Escola Austríaca

0

1. Princípios essenciais da Escola Austríaca

Uma das principais carências dos programas de estudo das nossas Faculdades de Economia é que nos mesmos, até agora, não se tem oferecido aos estudantes uma visão completa e integrada dos elementos teóricos essenciais que constituem as contribuições da moderna Escola Austríaca de Economia.  No presente capítulo pretende-se cobrir essa importante lacuna, assim como dar uma visão panorâmica dos elementos diferenciadores essenciais da Escola Austríaca, visão essa que ajude a compreender a evolução histórica do seu pensamento, que será exposto nos capítulos posteriores.  Para isso, apresenta-se no quadro 1.1., de uma forma clara e sintética, quais são as diferenças essenciais que existem entre a Escola Austríaca e o paradigma dominante (neoclássico) que, de uma forma geral, é o ensinado nas nossas universidades.  Desta maneira será possível entender de uma forma simples e rápida a diferença de pontos de vista entre ambas as abordagens que de seguida serão analisados com maior detalhe.

 

Quadro 1.1.

Diferenças essenciais entre a Escola Austríaca e a Neoclássica

 

 

Pontos de comparação

 

 

Paradigma austríaco

 

 

Paradigma neoclássico

 

 

1.  Conceito de economia (princípioessencial):

 

 

Teoria da ação humana entendida como um processo dinâmico (praxeologia).

 

 

Teoria da decisão: maximizaçãosujeita a restrições (conceito estrito de”racionalidade”).

 

 

2.  Perspectiva metodológica:

 

 

Subjetivismo.

 

 

Estereótipo do individualismometodológico (objetivista).

 

 

3.  Protagonista dos processos sociais:

 

 

Empreendedor criativo.

 

 

Homo oeconomicus.

 

 

4.  Possibilidade de os agentes se equivocarem a priori e natureza doganho empresarial:

 

 

Admite-se a possibilidade de serem cometidos erros empresariais puros que poderiam ter sido evitados com maior perspicácia empresarial na percepção de oportunidades de lucro.

 

 

Não se admite que existam erros dos quais alguém se possa arrepender, uma vez que todas as decisões passadas se racionalizam em termos de custos e benefícios. Os lucros empresariais são considerados como a renda de mais um fator de produção.

 

 

5.  Concepção da informação:

 

 

O conhecimento e a informação sãosubjetivos, estão dispersos e alteram-seconstantemente (criatividadeempresarial).  Distinção radical entre conhecimento científico (objetivo) e prático (subjetivo).

 

 

Pressupõe-se a existência de informação perfeita (em termos certos ou probabilísticos), objetiva econstante a propósito de fins e de meios.  Não se distingue entre conhecimento prático (empresarial) e científico.

 

 

6.  Ponto de referência:

 

 

Processo geral com tendênciacoordenadora.  Não se distingue entre a micro e a macroeconomia: todos os problemas econômicos são estudados de forma interrelacionada.

 

 

Modelo de equilíbrio (geral ou parcial).  Separação entre a micro e a macroeconomia.

 

 

7.  Conceito de  «concorrência»:

 

 

Processo de rivalidade empresarial.

 

 

Situação ou modelo de «concorrência perfeita».

 

 

8.  Conceito de

custo:

 

 

Subjetivo (depende da capacidadeempresarial para descobrir novos fins alternativos).

 

 

Objetivo e constante (pode ser conhecido e medido por uma terceira parte).

 

 

9.  Formalismo:

 

 

Lógica verbal (abstrata e formal) que permite a consideração do tempo subjetivo e da criatividade humana.

 

 

Formalismo matemático (linguagem simbólica própria da análise de fenômenos atemporais e constantes).

 

 

10.  Relação com o mundo empírico

 

Raciocínios apriorístico—dedutivos:Separação radical e, quando necessário,coordenação entre teoria (ciência) e história (arte).  A história não pode ser utilizada para testar as teorias.

 

 

Verificação empírica das hipóteses (pelo menos retoricamente).

 

 

11.  Possibilidades de previsãoespecífica:

 

 

Impossível, uma vez que o que vai suceder no futuro depende de um conhecimento empresarial ainda não criado.  Apenas são possíveis pattern predictions de tipo qualitativo eteórico sobre as consequênciasdescoordenadoras do intervencionismo.

 

 

A previsão é um objetivo que se procura de forma deliberada.

 

 

12.  Responsável pela previsão

 

 

O empresário.

 

 

O analista econômico (engenheiro social).

 

 

13.  Estado atual do paradigma:

 

 

Notável renascimento nos últimos 25 anos (especialmente depois da crise dokeynesianismo e da queda do socialismo real).

 

 

Situação de crise e mudança acelerada.

 

 

14.  Quantidade de “capital humano” in vestido :

 

 

Minoritário, mas crescente

 

 

Maioritário, mas com sinais de crescente dispersão e desagregação.

 

 

15.  Tipo de “capital humano” investido:

 

 

Teóricos e filósofos multidisciplinares.  Liberais radicais.

 

 

Especialistas em intervencionismoeconômico (piecemeal social engineering).  Grau de compromisso com a liberdade muito variável.

 

 

16.  Contribuições mais recentes:

 

 

_ Análise crítica da coação institucional (socialismo e intervencionismo).

_ Teoria do sistema bancário livre e dos ciclos econômicos.

_ Teoria evolutiva das instituições (jurídicas, morais).

_ Teoria da função empresarial.

_ Análise crítica do conceito de «Justiça Social».

 

 

_ Teoria da Escolha Pública.

_ Análise econômica da família.

_ Análise econômica do direito.

_ Nova macroeconomia clássica.

_ Teoria econômica da “informação”

(economics of information).

_ Novos keynesianos.

 

 

17.  Posição relativa de diferentes autores:

 

 

Rothbard, Mises, Hayek, Kirzner

 

 

Coase, Friedman, Becker, Samuelson, Stiglitz

 

 

 

 

1.1.  A teoria da ação dos austríacos frente à teoria da decisão dos neoclássicos

 

Para os teóricos austríacos, a Ciência Econômica é concebida como uma teoria da ação mais do que da decisão, e esta é uma das características que mais os separa dos seus colegas neoclássicos.  De fato, o conceito de ação humana engloba e supera, em muito, o conceito de decisão individual.  Em primeiro lugar, para a Escola Austríaca, o conceito relevante de ação inclui, não só um hipotético processo de decisão num enquadramento de conhecimento “dado” sobre os fins e os meios, mas sobretudo, e isto é o mais importante, “a própria percepção do sistema de fins e de meios” (Kirzner, 1998: 48) no seio do qual tem lugar a alocação econômica que os neoclássicos tendem a estudar com caráter de exclusividade.  O importante para os austríacos não é que se tenha tomado uma decisão, mas sim que a mesma é levada a cabo sob a forma de uma ação humana ao longo de cujo processo (que eventualmente pode chegar ou não a concluir- -se) se produzem uma série de interações e atos de coordenação cujo estudo constitui, para os austríacos, o objeto de investigação da Ciência Econômica.  Por isso, para a Escola Austríaca, a Ciência Econômica, longe de ser um conjunto de teorias sobre escolha ou decisão, é um corpus teórico que trata dos processos de interação social, que poderão ser mais ou menos coordenados, dependendo da capacidade demonstrada no exercício da ação empresarial por parte dos agentes implicados.

Os austríacos são especialmente críticos da concepção restrita de economia que tem a sua origem em Robbins e na sua conhecida definição da mesma como ciência que estuda a utilização de meios escassos susceptíveis de usos alternativos para a satisfação de necessidades humanas (Robbins, 1932).  A concepção de Robbins supõe implicitamente um conhecimento dado sobre os fins e os meios, com o qual se reduz o problema econômico a um problema técnico de mera alocação, maximização ou otimização, submetido a restrições que se supõe serem também conhecidas.  Ou seja, a concepção de economia em Robbins corresponde ao coração do paradigma neoclássico e pode considerar-se completamente alheia à metodologia da Escola Austríaca tal como ela hoje é entendida.  Com efeito, o homem “robbinsiano” é um autômato ou simples caricatura do ser humano que se limita a reagir de forma passiva face aos acontecimentos.  Em oposição a esta concepção de Robbins, há que destacar a postura de Mises, Kirzner e do resto dos economistas austríacos, que consideram que o homem, mais do que alocar meios “dados” a fins também “dados”, procura constantemente novos fins e meios, aprendendo com o passado e usando a sua imaginação para descobrir e criar (mediante a ação) o futuro.  Por isso, para os austríacos, a economia está integrada dentro de uma ciência muito mais geral e ampla, uma teoria da ação humana (e não da decisão ou escolha humanas).  Segundo Hayek, se esta ciência geral da ação humana “precisa de um nome, o termo ciências praxeológicas, agora claramente definido e amplamente utilizado por Ludwig von Mises, parece ser o mais apropriado” (Hayek, 1952a: 24).

 

 

1.2.  O Subjetivismo austríaco frente ao objetivismo neoclássico

 

Um segundo aspecto de importância crucial para os austríacos é o Subjetivismo.  Para a Escola Austríaca, a concepção subjetivista é essencial e consiste precisamente na tentativa de construir a Ciência Econômica partindo sempre do ser humano real de carne e osso, considerado como agente criativo e protagonista de todos os processos sociais.  Por isso, para Mises, “a teoria econômica não estuda coisas e objetos materiais; estuda os homens, as suas apreciações e, consequentemente, as ações humanas que delas derivam.  Os bens, as mercadorias, as riquezas e todas as demais noções de conduta não são elementos da natureza, mas sim elementos da mente e da conduta humana.  Quem deseje entrar neste segundo universo deve abstrair-se do mundo exterior, centrando a sua atenção no significado das ações empreendidas pelos homens” (Mises, 1995: 111-112).  É fácil portanto entender que para os teóricos da escola Austríaca, e em grande medida ao contrário dos neoclássicos, as restrições em economia não são impostas por fenômenos objetivos ou fatores materiais do mundo exterior (por exemplo, as reservas de petróleo), mas antes pelo conhecimento humano de tipo empresarial (a descoberta de um carburador que conseguisse duplicar a eficiência dos motores de explosão teria o mesmo efeito econômicoque uma duplicação do total de reservas físicas de petróleo).  Por isso, para a Escola Austríaca, a produção não é um fato físico natural e externo, sendo antes, pelo contrário, um fenômeno intelectual e espiritual (Mises, 1995: 169).

 

 

1.3.  O empresário austríaco frente ao homo oeconomicus neoclássico

 

A função empresarial, à qual se dedicará grande parte do capítulo seguinte, é a força protagonista na teoria econômica austríaca enquanto que, pelo contrário, está ausente na teoria econômica neoclássica.  A função empresarial é um fenômeno próprio do mundo real (que está sempre em desequilíbrio) que não tem lugar nos modelos de equilíbrio que absorvem a atenção dos autores neoclássicos.  Além disso, os teóricos neoclássicos consideram que a função empresarial é apenas mais um fator de produção que pode ser alocado em função dos custos e benefícios esperados, não se dando conta de que, ao analisar o empresário desta forma, caem numa contradição lógica insolúvel: procurar recursos empresariais em função dos seus custos e benefícios esperados implica acreditar que se dispõe hoje de uma informação (valor provável dos seus benefícios e custos futuros) antes de a mesma ter sido criada pela própria função empresarial.  Ou seja, a principal função do empresário, como se verá mais adiante, consiste em criar e descobrir informação que antes não existia e, enquanto esse processo de criação não se leva a cabo, a mesma não existe nem pode ser conhecida, pelo que não há forma humanamente possível de efetuar com caráter prévio nenhuma decisão de alocação de tipo neoclássico com base nos benefícios e custos esperados.

Por outro lado, é hoje praticamente unânime entre os economistas austríacos considerar falaciosa a crença de que o lucro empresarial resulta da simples assunção de riscos.  O risco, pelo contrário, não é senão mais um custo do processo produtivo, que nada tem a ver com o lucro empresarial puro que surge quando um empresário descobre uma oportunidade de ganho que até aí tinha passado despercebida e atua em conformidade para tirar partido da mesma (Mises, 1995: 953-955).

 

 

1.4.  A possibilidade de erro empresarial puro (austríacos) frente à racionalização a posteriori de todas as decisões (neoclássicos)

 

Não é costume valorizar-se a diferença significativa entre o papel que o conceito de erro desempenha na Escola Austríaca e na Escola Neoclássica.  Para os austríacos, é possível que se cometam erros empresariais “puros” sempre que uma oportunidade de lucro permanece no mercado sem ser descoberta pelos empresários.  É precisamente a existência deste tipo de erros que permite, quando o mesmo é descoberto e eliminado, o “lucro empresarial puro”.  Para os autores neoclássicos, pelo contrário, nunca existem erros genuínos de tipo empresarial dos quais alguém deva se arrepender a posteriori.  Isto é assim porque os neoclássicos racionalizam todas as decisões que tenham sido tomadas no passado em termos de uma suposta análise de custo-benefício efetuada sob a forma de uma operação de maximização matemática sujeita a restrições.  Assim se compreende que os lucros empresariais puros não tenham razão de ser no mundo neoclássico e que estes, quando se mencionam, sejam considerados simplesmente como o pagamento pelos serviços de mais um fator de produção ou como a renda resultante da assunção de um risco.

 

 

1.5.  A informação subjetiva dos austríacos frente à informação objetiva dos neoclássicos

 

Os empresários geram constantemente nova informação que tem um caráter essencialmente subjetivo, prático, disperso e dificilmente articulável (Huerta de Soto, 1992: 52-67 e 104-110).  Portanto, a percepção subjetiva da informação é um elemento essencial da metodologia austríaca que está ausente da economia neoclássica, pois esta última tende sempre a tratar a informação de uma forma objetiva.  A maior parte dos economistas não percebem que quando austríacos e neoclássicos usam o termo informação se referirem a realidades radicalmente distintas.  Com efeito, para os neoclássicos a informação é algo objetivo que, tal como as outras mercadorias, pode ser comprado e vendido no mercado como resultado de uma decisão maximizadora.  Esta “informação”, armazenável em diferentes suportes, não é de forma alguma ainformação em sentido subjetivo analisada pelos austríacos: conhecimento prático, relevante, subjetivamente interpretado, conhecido e utilizado pelo agente no contexto de uma ação concreta.  Por isso os economistas austríacos criticam Stiglitz e outros teóricos neoclássicos da informação por não terem sido capazes de integrar a sua teoria da informação com a função empresarial, que é sempre a sua fonte geradora e protagonista.  Além disso, para os austríacos, Stiglitz não entende que ainformação é sempre essencialmente subjetiva e que os mercados por ele considerados “imperfeitos”, mais do que gerar “ineficiências” (no sentido neoclássico), permitem o aparecimento de oportunidades de potenciais lucros empresariais, oportunidades essas que tendem a ser descobertas e aproveitadas pelos empresários no processo de coordenação empresarial que estes continuamente impulsionam no mercado (Thomsen, 1992).

 

 

1.6.  O processo empresarial de coordenação dos austríacos frente aos modelos de equilíbrio (geral e/ou parcial) dos neoclássicos

 

Os economistas neoclássicos ignoram usualmente nos seus modelos de equilíbrio a força coordenadora da função empresarial.  Com efeito, esta não só cria e transmite informação como também, e isto é o mais importante, impulsiona acoordenação entre os comportamentos desajustados que ocorrem na sociedade.  Como se verá no capítulo seguinte, toda a descoordenação social constitui uma oportunidade de lucro latente até ser descoberta pelos empresários.  Assim que o empresário se dá conta dessa oportunidade de lucro e atua para aproveitar da mesma, esta desaparece e produz-se umprocesso espontâneo de coordenação, que é o que explica a tendência para o equilíbrio que existe em qualquer economia real de mercado.  Além disso, o caráter coordenador da função empresarial é o único que torna possível a existência da teoria econômica como ciência, entendida esta como um corpus teórico de leis de coordenação que constituem os processos sociais.

Os economistas austríacos estão interessados em estudar o conceito dinâmico de concorrência (entendido como um processo de rivalidade), enquanto que os economistas neoclássicos se centram exclusivamente nos modelos de equilíbrio que são próprios da estática comparativa (concorrência “perfeita”, monopólio, concorrência “imperfeita” ou monopolística).  Para os austríacos, portanto, não tem sentido a construção da Ciência Econômica tendo por base o modelo de equilíbrio, pressupondo que toda a informação relevante para construir as respectivas funções de oferta e de procura se encontra “dada”.  Os austríacos, pelo contrário, estudam preferencialmente o processo de mercado que conduziria eventualmente até um equilíbrio que em última instância nunca se alcança.  Chega-se inclusive a falar de um modelo denominado de “big bang social”, que permite o crescimento sem limite do conhecimento e da civilização de uma forma tão ajustada e harmoniosa (ou seja, coordenada) como seja humanamente possível em cada circunstância histórica.  Tal sucede porque o processo empresarial de coordenação social nunca pára nem se esgota.  Ou seja, o ato empresarial consiste basicamente em criar ou transmitir nova informação que forçosamente há de modificar a percepção geral de objetivos e de meios de todos os agentes implicados na sociedade.  Isto dá lugar à aparição de novos desajustamentos que por sua vez originam novas oportunidades de lucro empresarial que tendem a ser descobertas e coordenadas pelos empresários; e assim sucessivamente, num processo dinâmico que nunca termina e que continuamente se expande e faz avançar a civilização (modelo de “big bang social” coordenado) (Huerta de Soto, 1992: 78-79).

Assim, o problema econômico fundamental que se coloca na Escola Austríaca é muito diferente do que o analisado pelos economistas neoclássicos: consiste em estudar o processo dinâmico de coordenação social no qual os diferentes seres humanos geram empresarialmente e de forma continuada nova informação (que, portanto, jamais está “dada”) ao procurar os fins e os meios que consideram relevantes no contexto de cada ação em que participam, estabelecendo dessa maneira, sem se darem conta, um processo espontâneo de coordenação.  Para os austríacos, o problema econômico fundamental não é de natureza técnica ou tecnológica, como geralmente consideram os teóricos do paradigma neoclássico ao suporem que os fins e os meios são “dados”.  Para a Escola Austríaca, o problema econômico fundamental não consiste na maximização de uma função objetivo conhecida submetida a restrições também conhecidas, sendo, pelo contrário, de natureza estritamente econômica: surge quando os fins e os meios são muitos e competem entre si, sendo que o conhecimento sobre os mesmos não está “dado”, encontrando-se disperso pelas mentes de inúmeros seres humanos que constantemente o criam e geram ex novo não sendo por isso sequer possível conhecer todas as possibilidades e alternativas existentes, nem a intensidade relativa com a qual se deseja tentar alcançar cada uma delas.

É necessário compreender que mesmo aquelas ações humanas que mais parecem meramente maximizadoras e otimizadoras possuem sempre um componente empresarial, uma vez que é preciso que o agente implicado nas mesmas tenha dado conta previamente de que tal curso de ação (tão autômato, mecânico e reativo), é o mais conveniente dadas as circunstâncias concretas do caso em que se encontra.  Ou seja, a concepção neoclássica não é mais do que um caso particular, relativamente pouco importante, que é englobado e subsumido na concepção austríaca, a qual é muito mais geral, rica e explicativa da realidade social.

Para os teóricos da Escola Austríaca não faz sentido a separação radical em compartimentos estanques entre a micro e a macroeconomia que os economistas neoclássicos costumam fazer.  Pelo contrário, para os austríacos, os problemas econômicos devem ser estudados conjuntamente e serem interrelacionados entre si, sem distinguir a parte micro e macro dos mesmos.  A radical separação entre os aspectos “micro” e “macro” da Ciência Econômica é uma das insuficiências mais características dos modernos manuais introdutórios de Economia Política, que em vez de proporcionarem um tratamento unitário dos problemas econômicos (como constantemente tentam os economistas austríacos), apresentam a Ciência Econômica dividida em duas disciplinas distintas (a “micro” e a “macroeconomia”) que carecem de conexão entre si e que, portanto, podem ser estudados, e de fato são estudados, separadamente.  Como muito bem indica Mises, esta separação tem a sua origem na utilização de conceitos que, como o nível geral de preços, ignoram a aplicação da teoria subjetiva e marginalista do valor ao dinheiro e continuam ancorados na etapa pré-científica da economia na qual ainda se tentava efetuar a análise em termos de classes globais ou agregados de bens, mais do que em termos de unidades incrementais ou marginais dos mesmos.  Assim se explica como se desenvolveu toda uma “infeliz disciplina” baseada no estudo de supostas relações mecânicas existentes entre agregados macroeconômicos cuja conexão com a ação humana é muito difícil, senão mesmo impossível, de compreender (Mises, 1995: 482).

Em todo o caso, há de se reconhecer que os economistas neoclássicos fizeram do modelo de equilíbrio o seu centro focal de investigação.  Nele se supõe que toda a informação está “dada” (seja em termos certos ou probabilísticos) e que existe um ajustamento perfeito entre as diferentes variáveis de cada modelo.  Do ponto de vista da Escola Austríaca, o principal inconveniente da metodologia neoclássica é que, ao supor-se a existência de um ajustamento perfeito entre as variáveis e parâmetros de cada modelo, pode-se chegar muito facilmente a conclusões errôneas quanto às relações de causa-efeito que existem entre os diferentes conceitos e fenômenos econômicos.  Desta forma, segundo os austríacos, o equilíbrio atuariacomo uma espécie de véu que impediria o teórico de conseguir descobrir a verdadeira direção que existe nas relações decausa e efeito que fazem parte das leis econômicas.  Para os economistas neoclássicos, mais do que leis de tendência unidirecionais, o que existe é uma mútua determinação (circular) de tipo funcional entre os diferentes fenômenos, cuja origem inicial (a ação humana) permanece oculta ou se considera não ter interesse.

 

 

1.7.  O caráter subjetivo que os custos têm para os austríacos frente ao conceito de custo objetivo dos neoclássicos

 

Outro elemento essencial da metodologia da Escola Austríaca é a sua concepção subjetiva dos custos.  Muitos autores consideram que esta ideia pode ser incorporada sem grande dificuldade dentro do paradigma neoclássico dominante.  No entanto, os teóricos neoclássicos apenas incorporam de forma retórica o caráter subjetivo dos custos acabando por incorporá-lo de formar objetivada nos seus modelos, ainda que mencionem a importância do conceito de “custo de oportunidade”.  Para os austríacos, custo é o valor subjetivo que o agente atribui aos fins aos quais renuncia quando decide empreender um determinado curso de ação.  Ou seja, não existem custos objetivos, uma vez que os mesmos estão continuamente sendo descobertos em cada circunstância através da perspicácia empresarial de cada agente.  Com efeito, podem passar despercebidas muitas possibilidades alternativas que, uma vez descobertas empresarialmente, alterariam radicalmente a concepção subjetiva dos custos por parte do agente em causa.  Não existem, portanto, custos objetivos que tendam a determinar o valor dos fins, sendo que na realidade sucede precisamente o contrário: os custos como valores subjetivos são assumidos (e, portanto, são determinados) em função do valor subjetivo que os fins desejados (bens finais de consumo) têm para o agente.  Por isso, para os economistas austríacos, são os preços dos bens finais de consumo, como materialização no mercado das avaliações subjetivas, que determinam os custos nos quais se está disposto a incorrer para produzi-los, e não o contrário como tão frequentemente dão a entender os economistas neoclássicos nos seus modelos.

 

 

1.8.  O formalismo verbal dos austríacos frente à formalização matemática dos neoclássicos

 

As duas escolas têm posições muito diferentes relativas à utilização do formalismo matemático na análise econômica.  O fundador da Escola Austríaca, Carl Menger, teve o cuidado de assinalar que a vantagem da linguagem verbal consistia em esta permitir atingir a essência (das wesen) dos fenômenos econômicos, algo que não é possível levar a cabo com a linguagem matemática.  Com efeito, numa carta de 1884 que escreveu a Walras, Menger questionava-se: “Como se poderá alcançar o conhecimento da essência, por exemplo, do valor da renda da terra, do lucro empresarial, da divisão do trabalho, do bimetalismo etc., através de métodos matemáticos?” (Walras, 1965: volume II, 3).  O formalismo matemático é particularmente adequado para descrever os estados de equilíbrio estudados pelos neoclássicos, mas não permite incorporar a realidade subjetiva do tempo nem a criatividade empresarial, que são características essenciais do discurso analítico dos teóricos da Escola Austríaca.  Talvez Hans Mayer tenha resumido melhor que ninguém as insuficiências da utilização do formalismo matemático na economia quando escreveu que “em essência, produz-se no coração das teorias matemáticas do equilíbrio uma ficção imanente, mais ou menos camuflada: de fato, todas elas relacionam, mediante equações simultâneas, magnitudes não simultâneas, que apenas surgem numa sequência genético-causal, como se estas existissem juntas em qualquer momento.  Desta forma, o ponto de vista estático sincroniza os acontecimentos, quando o que existe na realidade é um processo dinâmico; no entanto, não se pode considerar um processo genético em termos estáticos sem eliminar precisamente a sua característica mais importante” (Mayer, 1994: 92).

As considerações anteriores explicam as razões pelas quais, para os membros da Escola Austríaca, muitas das teorias e conclusões da análise neoclássica carecem de verdadeiro sentido econômico.  É o caso, por exemplo, da denominada “lei da igualdade das utilidades marginais ponderadas pelos preços”, cujos fundamentos teóricos são mais do que duvidosos.  Com efeito, esta lei supõe que o agente é capaz de avaliar de forma simultânea a utilidade de todos os bens à sua disposição, ignorando-se que toda a ação é sequencial e criativa e que os bens não se avaliam todos ao mesmo tempo, igualando a sua suposta utilidade marginal, mas sim um de cada vez, no contexto de etapas e ações distintas nas quais a correspondente utilidade marginal não só pode ser diferente como nem sequer é comparável (Mayer, 1994: 81 83).  Em suma, para os austríacos, o uso da matemática na economia tem resultados nefastos porque as mesmas unem sincronicamente magnitudes que são heterogêneas do ponto de vista temporal e da criatividade empresarial.  Por esta mesma razão, para os economistas austríacos, não têm sentido os critérios axiomáticos de racionalidade utilizados pelos seus colegas neoclássicos.  Com efeito, se alguém prefere A a B e B a C, pode perfeitamente preferir C a A, sem deixar de ser “racional” ou coerente, bastando para tal que, simplesmente, tenha mudado de opinião (mesmo que a mudança de opinião se dê durante o centésimo de segundo que dure o seu próprio raciocínio sobre este problema).  Para os economistas austríacos, os critérios neoclássicos de racionalidade confundem o conceito de constância com o conceito de coerência (Mises, 1995: 123-124).

 

 

1.9.  A conexão da teoria com o mundo empírico: os diferentes entendimentos do conceito de “previsão”

 

A distinta relação com o mundo empírico e as diferenças quanto às possibilidades de previsão opõem radicalmente o paradigma da Escola Austríaca ao da Escola Neoclássica.  Com efeito, para os austríacos, o fato de o “observador” científico não poder obter a informação subjetiva, que está continuamente sendo criada e descoberta de forma descentralizada pelos agentes-empresários “observados” que protagonizam o processo social, fundamenta a sua convicção na impossibilidade teórica de efetuar testes empíricos em economia.  Os austríacos consideram que as razões que determinam a impossibilidade teórica do socialismo são as mesmas que explicam que, tanto o empirismo como a análise custo-benefício ou utilitarismo na sua versão mais rígida, não sejam praticáveis na nossa Ciência.  É irrelevante que seja um cientista ou um governante a tentar em vão obter a informação prática relevante em cada caso.  Se isto fosse possível, tão fácil seria utilizar essa informação para coordenar a sociedade através de mandatos coativos (engenharia social própria do socialismo e do intervencionismo) como para testar empiricamente as teorias econômicas.  Assim, pelas mesmas razões, primeiro, pelo imenso volume de informação de que trata; segundo, pela natureza da informação relevante (disseminada, subjetiva e tácita); terceiro, pelo caráter dinâmico do processo empresarial (não se pode transmitir informação que ainda não foi gerada pelos empresários no seu constante processo de criação inovadora); e quarto, pelo efeito da coação e da própria “observação” científica (que distorce, corrompe, dificulta ou simplesmente impossibilita a criação empresarial de informação), tanto o ideal socialista como o ideal positivista ou rigidamente utilitarista são impossíveis de serem alcançados do ponto de vista da Escola Austríaca.

Os argumentos apresentados (que serão analisados mais detalhadamente quando explicarmos a história da polêmica em torno da impossibilidade do cálculo econômico socialista) são também aplicáveis para justificar a convicção dos austríacos na impossibilidade teórica de efetuar previsões específicas (ou seja, referentes a coordenadas de tempo e lugar determinadas e com um conteúdo empírico concreto) em economia.  O que vai acontecer amanhã não pode ser cientificamente conhecido hoje, uma vez que depende em grande medida de um conhecimento e de uma informação que ainda não foram gerados empresarialmente e que não podem por isso serem possuídas hoje.  Em economia, portanto, apenas podem ser feitas “previsões de tendência” de tipo genérico, que Hayek denomina pattern predictions.  Estas previsões são de natureza exclusivamente qualitativa e teórica e referem-se à previsão dos desajustes e efeitos de descoordenação social originados pela coação institucional (socialismo e intervencionismo) que se exerce sobre o mercado.

Além disso, temos que levar em conta a inexistência de fatos objetivos que sejam diretamente observáveis no mundo exterior, a qual deriva da circunstância de, de acordo com a concepção subjetiva dos austríacos, os objetos de investigação na Ciência Econômica não serem mais do que as ideias que os indivíduos têm sobre o que desejam e fazem.  Estas ideias não são nunca diretamente observáveis, apenas podendo ser interpretadas em termos históricos.  Para interpretar a realidade social que constitui a história, é preciso dispor de uma teoria prévia, requerendo-se ainda para o efeito um juízo de relevância não científico (verstehen ou compreensão) que não é objetivo e que pode variar de historiador para historiador convertendo a disciplina (a história) numa verdadeira arte.

Finalmente, os austríacos consideram que os fenômenos empíricos são continuamente variáveis, de maneira que nos acontecimentos sociais não existem parâmetros nem constantes, sendo que tudo são “variáveis”, o que torna muito difícil, se não impossível, o objetivo tradicional da econometria, assim como o programa metodológico positivista em qualquer das suas versões (desde o verificacionismo mais ingênuo ao falsificacionismo popperiano mais sofisticado).  Frente ao ideal positivista dos neoclássicos, os economistas austríacos pretendem construir a sua disciplina de uma maneira apriorística e dedutiva.  Trata-se, em suma, de elaborar todo um arsenal lógico-dedutivo a partir de conhecimentos autoevidentes (axiomas como o próprio conceito subjetivo da ação humana com os seus elementos essenciais que, ou surgem por introspecção da experiência íntima do cientista, ou se considera serem autoevidentes porque ninguém os pode refutá-los sem se autocontradizer (Hoppe, 1995; Caldwell, 1994: 117-138).  Este arsenal teórico é imprescindível, de acordo com os austríacos, para interpretar adequadamente esse conjunto de fenômenos históricos complexos aparentemente sem conexão que constitui o mundo social, assim como para elaborar uma história do passado ou uma prospecção de eventos futuros (que é a missão própria do empresário) com um mínimo de coerência, de garantias e de possibilidades de êxito.  Entende-se agora a grande importância que os austríacos em geral atribuem à história como disciplina e à sua distinção da teoria econômica, relacionando-as adequadamente (Mises, 1975).

Hayek denomina de “cientismo” (scientism) a aplicação indevida do método próprio das ciências naturais ao campo das ciências sociais (Hayek, 1952a).  No mundo natural existem constantes e relações funcionais que permitem a aplicação da linguagem matemática e a realização de experiências quantitativas em laboratório.  No entanto, para os economistas austríacos, na Ciência Econômica, e ao contrário do que sucede no mundo da física, da engenharia e das ciências naturais, não existem relações funcionais (nem, por isso, funções de oferta, nem de procura, nem de custos, nem de nenhum outro tipo).  Recordemos que, matematicamente, e segundo a teoria dos conjuntos, uma função não é mais do que uma correspondência biunívoca entre os elementos dos conjuntos denominados “conjunto original” e “conjunto imagem”.  Ora, dada a inata capacidade criativa do ser humano, que continuamente gera e descobre nova informação em cada circunstância concreta em que atua, é evidente que em economia não se verifica nenhum dos três elementos necessários para que surja uma relação funcional: a) não estão dados nem são constantes os elementos do conjunto origem; b) não estão dados nem são constantes os elementos que constituem o conjunto imagem, e c) e este é o elemento mais importante, as correspondências entre os elementos de um e de outro conjunto também não estão dadas, uma vez que variam continuamente em resultado da ação e da capacidade criativa do ser humano.  De maneira que, na nossa Ciência, e de acordo com os austríacos, a utilização de funções exige a introdução de um pressuposto de constância na informação que elimina radicalmente o protagonista de qualquer processo social: o ser humano dotado da sua inata capacidade empresarial criativa.  O grande mérito dos austríacos consiste em ter demonstrado que é perfeitamente possível elaborar todo o corpusda teoria econômica de uma forma lógica e considerando o tempo e a criatividade (praxeologia), ou seja, sem necessidade de utilizar funções nem de estabelecer pressupostos de constância que não se coadunam com a natureza do ser humano, que é o verdadeiro e único protagonista de todos os processos sociais que constituem o objeto de investigação da Ciência Econômica.  Os teóricos austríacos costumam insistir especialmente nas insuficiências dos estudos empíricos para promover o desenvolvimento da teoria econômica.  Até os mais destacados economistas neoclássicos tiveram que admitir que existem algumas importantes leis econômicas (como a teoria da evolução e da seleção natural) que não são empiricamente verificáveis (Rosen, 1997).  Com efeito, os estudos empíricos poderão, quando muito, fornecer alguma informação, historicamente contingente, sobre certos elementos dos resultados dos processos sociais que tiveram lugar na realidade, mas não podem nunca proporcionar informação sobre a estrutura formal desses processos, cujo conhecimento constitui precisamente o objeto de investigação da teoria econômica.  Em outras palavras, as estatísticas e os estudos empíricos não podem proporcionar qualquer conhecimento teórico (acreditar no contrário foi precisamente o erro, como será visto adiante, em que caíram os historicistas da Escola Alemã do século XIX, e que hoje em grande medida repetem os economistas da Escola Neoclássica).  Além disso, e como muito bem evidenciou Hayek no seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel, em muitas ocasiões, os agregados que são mensuráveis em termos estatísticos carecem de significado teórico e, vice-versa, muitos conceitos com um significado teórico fundamental não são mensuráveis nem permitem um tratamento empírico (Hayek, 1976b: 9-32).

 

 

1.10.  Conclusão

 

As principais críticas que os economistas austríacos fazem aos neoclássicos e que evidenciam os elementos básicos diferenciadores do seu ponto de vista são os seguintes: em primeiro lugar, concentrarem-se exclusivamente em estados de equilíbrio através de um modelo maximizador que assume como “dada” a informação de que necessitam os agentes para as suas funções objetivo e restrições; segundo, a escolha, em muitos casos arbitrária, de variáveis e parâmetros tanto para a função objetivo como para as restrições, tendendo a incluir os aspectos mais óbvios e esquecendo outros de grande importância, mas cujo tratamento empírico é mais difícil (valores morais, hábitos e tradições, instituições etc.); terceiro, centrarem-se nos modelos de equilíbrio que tratam com o formalismo da matemática e que ocultam as verdadeiras razões de causa e efeito; e quarto, elevar ao nível de conclusões teóricas o que não são mais do que meras interpretações da realidade histórica, que podem ser relevantes em algumas circunstâncias concretas, mas que não se pode considerar como tendo uma validade teórica universal, uma vez que apenas se baseiam num conhecimento historicamente contingente.

As considerações anteriores não significam que todas as conclusões que até agora surgiram na análise neoclássica sejam errôneas.  Uma parte importante delas pode ser recuperada e ser considerada válida.  Os teóricos austríacos querem unicamente realçar que não existe qualquer garantia quanto à validade das conclusões a que os economistas neoclássicos chegam, de maneira que aquelas que sejam válidas podem ser obtidas de forma mais segura através da análise dinâmica que os austríacos preconizam.  A análise dinâmica dos austríacos tem ainda a virtualidade de permitir identificar as teorias errôneas (também muito numerosas) pondo em evidência os vícios e os erros que atualmente são ocultados pelo método empírico baseado no modelo de equilíbrio no qual se fundamentam os economistas do paradigma dominante.

Artigo anteriorA Economia do Intervencionismo
Próximo artigoA Escola Austríaca
Jesús Huerta de Soto
Jesús Huerta de Soto professor de economia da Universidade Rey Juan Carlos, em Madri, é o principal economista austríaco da Espanha. Autor, tradutor, editor e professor, ele também é um dos mais ativos embaixadores do capitalismo libertário ao redor do mundo. Ele é o autor de A Escola Austríaca: Mercado e Criatividade Empresarial, Socialismo, cálculo econômico e função empresarial e da monumental obra Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui