (3) do endividamento do governo via emissão de títulos.
A tributação, como todos sabem, nada mais é do que uma destruição de riquezas. Parte daquilo que o setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em maracutaias, salários de políticos, agrados a lobistas e em péssimos serviços públicos. Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.
Já o aumento da oferta monetária gera a inflação de preços que distorce toda a economia, além de ser o fator causador dos ciclos econômicos. E a emissão de títulos gera o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos ou por meio da inflação monetária ou por meio de mais lançamento de títulos (que é o que chamam de “rolar a dívida”). Sim, é uma bagunça.
Tudo isso mostra que, por mais detrimental que sejam os impostos, eles não conseguem ser piores do que os gastos do governo. Os impostos englobam apenas eles próprios; já os gastos do governo englobam os impostos, o endividamento e a inflação monetária. É impossível haver gastos sem que pelo menos um desses três tenha ocorrido. E o pior: o fato de estar havendo aumento de gastos significa que um desses três inevitavelmente será aumentado no futuro. E a hipótese mais plausível é que os três aumentem simultaneamente.
Foi pensando nisso que os economistas da Escola Austríaca, capitaneados por Murray Rothbard, criaram uma maneira mais acurada de se medir o real valor da riqueza de uma economia. A esse resultado eles deram o nome de PPR: Produto Privado Remanescente.
A maneira de se calcular o PPR é simples: dado que os gastos do governo equivalem na verdade a depredações econômicas, eles devem ser subtraídos do cálculo do PIB. Ou seja: do valor anual do PIB divulgado, subtrai-se os gastos governamentais duas vezes. A primeira, apenas para tirar essa variável da equação, obtendo-se assim oProduto Privado Bruto — PPB; a segunda, para levar em conta todos os recursos que o estado tungou do setor privado, obtendo-se assim o Produto Privado Remanescente, que representa a real criação de riqueza de uma economia.
Para ficar mais claro: imagine uma economia simples na qual os agricultores produziram 1.000 bananas. Ao serem vendidas no mercado as mil bananas, o governo coleta 200 como impostos (pense em impostos indiretos), para distribuir da maneira que ele quiser. Assim, os gastos do governo serão de 200 bananas, o que fará com que o PIB seja de 1.200 bananas (consumo privado de 1.000 mais gastos do governo de 200). Daí já é possível entender por que essa maneira de calcular o PIB é uma aberração. Já o PPB será de 1.000 bananas e o PPR será de 800 bananas. De fato, das 1.000 bananas produzidas, 200 foram confiscadas pelo governo e desperdiçadas em distribuições não voluntárias.
Dado que essas 200 bananas abiscoitadas pelo governo não são vendidas no mercado, e dado que essa redistribuição de bananas está se dando coercivamente (por meio da tributação), isso significa que seu valor foi destruído. Afinal, normalmente quando valorizamos um bem, estamos dispostos a pagar por ele (fato este que representa o valor que tal produto representa para uma economia). Porém, se esse bem é confiscado pelo governo, todo o valor “embutido” nele foi perdido. Ele foi produzido a troco de nada. O produtor perdeu parte de sua riqueza.
Já aquele indivíduo que recebeu “gratuitamente” os frutos do trabalho de terceiros pode até ter ficado melhor do que estava antes, porém isso aconteceu em detrimento da riqueza alheia. O recebedor de bens gratuitos é apenas um parasita; ele se beneficia à custa de terceiros, não produz nada, destrói riquezas e não agrega nada de positivo para a economia. A economia não fica mais rica por sua causa; ao contrário, fica mais pobre.
(Por “recebedor de bens gratuitos” entenda-se todos aqueles cuja renda advém da tributação dos membros produtivos da sociedade, sem exceção. Não importa se o indivíduo é inativo ou possui um emprego cujo salário é pago coercivamente via impostos. Ambos são destruidores dariqueza alheia). Em última instância, os gastos do governo nada mais são do que consumo de capital.
Uma observação técnica: alguns podem contestar esse método de cálculo dizendo que serviços estatais como forças armadas, tribunais e polícia, conquanto sejam difíceis de terem seu real valor mensurado, ainda assim são serviços (sem concorrência) em cujos gastos há algum retorno positivo. Porém, há dois detalhes importantes: (1) esses serviços governamentais muito raramente trazem utilidade direta para seus consumidores finais. Ninguém está melhor por ter feito um boletim de ocorrência na polícia ou por ter sido acionado judicialmente. Mesmo em uma ação judicial justa, o vencedor simplesmente é restituído pelo perdedor, e a soma volta a ser zero. Não houve produção de bens. (2) Ademais, em sua esmagadora maioria, esses serviços são considerados bens intermediários. E bens intermediários não entram no cálculo do PIB. Logo, trata-se de serviços cujos valores não estavam incluídos no cálculo oficial do PIB.
Pois bem. Entendida a natureza maléfica dos gastos governamentais, busquemos agora então os reais valores da economia brasileira.
De acordo com o IBGE, eis as taxas de crescimento do PIB brasileiro a partir de 1995, primeiro ano completo do Real.
Observe que quase todas as taxas foram positivas. Em 1998 o crescimento foi zero, e em 2009, foi de -0,2%. Pense novamente no que foi dito no início deste artigo: “Muitas vezes divulga-se que o PIB aumentou seguidamente sem que as pessoas do setor produtivo da economia tenham a sensação de que estão realmente melhorando”.
O período compreendido entre os anos 1999 e 2006 foram períodos de muita angústia para a maioria dos membros do setor produtivo da economia, como todos que viveram naquela época se recordam. Porém, isso não é o que mostram os dados do PIB, que passam a impressão de que tudo foi róseo.
Por isso, vamos calcular qual foi a real criação de riqueza da economia brasileira nesse período, isto é, qual foi o crescimento do Produto Privado Remanescente —- PPR.
Para calculá-lo, peguei os valores nominais dos PIBs anuais divulgados pelo IBGE para o período 1995-2009 e deles subtraí a “despesa de consumo da administração pública”, que é o valor que o IBGE utiliza como gastos do governo (G) em cada ano. Retirado o G, fiquei com a seguinte equação: PPB = C + I +X – M
Isso ainda não nos basta. Temos de considerar também os efeitos das depredações feitas pelo governo. Para tal, subtraí todas as despesas correntes e todas as despesas de capital feitas pela União (DU – despesas da União) em cada ano. No quesito ”despesas correntes” estão despesas com pessoal e encargos sociais, juros e encargos da dívida, benefícios previdenciários, transferências a estados, DF e municípios e demais despesas correntes. E no quesito ”despesas de capital” estão investimentos do governo e amortização da dívida (excluídos os refinanciamentos e as inversões financeiras, que são apenas movimentações financeiras de uma conta para outra). Todo os valores podem ser encontrados aqui.
Observe também que não incluí os gastos dos governos estaduais emunicipais. Se o tivesse feito, os resultados seriam ainda piores.
O resultado dessa subtração dupla me deu o PPR nominal de cada ano.
PPR = C + I +X – M – DU
Para cada um desses valores apliquei o mesmo deflator utilizado pelo IBGE, e obtive o PPR real para cada ano. De posse desses valores, procedi ao cálculo básico das taxas de crescimento.
O resultado está no gráfico abaixo (notem a disparidade com as taxas do PIB oficial):
Antes de procedermos à análise do gráfico, tenha em mente um detalhe: um PPR positivo significa que houve um crescimento do setor privado. Isso não quer dizer necessariamente que o estado encolheu; significa apenas que o setor privado cresceu mais do que o estado. Da mesma forma, quando o PPR é negativo, está havendo um agigantamento do estado em detrimento do setor privado.
Dito isso, façamos algumas observações (estamos tomando 1995 como o ano base e a taxa de crescimento é anual, isto é, quanto o PPR cresceu em relação ao ano imediatamente anterior):
1) O gráfico deixa claro por que boa parte da população brasileira não ficou muito satisfeita com o governo FHC: ao contrário do que clama aesquerda xiita, houve um agigantamento do estado durante o governo do sociólogo, de modo que ao final de seu mandato de 8 anos o setor privado havia crescido apenas 1%. É como se em 2002 tudo ainda estivesse no mesmo patamar de 1995. O estado cresceu tanto, que os esforços do setor privado foram suficientes apenas para acompanhar o ritmo da expansão estatal, quase nunca superando-a. Portanto, a sensação de privação que várias pessoas sentiram durante o mandato do socialista cepalino, em especial durante o segundo, era real. Allende e Gramsci não poderiam ter encontrado um discípulo mais aplicado do que o marxista chique.
2) Esse agigantamento do estado durante o governo FHC é facilmente entendido quando os debates ideológicos são deixados de lado: além de ter havido uma explosão nos gastos do governo (que aumentaram, em termos nominais, mais de 184%, o que tornava comum o governo ter déficits primários ao invés de apenas nominais) e um aumento recorde na carga tributária (que saiu de 27% para 36% do PIB), o sociólogo ainda criou inúmeras agências reguladoras com a função de impedir a livre concorrência e praticar o tabelamento de preços e tarifas. Suas “privatizações” foram todas mentirosas: os setores “privatizados” mantiveram seus monopólios garantidos pelo estado, de modo que o que houve foi apenas uma troca de gerenciamento. O governo — por meio das agências reguladoras — cuidou de abolir qualquer risco de concorrência, que é o que um livre mercado genuíno impõe.
Além dessa troca de monopólios (estatal para privado), todos os leilões foram feitos com dinheiro do BNDES, sendo que os fundos de pensão de estatais (que, em última instância, são controlados por políticos e sindicalistas petistas) adquiriram participações em várias dessas empresas “vendidas”. Não houve um único setor da economia do qual o estado se retirou por completo. Assim como a jabuticaba e a pororoca, as “privatizações” brasileiras também são um fenômeno único: aumentam a participação do estado na economia.
(A EMBRAER, por exemplo, fechou negócio com uma empresa aérea estatal argentina. Os termos? O BNDES vai financiar nada menos que 85% da operação (veja aqui). Ou seja: trata-se de um capitalismo sem riscos. A empresa fica com os lucros, e o contribuinte os subsidia. Não deve haver vida mais fácil).
3) Porém, o fator que talvez mais tenha agravado a situação do setor privado no governo FHC foi a combinação entre juros altos, déficits orçamentários e gastos em constante crescimento.
Explica-se: juros altos, por si sós, estimulam a poupança, inibindo os gastos presentes. Porém, se o governo não faz a sua parte e continua tendo déficits e gastando em demasia, a economia passa a viver o pior dos mundos. As pessoas deixam de consumir por causa dos juros, porém o governo entra em cena e consome o que não está sendo consumido pela população. Isso impede que ela possa usufruir uma maior abundância de bens no futuro, assim como se aproveitar dos preços que consequentemente seriam mais baixos por causa dessa maior oferta.
E como está havendo déficits orçamentários, o governo ainda recorre à poupança da população para se financiar, o que impede que haja crédito disponível para investimentos privados.
Portanto, além de os juros altos do governo FHC terem privado as pessoas do consumo presente, o governo — com seus déficits e gastos crescentes — ainda as impedia de colher os benefícios futuros dessa poupança, inibindo o investimento e impossibilitando uma maior abundância de bens e serviços futuros.
Logo, o sacrifício que a população fazia em decorrência dos juros altos (poupança é igual a sacrifício) era anulado pelos gastos e déficits do governo, o que significa que a população se abstinha de consumir e não obtinha benefício algum desse esforço. A sensação de privação causada pelo governo era intensificada.
4) Tendo herdado um estado paquidérmico, Lula nem precisou pôr em prática a cartilha que o PT sempre pregou: o homem da Sorbonne já havia feito todo o serviço, dando um chapeu em seu colega ideológico. O PPR positivo de 2003 e 2004 (e a quase estagnação de 2005) foi apenas a consequência de um menor crescimento nos gastos do estado. Ou seja: o governo Lula seguiu aumentando os gastos, porém a uma taxa um pouco menor que a do governo FHC. O estado já estava tão inchado, que um simples crescimento menor dos gastos do governo naqueles dois anos já foi suficiente para fazer com que o setor privado respirasse um pouco.
5) Em 2005, o estado voltou a crescer com mais força, embora o setor privado ainda tivesse conseguido se manter à frente. Em 2006, com o aumento dos gastos típicos de anos eleitorais, o setor privado definhou 7%. Porém, em 2007 e 2008 houve de fato um crescimento mais intenso do setor privado, algo que foi sentido por todos (vide os bons índices de aprovação do governo nesses dois últimos anos). Os crescimentos registrados em 2007 e 2008, mesmo este sendo um ano de crise, foram especialmente robustos, o que se traduziu na melhora, ainda que tímida, de vários índices econômicos. Não tenha dúvidas: os gastos do governo seguiram crescendo e o funcionalismo inchou a níveis soviéticos. Porém, devido a uma conjuntura externa extremamente favorável (ainda que artificial, totalmente estimulada pelo crédito fácil proporcionado pelos bancos centrais mundiais), o setor privado brasileiro — povoado por pessoas inegavelmente criativas e batalhadoras — conseguiu o milagre de crescer mais que o estado.
6) Com o recrudescimento da crise mundial em 2009, e com os gastos do governo em franca ascensão, não havia como o setor privado fazer mágicas. A retração de 11,8% no PPR foi a mais aguda desde a criação do real.
Embora pareça um valor exagerado, uma rápida consulta ao relatório do IBGE mostra que, ao contrário, tal resultado está em total acordo com o que ocorreu em 2009. Copio do site do IBGE:
A queda da agropecuária em 2009 (-5,2%) se deveu à redução na produção de culturas importantes, como o trigo (-16,0%), o milho (-13,5%), o café (-12,8%) e a soja (-4,8%).
Na indústria (-5,5%), todas as atividades apresentaram queda, sendo que a maior foi na indústria de transformação (-7,0%), seguida pela construção civil (-6,3%), e pela eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana (-2,4%). A extrativamineral registrou variação de -0,2%, com crescimento de 5,7% na produção de petróleo e gás e queda de 22,3% na extração de minérios ferrosos.
No setor de serviços (2,6%), os resultados foram positivos para intermediação financeira e seguros(6,5%), outros serviços (5,1%), serviçosde informação (4,9%),administração, saúde e educação pública (3,2%) e serviços imobiliários e aluguel (1,4%). Por outro lado, os serviços ligados à indústria de transformação tiveram queda: comércio atacadista e o varejista (-1,2%) etransporte, armazenagem e correio (-2,3%).
Na análise da demanda, a despesa de consumo das famílias cresceu 4,1% em 2009, sexto ano consecutivo de aumento. A despesa do consumo da administração pública também aumentou (3,7%), por outro lado, a formação bruta de capital fixo caiu 9,9%.
No âmbito do setor externo, as exportações tiveram redução de 10,3%, e as importações, de 11,4%. Desde 2005 o desempenho em volume das exportações não era superior ao das importações.
Observe que, além do item ”consumo das famílias” – que cresceu 4,1% em 2009, resultado da política de crédito fácil adotada pelo Banco Central -, houve crescimento de 3,7% no consumo do governo e de 3,2% com administração, saúde e educação pública. Mesmo no setor de serviços, o único que apresentou crescimento, a maior parte dos gastos se deu com intermediação financeira e seguros, sendo que este último se encaixa naquele quesito despesas negativas. O resto foi todo negativo. O PPR, ao levar em conta o efeito deletério dos gastos do governo, apenas deixou explícito o quão forte foi a contração.
7) É importante notar que um PPR positivo não necessariamente se traduz em abundante criação de empregos, da mesma forma que um PPR negativo também não significa que empregos não possam estar sendo criados. Porém,um PPR negativo – isto é, um agigantamento do estado – inevitavelmente gera uma consequência nefasta: os rendimentos e salários do setor privado ficam estagnados. Os gastos do estado são tão grandes e distorcivos que os empregos criados dificilmente conseguem pagar mais do que 2,5 salários, ficandoo aumento da renda totalmente dependente do controle da inflação. (Vejaum exemplo recente de tudo isso aqui).
Ou seja: enquanto estiver havendo um agigantamento do estado, com seus gastos, impostos e déficits (primários ou nominais), os brasileiros estarão condenados a rendimentos escassos no setor privado. E isso também explica a grande fuga de cérebros para o setor público, onde os salários são mais altos, as mordomias idem, trabalha-se pouco e há estabilidade. E quem sustenta a boa vida do setor público são os escravos do setor privado. Não é preciso ser um gênio para entender que esse arranjo não se sustenta. Ele ainda pode durar um bom tempo, mas, quando implodir, será algo cinematográfico.
8) Outro fator que não pode ser negligenciado foi o contínuo aumento observado no setor informal da economia – consequência inevitável de um mercado obstruído por inúmeras barreiras regulatórias e impostos escorchantes, ambos consequência de um estado inchado. A produção do setor informal não é calculada pelo PIB e, consequentemente, nem pelo PPR. Entretanto, sabemos que a economia informal de fato gera um aumento no padrão de vida daqueles que participam dela – afinal, se não fosse o mercado informal, essas pessoas estariam à míngua. Se considerássemos também nos cálculos a riqueza gerada pela economia informal, o agigantamento do estado poderia ser considerado menor. Porém, aí teríamos um paradoxo: o agigantamento do estado leva a um crescimento da economia informal, e o crescimento da economia informal significaria um encolhimento do estado! O que se sabe é que o setor informal cresceu em nível recorde em 2008. Sabe-se também que o setor formal e o informal alimentam-se mutuamente, como bem explica a reportagem do link. Donde se pode inferir que o crescimento do setor privado em 2007 e 2008 pode ter sido influenciado também pelo forte crescimento do setor informal — que, por suavez, é consequência do agigantamento do estado! Uma zorra. O estado gerou duas economias paralelas. Apenas mais um exemplo de como ele é um ente nefasto e desagregador.
9) Por fim, fica a comparação: após os dois mandatos de FHC, o setor privado havia crescido apenas 1% a mais que o estado. No governo Lula, apesar da retórica mais à esquerda do que a adotada pelo governo FHC, felizmente a maioria das bravatas não se concretizou. Uma coisa é discurso de palanque para agradar as bases de apoio; outra coisa é ver o que realmente foi posto em prática. É isso que nos interessa. E o setor privado no governo Lula cresceu, até o fim de 2009, 12,75%. Se excluirmos o ano de 2009, vemos que o setor privado havia crescido, até o fim de 2008, 27,9%, o que ajuda a explicar a boa aprovação do governo Lula.
Porém, na soma geral, em 14 anos, 1996-2009, o setor privado cresceu 14% a mais que o estado. Muito pouco para o período de tempo considerado.
Vale, porém, uma importante observação: o crescimento do setor privado havido no governo Lula não foi consequência apenas de eventuais políticas do governo federal. A Lei de Responsabilidade Fiscal, que age sobre todos os estados da União, teve provavelmente um efeito maior do que qualquer política do governo federal. Veja mais detalhes aqui.
Com tudo isso, são duas as conclusões inevitáveis:
a) O método do PPR é muito mais realista que o método keynesiano tradicional de cálculo do PIB, que considera que todos os gastos do governo, de qualquer natureza, geram bem-estar e saúde econômica. Ademais, o arcabouço teórico que o justifica é muito mais sólido que o do PIB.
b) Se o governo quiser que o país saia rapidamente da estagnação real em que se encontra (em relação ao PPR de -11,8%, o PIB de -0,2% do IBGE para 2009 foi bastante otimista, para não dizer amenizador), ele terá de permitir que o setor privado cresça em detrimento do setor público. Porém, considerando-se os recentes aumentos nos gastos federais, que cresceram 82% neste início de ano em relação a 2009, e o fato de que este será um ano eleitoral, as perspectivas futuras para o setor privado não são muito alvissareiras.