Capítulo I – SEXO – 1. A prostituta

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Sujeitas a serem constantemente molestadas por leis puritanas, grupos religiosos, câmaras de comércio etc., as prostitutas, apesar disso, continuam a comercializar com o público. Que o serviço delas tem valor, está provado pelo fato de que os clientes continuam a procurá-las, apesar da oposição legal e cívica. 

Uma prostituta pode ser definida como aquela que toma parte no comércio voluntário de serviços sexuais em troca de um pagamento.  A parte essencial da definição, entretanto, é o “comércio voluntário”.  Há tempos atrás, uma capa de revista feita por Norman Rockwell ilustrou, senão a peculiaridade, a essência da prostituição.  Mostrava um leiteiro e um padeiro sentados perto de seus caminhões, os dois ocupados comendo pão e tomando leite.  Ambos evidentemente satisfeitos com seu “comércio voluntário”. 

As pessoas sem muita imaginação podem não ver qualquer relação entre uma prostituta entreter seu cliente e esse episódio do pão e do leite.  Mas, em ambos os casos, duas pessoas reuniram-se voluntariamente na tentativa de obterem satisfação mútua.  Em nenhum dos casos foi aplicada força ou fraude.  É claro que o cliente da prostituta pode, mais tarde, achar que os serviços que recebeu não valeram o dinheiro que pagou.  A prostituta pode sentir que o dinheiro que recebeu não a compensou plenamente pelos serviços que prestou.  Insatisfações similares também poderiam ocorrer na transação do pão e do leite.  O leite poderia estar azedo, ou o pão, mal cozido.  Mas tanto uns quanto os outros se arrependeriam depois do fato, e isso não alteraria a descrição dessas transações como “voluntárias”.  Se todos os participantes não estivessem querendo, as transações não teriam acontecido. 

Existem os que, como os liberacionistas da mulher, lamentam a condição da pobre prostituta oprimida e acham que esta leva uma vida de aviltamento e exploração.  Mas a prostituta não considera aviltante a venda de sexo.  Após levar em conta os aspectos positivos (poucas horas de trabalho, alta remuneração) e as desvantagens (aborrecimentos com a polícia, comissões obrigatórias para seu cafetão, condições de trabalho não inspiradoras), a prostituta, obviamente, prefere seu trabalho, caso contrário não continuaria a fazê-lo. 

Há, é claro, muitos aspectos negativos vivenciados pelas prostitutas que desmentem a imagem de “vida fácil”.  Existem prostitutas que são viciadas em drogas, prostitutas que apanham dos cafetões e prostitutas que são mantidas em bordéis contra sua vontade.  Mas esses aspectos sórdidos têm pouco a ver com a carreira intrínseca da prostituição.  Há enfermeiras e médicos que são sequestrados e forçados a obedecerem a fugitivos da Justiça; existem carpinteiros viciados em drogas, há contadores que são surrados por assaltantes.  Dificilmente concluiríamos que essas profissões ou vocações são suspeitas, aviltantes ou exploradas.  A vida da prostituta é tão boa ou má quanto ela quer que seja.  Ela leva essa vida voluntariamente – o que é característico da prostituição – e é livre para abandoná-la a qualquer momento. 

Por que, então, a perseguição e as proibições à prostituição? Esse ímpeto não surge do cliente; ele é um participante voluntário.  Se o cliente resolve que não é de seu interesse frequentar uma prostituta, ele pode parar.  Tampouco o movimento pela proibição da prostituição vem das próprias prostitutas.  Elas assumiram voluntariamente suas tarefas e, quase sempre, podem desistir, se mudarem de ideia sobre os benefícios relativos. 

O anseio pela proibição da prostituição origina-se de “terceiros” não diretamente envolvidos nas transações.  Suas razões variam de grupo para grupo, de área para área e de ano em ano.  O que eles possuem em comum é o fato de serem partes estranhas ao negócio.  Não têm interesses nem participação no assunto e deveriam ser ignorados. 

Permitir que decidam sobre esse assunto é tão absurdo quanto permitir que um estranho decida sobre a transação entre o leiteiro e o padeiro. 

Por que, então, os dois casos são tratados de formas diferentes? Imagine uma liga chamada os “comedores decentes”, organizada para defender a doutrina de que comer pão e tomar leite ao mesmo tempo é pecado.  Mesmo que se pudesse demonstrar que a liga contra o pão com leite e a liga contra a prostituição têm idêntico mérito intelectual – ou seja, nenhum -, a reação às duas ligas ainda seria diferente.  A tentativa de proibir pão com leite provocaria somente risos, mas haveria uma atitude mais tolerante para com a tentativa de proibir a prostituição.  Há algo em ação que resiste firmemente a uma penetração intelectual da questão da prostituição.  Por que a prostituição não foi legalizada? Embora os argumentos contra sua legalização não tenham mérito, jamais foram claramente contestados como falsos pela comunidade intelectual. 

A diferença entre o comércio do sexo, como o que acontece na prostituição, e outros comércios, como a transação do pão e do leite, parece basear-se – ou, pelo menos, vincular-se a – na vergonha que sentimos ou que fomos educados para sentir da possibilidade de termos de “comprar sexo”.  Dificilmente se será um “homem de verdade”, é tampouco seremos confundidos, de forma alguma, com uma atraente mulher, se tivermos de pagar pelo sexo. 

A anedota a seguir, bastante conhecida, ilustra esse ponto.  Um homem de boa aparência pergunta a uma mulher atraente e “virtuosa” se, por 100 mil dólares, ela vai para a cama com ele. Ela fica horrorizada com a oferta.  Entretanto, após considerar um pouco, conclui que, por mais que a prostituição seja pecado, poderia usar aquele dinheiro para caridade e boas ações.  O homem é charmoso e não parece nem um pouco perigoso ou repugnante.  Timidamente, ela responde: “Sim.” Então o homem pergunta: “E por 20 dólares?” A mulher, indignada, responde: “Como se atreve, que tipo de mulher você pensa que eu sou?!”, ao mesmo tempo em que o esbofeteia.  “Bem, o tipo de mulher que você é nós já estabelecemos.  Agora estamos tentando estabelecer o preço”, responde ele.  O grau de impacto com que a resposta do homem atinge a mulher é uma pequena mostra do desprezo que recai sobre os indivíduos envolvidos nesse tipo de intento. 

Existem duas abordagens que poderiam combater a atitude de que pagar por sexo é degradante.  Há o ataque frontal, que simplesmente nega que seja errado pagar por sexo.  Este, no entanto, dificilmente convenceria aqueles que acham que a prostituição é pecado.  A outra possibilidade seria mostrar que estamos sempre pagando pelo sexo – todos nós, o tempo todo -, e, por isso, não devemos ser capciosos a respeito dos acertos entre uma prostituta profissional e um cliente. 

Em que sentido pode-se dizer que todos nós nos envolvemos em comércio e pagamentos quando nos ocupamos da atividade sexual? No mínimo, temos de oferecer algo a nossos parceiros potenciais antes de eles consentirem em fazer sexo conosco.  Na prostituição explícita, a oferta é em dinheiro.  Em outros casos, o comércio não fica assim tão óbvio.  Muitos modelos de relacionamentos livres correspondem claramente ao modelo de prostituição.  O macho deve pagar o cinema, o jantar, flores etc., e a fêmea deve retribuir com serviços sexuais.  Casamentos em que o marido fornece os elementos financeiros, e a esposa, as funções sexuais e domésticas, também seguem claramente esse modelo. 

Na verdade, todos os relacionamentos humanos voluntários, das relações amorosas às intelectuais, são negócios.  No caso do amor romântico e do casamento, o comércio é em termos de afeto, consideração, gentileza etc.  Pode ser um comércio feliz, e os parceiros podem se sentir felizes em dar algo.  Mas não deixa de ser um comércio.  Está claro que, a não ser que sejam dados afeto, gentileza etc., ou alguma coisa, não haverá reciprocidade.  Da mesma forma, se dois poetas “não mercenários” não “recebessem nada” um do outro, o relacionamento deles também acabaria. 

Existindo comércio, também existem pagamentos.  Onde quer que haja pagamentos por relacionamentos que incluam congresso sexual, como o casamento e alguns modelos de relacionamentos sem esse vínculo, existe prostituição – de acordo com a definição do termo. Diversos comentaristas sociais têm, acertadamente, vinculado o casamento à prostituição.  Mas todos os relacionamentos em que há uma troca, quer incluam ou não o sexo, são uma forma de prostituição.  Ao invés de condenarmos todos esses relacionamentos por sua similaridade à prostituição, a prostituição é que deveria ser encarada como simplesmente um tipo de interação da qual participam todos os seres humanos.  Não deveriam ser levantadas objeções a quaisquer desses relacionamentos – nem ao casamento, nem à amizade, nem à prostituição. 

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