O direito à moradia adequada

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Uma das confusões atuais é a mistura do que é desejável com o que é um direito.

Por exemplo, é claramente desejável que todos sejam alojados decentemente: ninguém quer ver um sem-teto que não deseja viver em condições horríveis. Mas isso não é o mesmo que dizer que todos têm direito a um lar, pois tal direito imporia a outros o dever de prover tal lar independentemente da conduta da pessoa. Uma vez que nenhuma casa pode ser fornecida a não ser à custa do trabalho humano, o direito à moradia também é a imposição de trabalho forçado.

Em um artigo no jornal The Guardian, a ex-relatora especial sobre o direito à moradia adequada (o tipo de direito que os totalitários adoram colocar em suas constituições) Leilani Farhi aponta muito corretamente que o custo da moradia ultrapassou em muito o crescimento da renda, o que significa que a habitação consome uma proporção cada vez maior da renda de muitas pessoas, estejam elas comprando com hipoteca ou alugando um imóvel. Nas cidades maiores e mais disputadas, as pessoas muitas vezes se deparam com a escolha odiosa de morar longe nos subúrbios, onde podem alugar um espaço decente, acrescentando três horas miseráveis ​​ou mais ao seu dia de trabalho, perdendo no processo todos os prazeres de viver numa cidade que se encontra quase inteiramente no seu centro, ou de pagar um valor enorme por alguns metros quadrados de espaço superlotados.

Há duas razões pelas quais os aluguéis subiram tanto. A primeira, é claro, é que a demanda superou a oferta. Sem dúvida, o aumento das famílias unipessoais não ajudou em nada; mas parece-me que os aluguéis aumentaram mais rápido do que qualquer oferta possível de novas moradias poderia ter diminuído significativamente.

A ex-relatora especial da ONU sobre o fantasioso direito à moradia novamente aponta corretamente que a segunda razão para o aumento dos aluguéis foi decorrente do aumento da demanda e do preço da propriedade, ou seja, a criação de moeda e baixas taxas de juros.

Onde as taxas de juros são baixas e a oferta de moeda aumenta, não é de surpreender que os preços dos ativos subam e os preços das ações se desassociem de qualquer conexão restritiva com a lucratividade. Afinal, o dinheiro tem que ir para algum lugar, e a propriedade há muito é um ativo cujo valor, salvo a destruição total do mundo (que agora parece menos improvável do que há pouco tempo), nunca cairá a zero.

A relatora especial, porém, não se pergunta por que as taxas de juros foram mantidas tão baixas por tanto tempo, para grande vantagem de quem já possui ativos. E uma das razões certamente é que os governos precisavam de taxas de juros baixas para financiar seus déficits crônicos. Sem taxas de juros baixas, suas dívidas teriam se tornado impossíveis de se pagar.

Mas por que temos os déficits? Porque, é claro, os governos estavam agindo como se todos os tipos de benefícios fossem direitos, de tal forma que eles eram obrigados a fornecê-los sem levar em conta sua capacidade econômica subjacente de fazê-lo. E muitos governos conseguiram evitar a inflação no preço dos bens de consumo terceirizando a produção para onde (principalmente, mas não inteiramente, a China) eles pudessem ser produzidos a baixo custo. A guerra na Ucrânia acabou com esse sistema glorioso, no qual os ricos ficaram muito mais ricos do que poderia ser explicado pelo aumento da produção de qualquer coisa, e os pobres não ficaram mais pobres na medida em que somente se importavam com sua capacidade de comprar alimentos e outros itens essenciais, como PlayStations. Esta era agora acabou, pelo menos até que a Rússia seja aceita novamente na comunidade das nações e os negócios como de costume possam recomeçar.

A inflação é um tipo de solução para essa situação, pois dissolve a dívida enquanto as taxas de juros forem inferiores à taxa de inflação. Claro que tem seus inconvenientes, como sabe os que viveram períodos de alta inflação, que dizima os credores em benefício dos devedores. Não há porto seguro nesta situação, exceto uma astúcia, que a maioria das pessoas (inclusive eu) não tem.

Mas voltemos à moradia “adequada” como um direito humano. O termo “adequada” é infinitamente expansível, exatamente o tipo de termo que aqueles com sede de poder burocrático gostam, porque o que for adequado hoje será inadequado amanhã (nos meus 20 e poucos anos, às vezes vivia em condições que hoje seriam consideradas uma pobreza abjeta).

Não será surpresa, talvez, que um dos principais meios defendidos pela ex-relatora especial seja a diluição dos direitos de propriedade e o controle burocrático do mercado imobiliário por meio de controles de aluguéis e similares.

Agora eu entendo a frustração das pessoas que são sem-teto ou que vivem em acomodações muito baratas, mas superlotadas, quando sabem que há casas ou apartamentos desocupados próximos que são de propriedade de pessoas distantes. É uma reação humana natural para eles perguntar por que não podem ter condições de vida melhores ou mais baratas. A pessoa x está mal alojada, a pessoa y possui um apartamento vazio. A solução parece simples e óbvia: mudar x para o apartamento de y com um aluguel controlado por z, o rei-filósofo burocrata que age apenas no interesse geral. Problema resolvido. Os direitos humanos já foram cumpridos (não que alguém seja grato, pois não existe gratidão por ter seus direitos respeitados, pois gratidão e direitos são óleo e água).

É, infelizmente, muito claro o que acontece quando essa abordagem é tentada. Ela fracassa, e então a razão do fracasso deve ser descoberta: é porque a política não foi longe o suficiente. Fica claro que a pessoa a vive em uma casa muito maior do que precisa, por exemplo, com um quarto vazio ou mais. A pessoa b, infelizmente, tem que dividir acomodações superlotadas com a pessoa c. Mais uma vez, a solução é óbvia: aloje a pessoa b no quarto vago da pessoa a. É certo que a pessoa a pode não gostar, mas as pessoas b e c ficam muito felizes, e como a regra da ética é o que produz a maior felicidade do maior número, é claro que as objeções de a, também típicas do egoísmo de proprietários em regime de propriedade privada, devem ser anulados. Qualquer outra coisa seria imoral.

E Voilà, para as Nações Unidas e seus funças bem pagos: direitos humanos incluem o direito de impor trabalho forçado a populações inteiras.

 

 

Artigo original aqui

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