[Uma dissertação apresentada na Libertarian Scholars Conference, 28 de outubro de 1974, na cidade de Nova York. Republicada no Libertarian Forum 6, no. 11 (1974).]
Faz parte da condição inescapável do historiador que ele deve fazer estimativas e julgamentos sobre a motivação humana, mesmo que não possa fundamentar seus julgamentos em certeza e apodíctica. Se, por exemplo, descobrirmos que Nelson Rockefeller fez uma doação secreta de US$650.000 ao Dr. William J. Ronan, podemos escolher interpretar a motivação de Rockefeller de, pelo menos, duas maneiras: podemos concluir, como fez aquele eminente estudante de política Malcolm Wilson, que Nelson deu este e outros presentes puramente como “um ato de amor”; ou podemos concluir que algum tipo de quid pro quo estava envolvido na transação. A meu ver, o bom historiador (1) não pode deixar de fazer um juízo de motivação, e (2) optará pelo juízo político. Aqueles historiadores que fizeram o julgamento realista e o que eu considero correto foram frequentemente condenados como “materialistas”, “deterministas econômicos” ou mesmo “marxistas”, mas eu afirmo que o que eles simplesmente fizeram foi usar seu bom senso, sua correta apreensão da realidade.
Em alguns assuntos, onde a cadeia causal do interesse econômico à ação é simples e direta, quase ninguém nega o motivo primordial do interesse econômico. Assim, quando a indústria siderúrgica faz lobby por uma tarifa ou uma cota de importação, e apesar do fato de que suas motivações declaradas incluirão todo tipo de papo-furado sobre o “interesse público” ou a “segurança nacional” imaginável (até mesmo “um ato de amor” se eles achassem que poderiam se safar dizendo isso). Realmente, só um historiador insensato não concluiria que a principal motivação da O mesmo vale para a generosidade “amorosa” de Nelson. Poucos acusarão de “marxismo” nessas situações. O problema surge quando as ações envolvem cadeias causais mais longas e complexas: quando, por exemplo, contemplamos as razões da adoção da Constituição americana, ou do Plano Marshall, ou da entrada na Primeira Guerra Mundial. É nessas questões que o foco nos motivos econômicos de alguma forma passa a ser considerado antipatriótico e desonroso.
E, no entanto, a metodologia em ambos os conjuntos de casos é a mesma. Em cada caso, o próprio ator tenta ao máximo esconder seu motivo econômico e alardear suas preocupações mais abstratas e ideológicas. E, em cada caso, é precisamente por causa da tentativa de encobrimento (que, é claro, é mais bem-sucedida nas cadeias causais mais longas) que a responsabilidade do historiador é desenterrar as motivações ocultas. Não há problema, por exemplo, para o historiador do Plano Marshall descobrir motivações ideológicas como ajuda ao povo faminto da Europa ou defesa contra o comunismo; estes foram alardeados em todos os lugares. Mas o objetivo de subsidiar as indústrias de exportação americanas foi mantido em segredo e, portanto, exige mais trabalho do historiador para desenterrar e divulgar isso nos registros.
Tampouco é muito útil para discutir esse problema o argumento de Mises que os homens são guiados não por seus interesses econômicos, mas por ideias: pois a verdadeira questão é quais ideias os estão guiando – ideias sobre seus interesses econômicos ou ideias sobre religião, moralidade ou qualquer outra coisa? As ideias não precisam ser um nível altamente abstrato; não era necessária uma profunda familiaridade com a filosofia, por exemplo, para que os fabricantes voltados à exportação percebessem que a ajuda externa lhes proporcionaria um grande subsídio dos bolsos do contribuinte americano.
Nenhum “determinista econômico” que se preze, no entanto, jamais sustentou que os motivos econômicos sejam as únicas ou mesmo que sejam sempre as fontes dominantes da ação humana. Assim, ninguém que tenha estudado os primeiros calvinistas jamais poderia negar que a devoção ardente ao seu novo credo religioso foi a motivação primordial para sua conversão e até mesmo para suas atividades seculares. Embora mesmo no caso da Reforma, não podemos ignorar a motivação econômica, por exemplo, para os príncipes alemães se aliarem a Lutero ou para o confisco de Henrique VIII das riquezas dos mosteiros católicos romanos. A questão é, em cada caso, dar o devido valor à motivação econômica.
Podemos, no entanto, chegar a um critério, um guia com o qual possamos nos equipar ao menos em nossas hipóteses preliminares sobre os pesos da motivação? Em suma, podemos formular um guia teórico que indique antecipadamente se uma ação histórica será, ou não, predominantemente por motivos econômicos ou ideológicos? Acho que podemos, embora, até onde eu saiba, desbravaremos terrenos novos e inexplorados.
Alguns anos atrás, um artigo no Journal of the History of Ideas, na tentativa de marcar alguns pontos contra o grande historiador “determinista econômico” Charles A. Beard, acusava que para Beard eram apenas seus “bandidos” históricos que eram economicamente determinados, enquanto seus “mocinhos” eram governados em grande parte pela ideologia. Para o autor, a suposta “inconsistência” de Beard nessa questão foi suficiente para demolir o método beardiano. Mas minha alegação aqui é que, em certo sentido, Beard não estava tão errado; e que, de fato, do ponto de vista libertário, se não da perspectiva de Beard, é de fato verdade em um sentido profundo que os “bandidos” na história são em grande parte motivados economicamente, e os “mocinhos” são ideologicamente motivados. Observe que o termo operacional aqui, é claro, é “em grande parte” em vez de “exclusivamente”.
Vejamos por que isso deveria ser assim. A essência do estado ao longo da história é que uma minoria da população, que constitui uma “classe dominante”, governa, vive e explora a maioria, ou os “governados”. Como uma maioria não pode viver parasitariamente de uma minoria sem que a economia e o sistema desmoronem muito rapidamente, e como a maioria nunca pode agir permanentemente por si mesma, mas deve sempre ser governada por uma oligarquia, todo estado persistirá saqueando a maioria em nome de uma minoria dominante. Uma razão adicional ou corolária para a inevitabilidade do domínio da minoria é o fato generalizado da divisão do trabalho; a maioria do público deve gastar a maior parte de seu tempo com a ocupação de ganhar a vida diária. Assim, o próprio governo do estado deve ser deixado para profissionais em tempo integral que são necessariamente uma minoria da sociedade.
Ao longo da história, portanto, o estado se consistiu de uma minoria saqueando e tiranizando a maioria. Isso nos leva à grande questão, o grande mistério, se preferirem, da filosofia política: o mistério da obediência civil. De Etienne de La Boétie a David Hume e Ludwig von Mises, filósofos políticos mostraram que nenhum estado – nenhuma minoria – pode continuar no poder por muito tempo a menos que seja apoiado, mesmo que passivamente, pela maioria. Por que, então, a maioria continua a aceitar ou apoiar o estado quando está claramente concordando com sua própria exploração e sujeição? Por que a maioria continua a obedecer à minoria?
Aqui chegamos ao antigo papel dos intelectuais, os grupos formadores de opinião na sociedade. A classe dominante – sejam eles senhores da guerra, nobres, latifundiários feudais, ou comerciantes monopolistas, ou uma coalizão de vários desses grupos – deve empregar intelectuais para convencer a maioria do público de que seu governo é benéfico, inevitável, necessário e até divino. O papel dominante do intelectual ao longo da história é o de Intelectual da Corte, que em troca de uma parte, uma sociedade minoritária, no poder e fortuna oferecidos pelo resto da classe dominante, tece as apologias do domínio do estado para convencer um público iludido. Esta é a antiga aliança da Igreja e do estado, do Trono e do Altar, com a Igreja nos tempos modernos sendo amplamente substituída por tecnocratas “científicos”.
Quando os “bandidos” agem, então, quando formam um estado ou uma Constituição centralizadora, quando vão à guerra ou criam um Plano Marshall ou usam e aumentam o poder do estado de qualquer forma, sua motivação primordial é econômica: aumentar sua pilhagem à custa do súdito e do contribuinte. A ideologia que eles professam e que é formulada e difundida na sociedade pelos Intelectuais da Corte é apenas uma elaborada racionalização para seus interesses econômicos venais. A ideologia é a cortina de fumaça para o saque deles, as roupas fictícias tecidas pelos intelectuais para esconder a pilhagem nua do Rei. A tarefa do historiador, então, é penetrar na essência da transação, despir a roupagem ideológica do Rei Estado e revelar o motivo econômico no centro da questão.
O que dizer então das ações dos “mocinhos”, isto é, daquelas situações infelizmente raras, mas vitais na história, quando os súditos se rebelaram para diminuir, reduzir ou abolir o poder do estado? O que dizer, em suma, de eventos históricos como a Revolução Americana ou os movimentos liberais clássicos dos séculos XVIII e XIX? Nem é preciso dizer, é claro, que o motivo econômico para diminuir ou derrubar o poder do estado é “bom” do ponto de vista libertário, em contraste com os motivos econômicos “ruins” dos estatistas. Assim, um movimento da classe dominante em favor de uma tributação mais alta é um mau motivo econômico, um motivo para aumentar o confisco da propriedade dos produtores, enquanto o motivo econômico contra a tributação é um bom motivo econômico, um motivo para de defender a propriedade privada contra tais depredações injustas. Isso é verdade, mas esse não é o ponto principal que estou tentando fazer aqui. Minha opinião é que, pela natureza do caso, o principal motivo da oposição, ou dos revolucionários, será ideológico e não econômico.
A razão básica é que a classe dominante, sendo pequena e amplamente especializada, é motivada a pensar em seus interesses econômicos vinte e quatro horas por dia. Os fabricantes de aço que buscam uma tarifa, os banqueiros que buscam impostos para pagar seus títulos do governo, os governantes que buscam um estado forte para obter subsídios, os burocratas que desejam expandir seu império, todos são profissionais do estatismo. Eles estão constantemente trabalhando tentando preservar e expandir seus privilégios. Daí a primazia do motivo econômico em suas ações perniciosas. Mas a maioria se deixou iludir em grande parte porque seus interesses imediatos são difusos e difíceis de observar, e porque não são “antiestatistas” profissionais, mas pessoas que cuidam de sua própria vida diariamente. O que a pessoa comum pode saber sobre os processos misteriosos de subsídios, impostos ou emissão de títulos? Geralmente ela está muito envolvida em sua vida cotidiana, muito conformada com seu destino depois de séculos de propaganda guiada pelo estado, para pensar sobre seu infeliz destino. Portanto, uma oposição ou movimento revolucionário, ou mesmo qualquer movimento de massa vindo de baixo, não pode ser guiado principalmente por motivos econômicos comuns. Para que tal movimento de massa se forme, as massas devem ser incitadas, devem ser despertadas para um raro e incomum tom de fervor contra o sistema existente. Mas a única maneira de isso acontecer é que as massas sejam incitadas pela ideologia. Só a ideologia, guiada por uma nova conversão religiosa, ou por uma paixão pela justiça, pode despertar o interesse das massas (no jargão atual “conscientizar-se”) e tirá-las de seu atoleiro de hábitos cotidianos colocando-as em uma atividade incomum e militante em oposição ao estado. Isso não quer dizer que um motivo econômico, uma defesa, por exemplo, de sua propriedade, não desempenhe um papel importante. Mas formar um movimento de massas de oposição significa que elas devem se livrar dos hábitos, das preocupações mundanas diárias de várias gerações, e se tornar politicamente excitadas e determinadas como nunca antes em suas vidas. Somente uma ideologia comum e apaixonadamente acreditada pode desempenhar esse papel. Daí nossa forte hipótese de que um movimento de massa como a Revolução Americana (ou mesmo em sua esfera o movimento calvinista) deve ter sido motivado centralmente por uma ideologia recém-adotada e comumente compartilhada.
Voltemos agora ao insight de teóricos políticos tão díspares como Marx e Mises, como as massas de súditos adquirem essa ideologia orientadora e determinante? Pela própria natureza das massas, é impossível para elas chegarem a tal ideologia revolucionária ou de oposição por conta própria. Habituadas como estão em suas rotinas limitadas e cotidianas, desinteressadas pela ideologia como normalmente são, preocupadas com a vida cotidiana, é impossível para as massas se erguerem por suas próprias pernas para forjar um movimento ideológico em oposição ao estado existente. Aqui chegamos ao papel vital dos intelectuais. São apenas os intelectuais, os profissionais de ideias em tempo integral, que podem ter o tempo, a habilidade ou a inclinação para formular a ideologia de oposição e depois espalhar a palavra para a massa de súditos. Em contraste com o intelectual da corte estatal, cujo papel é um parceiro menor na racionalização dos interesses econômicos da classe dominante, o papel do intelectual radical, ou de oposição, é o de orientar centralmente a formulação da ideologia de oposição ou revolucionária e, em seguida, de espalhar a ideologia às massas, fundindo-as assim em um movimento revolucionário.
Um importante corolário: ao pesar as motivações dos próprios intelectuais ou mesmo das massas, geralmente é verdade que se opor a um estado existente é um caminho solitário, espinhoso e muitas vezes perigoso. Normalmente seria do interesse econômico direto dos intelectuais radicais permitir-se “se vender”, ser cooptado pelo aparato estatal dominante. Os intelectuais que escolhem o caminho da oposição radical, portanto, dificilmente podem ser dominados por motivos econômicos; ao contrário, somente uma ideologia ferozmente sustentada, centrada na paixão pela justiça, pode manter o intelectual no caminho rigoroso da verdade. Daí, novamente, a inevitabilidade de um papel dominante para a ideologia em um movimento de oposição.
Assim, embora talvez não por razões barbadianas, verifica-se que os “bandidos”, os estatistas, são governados por motivações econômicas com a ideologia servindo como cortina de fumaça para tais motivos, enquanto os “mocinhos”, os libertários ou antiestatistas, são governados principalmente e centralmente pela ideologia, com a defesa econômica desempenhando um papel subordinado. Por meio dessa dicotomia, podemos finalmente resolver a antiga disputa historiográfica sobre se a ideologia ou os interesses econômicos desempenham o papel dominante na motivação histórica.
Se é uma vergonha para os intelectuais que o Intelectual da Corte tenha sido seu papel dominante ao longo da história mundial, é também a glória dos intelectuais que eles desempenharam o papel central na formação e orientação dos movimentos de massa do mundo moderno em oposição ao estado: do surgimento calvinista da Reforma aos movimentos liberais e radicais clássicos dos séculos XVII, XVIII e XIX.
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Vamos agora aplicar nossa estrutura a uma análise da historiografia da Revolução Americana. Na longa controvérsia sobre a escola determinista econômica Beard-Becker da história americana dominante nas décadas de 1920 e 1930, geralmente se supõe que se deve aceitar ou rejeitar completamente essa perspectiva básica, para cada período da história americana. No entanto, nossa estrutura explica por que a abordagem de Beard-Becker, tão frutífera e penetrante quando aplicada ao ímpeto estatista pelo poder que deu origem à Constituição dos EUA, falha visivelmente quando aplicada aos grandes eventos antiestatistas da Revolução Americana.
A abordagem Beard-Becker procurou aplicar uma estrutura econômica determinista à Revolução Americana e, especificamente, uma estrutura de conflito inerente entre várias classes econômicas importantes. As falhas vitais no modelo Beard-Becker eram duplas. Primeiro, eles não entenderam o papel principal das ideias na orientação de qualquer movimento revolucionário ou de oposição. Em segundo lugar, e esta é uma questão com a qual não tivemos tempo de tratar, eles não entenderam que não há conflitos econômicos inerentes ao livre mercado; sem a intrusão do governo, não há razão para comerciantes, fazendeiros, proprietários de terras, etc. estarem em desacordo. O conflito só é criado entre as classes que governam o estado contra aquelas que são exploradas pelo estado. Não compreendendo esse ponto crucial, os historiadores de Beard-Becker enquadraram sua análise em termos dos interesses de classe supostamente conflitantes de, em particular, comerciantes e fazendeiros. Uma vez que os comerciantes claramente lideravam a agitação revolucionária, a abordagem Beard-Becker estava fadada a concluir que os comerciantes, ao agitarem pela revolução, estavam pressionando agressivamente seus interesses de classe às custas dos fazendeiros iludidos.
Mas agora os deterministas econômicos foram confrontados com um problema básico: se de fato a revolução foi contra os interesses de classe da massa dos fazendeiros, como é que esta apoiou o movimento revolucionário? Para essa pergunta crucial, os deterministas tinham duas respostas. Uma era a opinião comum — baseada na leitura errada de uma carta de John Adams — de que a Revolução foi de fato apoiada apenas por uma minoria da população; na famosa formulação, supunha-se que um terço da população apoiava a revolução, um terço se opunha e um terço era neutro. Essa visão contraria nossa análise dos movimentos de oposição; pois, deve ficar claro que qualquer revolução, lutando como luta contra os interesses profissionais do estado, e precisando tirar a massa do povo de sua inércia costumeira, deve ter o apoio ativo de uma grande maioria da população em fim de ter sucesso. Como confirmação, foi uma das contribuições positivas da posterior escola de “consenso” da história americana de estudiosos como John Alden e Edmund Morgan, demonstrar conclusivamente que a Revolução teve o apoio ativo de uma grande maioria do público americano.
A escola Beard-Becker tinha outra resposta para o quebra-cabeça do apoio majoritário à Revolução: a saber, que os fazendeiros foram iludidos a darem tal apoio pela “propaganda” dirigida a eles pelas classes altas. Com efeito, esses historiadores transferiram a análise do papel da ideologia como racionalização dos interesses de classe de seu uso próprio para explicar a ação do estado para um uso falacioso na tentativa de compreender os movimentos de massa. Nessa abordagem, eles se basearam na teoria jejuna da “propaganda” comum nas décadas de 1920 e 1930 sob a inspiração de Harold Lasswell: ou seja, que ninguém sinceramente mantém nenhuma ideia ou ideologia e que, portanto, nenhuma declaração ideológica pode ser tomada em valor nominal, mas deve ser considerada apenas como retórica insincera para fins de “propaganda”. Mais uma vez, a escola de Beard-Becker foi apanhada por sua incapacidade de conferir qualquer antagonismo às ideias na história.
Os deterministas econômicos foram sucedidos pela escola do “consenso” da história americana, como parte da “celebração americana” geral entre os intelectuais após a Segunda Guerra Mundial. Na melhor das hipóteses, os historiadores de consenso, notadamente Edmund Morgan e Bernhard Knollenberg, foram capazes de mostrar que a Revolução Americana foi um genuíno movimento de múltiplas classes, apoiado pela grande maioria do público americano. Além disso, os deterministas econômicos, em sua ânsia de retratar a classe mercantil superior enganando os fazendeiros para fazê-los apoiar a Revolução, emergiram – em um tipo curioso de aliança esquerda-direita com os historiadores “imperialistas” pró-britânicos – como hostis a Revolução Americana. Os historiadores de consenso restauraram a visão mais antiga de que os colonos estavam se rebelando contra invasões genuínas de suas liberdades e propriedades pelo Império Britânico: que suas queixas eram reais e convincentes, e não simplesmente uma invenção da propaganda da classe alta.
Na pior das hipóteses, no entanto, e sob a égide de grandes teóricos do consenso como os “neoconservadores” Daniel Boorstin e Clinton Rossiter, a escola do consenso foi levada para a conclusão verdadeiramente absurda de que a Revolução Americana, em contraste com todas as outras revoluções na história, não foi realmente uma revolução, mas um reflexo puramente ponderado e conservador contra as medidas restritivas da Coroa. Sob o feitiço da celebração americana e de uma hostilidade gerada pela Guerra Fria a todas as revoluções modernas, os historiadores de consenso foram constrangidos a negar todo e qualquer conflito na história americana, seja econômico ou ideológico, e absolver a república americana do pecado original de ter nascido através de uma revolução. Assim, os historiadores de consenso eram tão hostis à ideologia como força motriz primordial na história quanto seus inimigos, os deterministas econômicos. A diferença é que, onde os deterministas viam o conflito de classes, a escola do consenso sustentava que o gênio dos americanos sempre foi o de ser livre da ideologia abstrata e que, em vez disso, eles enfrentaram todas as questões como ad hoc na resolução de problemas.
Assim, a escola do consenso, em sua ânsia de negar a natureza revolucionária da Revolução Americana, falhou em ver que todas as revoluções contra o poder do estado são necessariamente atos radicais e, portanto, “revolucionários”, e, além disso, que devem ser genuínos movimentos de massa guiados por uma ideologia informada e radical. Além disso, como Robert A. Nisbet apontou recentemente em seu brilhante panfleto, O Impacto Social da Revolução, a visão consensual ignora as consequências verdadeiramente revolucionárias e libertárias da Revolução Americana na diminuição do papel do governo, no desmantelamento das igrejas e na conquista da liberdade religiosa, em proporcionar declarações de direitos para a liberdade e propriedade do indivíduo, e em desmantelar a posse de terra feudal nas colônias.
A ênfase de Nisbet na natureza e nas consequências revolucionárias e libertárias da Revolução Americana nos leva a mais recente e agora dominante escola de historiografia sobre a Revolução: a do professor Bernard Bailyn. Contra a hostilidade de ambas as escolas de historiadores mais antigas, Bailyn conseguiu, em menos de uma década, conquistar seu caminho para se tornar a principal interpretação da Revolução. A grande contribuição de Bailyn foi descobrir pela primeira vez o papel verdadeiramente dominante da ideologia entre os revolucionários, e enfatizar que a Revolução não foi apenas um movimento de massas verdadeiramente revolucionário e de múltiplas classes entre os colonos, mas que foi guiada e impelida acima de tudo pela ideologia do libertarianismo radical; daí o que Bailyn chama alegremente de “o radicalismo libertário transformador da Revolução”. Em certo sentido, Bailyn estava remetendo a uma geração mais antiga de historiadores na virada do século XX, os chamados “constitucionalistas”, que também haviam enfatizado o papel dominante das ideias no movimento revolucionário. Mas Bailyn viu corretamente que o erro dos constitucionalistas foi atribuir o papel central e orientador a argumentos legalistas sóbrios e comedidos sobre a Constituição britânica e, secundariamente, à filosofia de John Locke dos direitos naturais e do direito à revolução. Bailyn viu que o problema com essa interpretação era perder a principal força motriz dos revolucionários; os legalismos constitucionais, como críticos posteriores apontaram, eram argumentos enfadonhos que dificilmente estimulavam as paixões revolucionárias necessárias e, além disso, negligenciavam o importante problema das depredações econômicas pela Grã-Bretanha; enquanto a filosofia de Locke, embora importante em última análise, era abstrata demais para gerar as paixões ou estimular a leitura difundida pelo grosso dos colonos. Bailyn sentiu com razão que algo estava faltando: a ideologia de nível intermediário que poderia estimular paixões revolucionárias.
Guiado pela extensa pesquisa sobre escritores libertários ingleses por Caroline Robbins, Bailyn encontrou o ingrediente vital que faltava: a transformação da teoria lockeana dos direitos naturais em uma estrutura radical e apaixonada, e explicitamente política e libertária. Essa tarefa foi realizada por jornalistas ingleses radicais que, ao contrário de Locke, eram amplamente lidos nas colônias: notadamente, os ensaios jornalísticos de Trenchard e Gordon escritos durante a década de 1720. Trenchard e Gordon expuseram clara e apaixonadamente a teoria libertária dos direitos naturais, passaram a apontar que o governo em geral, e o governo britânico especificamente, era o grande violador de tais direitos, e advertiram também que o poder – o governo – estava sempre pronto conspirar para violar as liberdades do indivíduo. Para parar essa invasão incapacitante e destrutiva da Liberdade pelo Poder, o povo deve estar sempre cauteloso, sempre vigilante, sempre alerta às conspirações dos governantes para expandir seu poder e agredir seus súditos. Foi esse espírito que os colonos americanos absorveram avidamente e que explicava sua “visão de conspiração” do governo inglês. E enquanto o próprio Bailyn, concentrando-se apenas na ideologia dos colonos, é ambivalente sobre se tais conspirações inglesas contra a liberdade realmente existiram, o trabalho de historiadores como Bernhard Knollenberg mostrou conclusivamente que a conspiração era real demais, e que o que alguns dos historiadores ridicularizaram como a “paranoia” dos colonos acabou por ser uma apreensão perspicaz da realidade, uma percepção que foi naturalmente alimentada pela compreensão dos colonos da própria natureza e essência do próprio poder do estado.
Embora Bernard Bailyn não tenha continuado seus estudos além da Revolução, seus alunos Gordon Wood e Pauline Maier o fizeram, com resultados infelizes. Pois como aplicar o conceito de um “radicalismo libertário transformador”, de um ódio ideológico de massa contra o estado e o Executivo, ao movimento por uma Constituição que era a própria antítese do ideal libertário e radical? Ao tentar fazê-lo, Wood e Maier perdem completamente a ideia do libertarianismo radical e acabam em mais uma forma de visão consensual da Constituição. No entanto, a batalha pela adoção da Constituição foi um feroz conflito ideológico e econômico; e para entender esse movimento e esse conflito devemos nos voltar para a abordagem neobeardiana de historiadores como Jackson Turner Main, E. James Ferguson e Alfred Young, que enfatiza os interesses econômicos e de classe por trás desse engrandecimento de um poderoso governo central. Além disso, a resistência antifederalista à Constituição foi alimentada, não apenas pela resistência a essas depredações econômicas, mas também e sobretudo pela própria ideologia de Liberdade versus Poder que desencadeou e guiou a Revolução Americana. Um olhar sobre os discursos eloquentes contra a Constituição de Patrick Henry é suficiente para destacar o leitmotiv libertário da Revolução antiestatal, bem como a resistência antiestatal à Constituição. Portanto, a visão original dos beardianos estava correta: que a Constituição foi uma reação contra a Revolução e não seu cumprimento.
A ideia da motivação econômica como o principal motor das ações estatais ao longo da história, em contraste com a ideologia como o principal guia dos movimentos antiestatistas, é assim confirmada pela análise da historiografia da Revolução Americana. Talvez a adoção dessa estrutura básica seja frutífera na análise de outros eventos e movimentos importantes na história humana.