Além do PNA: Rothbard e sua defesa completa da liberdade

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Todo o meu trabalho girou em torno da questão central da liberdade humana.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

 Assim colocou Murray Rothbard como a primeira frase do prefácio de seu livro, A ética da liberdade. Rothbard escreveu e falou sobre muitos tópicos, muito mais amplos que o libertarianismo, mas seu trabalho girou em torno dessa questão central. Como Hans Hoppe coloca, além de ser um grande economista: Rothbard também foi um grande filósofo, sociólogo e historiador e, como tal, tornou-se o criador de um grande sistema intelectual integrado”.

Vamos examinar esse sistema. A liberdade humana é um tópico muito mais amplo do que o foco no princípio da não agressão (PNA). A liberdade é impotente quando tudo o que consideramos é a teoria política do PNA; Rothbard não se limitou a isso em sua jornada. O libertarianismo é ténue; a questão da liberdade humana não é.

Rothbard escreveu um relatório para o Volker Fund em 1960, para seu Simpósio sobre Relativismo. Este relatório abordou um documento entregue por Ludwig von Mises naquele simpósio. Rothbard escreveu o seguinte:

O que tenho tentado dizer é que a abordagem relativista e utilitária de Mises à ética não é suficiente para estabelecer uma defesa completa da liberdade. Deve ser complementada por uma ética absoluta – uma ética da liberdade, bem como de outros valores necessários para a saúde e o desenvolvimento do indivíduo – fundamentada na lei natural, i.e., na descoberta das leis da natureza do homem.

Sobre o relativismo ético de Mises, Murray Rothbard

Rothbard tenta defender a liberdade baseada na lei natural, não apenas em uma teoria do libertarianismo, já que o termo é pouco entendido. Ele está apontando para uma ética da liberdade, bem como outros valores necessários para que seja estabelecida completamente – valores que se concentram na saúde e no desenvolvimento do indivíduo.

O princípio da não agressão é completamente neutro em tais tópicos. O princípio da não agressão não diz nada sobre os méritos relativos de comer espinafre versus cheirar cocaína, ou ler Shakespeare vs. assistir pornografia – mas quem pode negar que tais escolhas remetem diretamente à saúde e ao desenvolvimento do indivíduo.

Oferecerei citações extensas de Rothbard; afinal, é a defesa dele que estou desenvolvendo. Também farei uma breve pesquisa da filosofia do direito natural, que se estende de Platão a C.S. Lewis. Minha intenção com esta palestra e discussão é reintroduzir o que parece ser um aspecto relativamente negligenciado do trabalho de Rothbard.

Agora, antes de avançar, a lei natural significa muitas coisas para muitas pessoas; não é minha intenção aqui resolver todos esses problemas, embora eu faça uma boa quantidade de estímulos ao longo do caminho. Além disso, é fácil escolher trechos de qualquer autor ou fonte para fazer o que se queira; então, vamos primeiro ver o quão a sério Rothbard leva esse assunto:

Filosoficamente, acredito que o libertarianismo – e o credo mais amplo do individualismo consistente do qual o libertarianismo faz parte – deve basear-se no absolutismo e rejeitar o relativismo.

Sobre o relativismo ético de Mises, Murray Rothbard

Está claro no contexto deste relatório do Fundo Volker que Rothbard está atrás de algo além do absolutismo do PNA. Como vimos, ele indicou que a lei natural e outros valores são necessários para defender a liberdade. Continuando com Rothbard:

… apenas formas da teoria da lei natural ou superiores podem fornecer uma base radical fora do sistema existente para desafiar o status quo …

O igualitarismo como uma revolta contra a natureza, Murray Rothbard

Sim, Rothbard disse “apenas”. Além disso:

… a lei natural fornece a única base segura para uma crítica contínua das leis e decretos governamentais.

Por uma nova liberdade: o manifesto libertário, Murray Rothbard

Ali, ele disse de novo. Eu diria que Rothbard leva muito a sério essa ideia de lei e liberdade naturais.

Todas as outras formas ou meios de criticar ou desafiar o governo nos deixam jogando pelas regras dele: política e políticas públicas, think tanks politizados, eleições sem sentido a cada quatro anos. Como C.Jay Engel apontou, a política consumiu a sociedade, e o movimento libertário, como é, foi sugado para o mesmo buraco negro.

Onde se encontra essa ética da lei natural? Rothbard responde à pergunta:

O absolutista acredita que a mente do homem, empregando a razão (que de acordo com alguns absolutistas é divinamente inspirada, de acordo com outros é dada pela natureza), é capaz de descobrir e conhecer a verdade: incluindo a verdade sobre a realidade e a verdade sobre o que é melhor para si, para a humanidade e melhor para si mesmo como indivíduo.

Sobre o relativismo ético de Mises, Murray Rothbard

Como observa Rothbard, essa verdade deve ser descoberta. Descobrir é “ver, obter conhecimento, aprender, encontrar; obter visão ou conhecimento de (algo previamente invisível ou desconhecido). ”

Isto ao contrário de criar: “fazer surgir, como algo único que não evoluiria naturalmente ou que não é produzido por processos comuns; evoluir a partir do próprio pensamento ou imaginação, como uma obra de arte ou uma invenção”.

Ou inventar: “originar ou criar como um produto da própria engenhosidade, experimentação ou artifício; produzir ou criar com a imaginação; inventar ou fabricar (algo fictício ou falso).”

A lei natural deve ser descoberta – é algo que existe; não é algo que sai da nossa imaginação, algo que inventamos ou fabricamos. A lei natural está para a legislação, assim como o ouro está para a moeda fiduciária: nós descobrimos a lei natural e o ouro; criamos ou inventamos legislação e moedas fiduciárias. Eu acho que a analogia é realmente bastante apropriada, e pelas mesmas razões éticas e de suporte à liberdade.

Continuando com Rothbard:

Na filosofia do direito natural, portanto, a razão não está destinada, como na filosofia moderna pós-humeana, a ser um mero escravo das paixões, confinado a descoberta dos meios para fins escolhidos arbitrariamente.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Por Rothbard, não podemos escolher arbitrariamente nossos fins. Os fins são inerentes à nossa natureza, para serem descobertos por nós. “Qualquer coisa pacífica”, como pode ser descrito a forma mais limitado do libertarianismo, cria um terreno fértil para o “escravo das paixões” de Hume. Isso não está de acordo com a razão em fins, como sugere Rothbard. Se os fins não devem ser escolhidos arbitrariamente, em que base – ou em que padrão – devemos escolhê-los? Rothbard explica: 

Pois os próprios fins são selecionados pelo uso da razão; e a “razão correta” dita ao homem seus fins adequados, bem como os meios para sua consecução.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

O que é razão? Para Cícero:

A verdadeira lei é a razão correta, de acordo com a natureza; é de aplicação universal, imutável e eterna; convoca o dever por seus mandamentos e evita as transgressões por suas proibições … É pecado tentar alterar essa lei, nem é permitido revogar qualquer parte dela, e é impossível aboli-la completamente.

– Marcus Tullius Cicero

A razão correta é a razão de acordo com a nossa natureza, resultando na descoberta da verdadeira lei. Esta razão correta nos convoca para o dever. Usamos a razão certa para descobrir fins adequados, como observa Rothbard; fins não são escolhidos arbitrariamente. Os fins não são algo a ser selecionado de um universo de “qualquer coisa pacífica”. Naturalmente, também não somos livres para escolher quaisquer meios para alcançar nossos fins adequados. Tudo isso está de acordo com a razão correta e está de acordo com a nossa natureza.

Mas por que devemos estar tão atados em relação aos nossos fins? Afinal, para muitos libertários e para grande parte do Ocidente moderno, isso certamente não soa como liberdade! Rothbard responde:

… se maçãs, pedras e rosas têm sua natureza específica, o homem é a única entidade, o único ser, que não pode ter uma?

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Devemos realmente acreditar que a criatura mais complexa da Terra é aquela que não possui uma natureza específica, com fins a serem definidos por sua natureza? O único ser na terra que tem a capacidade de considerar a possibilidade de que a vida possa ter significado ou propósito também é o único ser que não tem significado ou propósito inerente – nenhum telos?

Não é provável. E isso deve ser expandido. Para isso, Rothbard aponta para o filósofo fundador da lei natural, Santo Tomás de Aquino; de Rothbard:

Para o teórico tomista ou do direito natural, a lei geral da moralidade para o homem é um caso especial do sistema de leis naturais que governa todas as entidades do mundo, cada uma com sua própria natureza e seus próprios fins.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Rothbard se apoia em Tomás de Aquino – como é necessário quando se está introduzindo a lei natural. Tomás de Aquino desempenha um papel central em qualquer teoria moral do direito natural. Da Enciclopédia Stanford de Filosofia:

Se alguma teoria moral é uma teoria do direito natural, é a de Aquino. (Toda antologia de ética introdutória que inclui material sobre a teoria do direito natural inclui material de ou sobre Aquino; todo artigo da enciclopédia sobre pensamento em direito natural refere-se a Aquino.) Parece sensato, então, considerar a teoria do direito natural de Aquino como o caso central de uma posição de direito natural…

Como observa Rothbard, essas leis estão disponíveis para nós, independentemente de as considerarmos divinamente inspiradas ou dadas a nós pela natureza – um ponto que torna essa construção perfeitamente funcional para os crentes e não crentes.

Não é uma coisa cristã ou católica ou uma coisa de Deus. É uma coisa de direito natural. Não se pode discutir a lei natural sem se apoiar em Tomás de Aquino.

Portanto, não vamos nos prender a nada de “Deus” ou “divino”. Afinal, muitos dos estudiosos cristãos da lei natural não o fizeram. Para Rothbard, muitos apontaram para a necessidade e validade da lei natural, mesmo que não se apoiassem no cristianismo.

O que dizer de algumas especificidades da lei natural? Quais são alguns detalhes da ética? Intencionalmente, não obteremos uma resposta de Rothbard:

Não é intenção deste livro expor ou defender longamente a filosofia da lei natural, nem elaborar uma ética da lei natural para a moralidade pessoal do homem.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Rothbard propõe que a defesa está bem desenvolvida por outros. Portanto, pode não ter sido a intenção de Rothbard elaborar uma ética da lei natural, mas não vou deixar isso quieto. Rothbard abriu a porta e pretendo passar por ela. Ofereço uma breve pesquisa sobre a história do direito natural com o objetivo de acrescentar profundidade à teoria ética defendida por Rothbard.

Platão: aprendemos com Platão que o bem de uma coisa é determinado por sua essência ou Forma. Não tem nada a ver com o que podemos desejar; o bem é inteiramente objetivo. Isso é verdade tanto para os seres humanos quanto para os triângulos.

Aristóteles: Aristóteles coloca a Forma na substância – não é desencarnada, como Platão diria. Aristóteles identificou as quatro causas: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. Destes, a causa importante no contexto desta discussão é a causa final – o fim ou telos, o propósito para o qual existe uma coisa ou ser.

Tomás de Aquino: Tomás de Aquino acrescenta a Aristóteles, a fim de torná-lo compatível com o cristianismo. Ele acrescenta o exemplarismo de Agostinho: a visão de que Formas são exemplos ou arquétipos na mente do logos.

Tomás de Aquino identifica vários bens básicos. Estes podem ser considerados no contexto dos fins ou propósitos de Aristóteles do homem. Esses bens vêm com uma proibição e uma obrigação positiva: um “não faça” – o que soa bem para libertários – e um “faça” – que é um problema se se acredita que todo um sistema ético pode se basear em uma limitada teoria de violência. Segundo Tomás de Aquino, esses bens básicos podem ser conhecidos e investigados até mesmo por quem não tem fé cristã.

Todo ser tem sua própria natureza; todo ser tem seu próprio telos ou fins. A lei natural de Tomás de Aquino é teleológica – baseada em fins, derivada de fins. Da Enciclopédia Stanford de Filosofia:

Tomás de Aquino argumenta que existe um único fim para todos os seres humanos e que é a felicidade. … Há um único bem humano final que fornece uma ordem de todos os outros bens humanos como parciais em relação a ele, a saber, a felicidade, ou melhor em latim, o beatitudo.

Agora, alguns esclarecimentos estão em ordem. Felicidade não significa um Lamborghini na garagem ou uma boa bebida na sexta à noite. O Dr. William H. Marshner diz que a melhor tradução que temos para descrever o beatitudo não é felicidade, mas satisfação. Mas como se deve entender a realização – o melhor ideal a ser buscado? Ele vê isso através da realização iluminada, e os iluminados vivem uma vida de virtude – as Quatro Virtudes Naturais (Cardinais) e as Três Virtudes Teologais.

A professora Jennifer Frey oferece mais alguns esclarecimentos sobre o que Aquino quer dizer com felicidade:

É comum para você, dada a sua natureza humana; não é um bem competitivo; finalmente, nunca é propriedade exclusiva de um indivíduo, é um bem participativo – é compartilhado em comum com outros e só pode ser produzido em comum com outros.

Ela vê que a última característica é mais importante – envolvimento com os outros. Isso pode ser mais bem identificado e realizado, assim como o Dr. Marshner vê, vivendo uma vida de virtude. Tomás de Aquino concordaria:

A felicidade é garantida através da virtude; é um bem alcançado pela própria vontade do homem.

Tomás de Aquino

Mas o que estava no centro? Qual era o conceito comum para todas essas virtudes? Tomás de Aquino une tudo isso sob a rubrica do amor, como explica o Dr. Arthur Holmes, do Wheaton College. Embora não seja necessário para todos os bons fins possíveis, uma característica comum às virtudes necessárias por trás da realização, ou beatitudo, é o Amor: a ação relacionada a outros. Partindo de Aquino:

Ninguém verdadeiramente tem alegria a menos que viva no amor.

Tomás de Aquino

Mesmo deixando de lado as Três Virtudes Teologais, é difícil ver como se pode alcançar o bem ideal das Quatro Virtudes Naturais (Prudência ou Sabedoria, Coragem, Temperança e Justiça) sem considerar outras ações relacionadas. Entre os quatro, a característica comum é de uma virtude bem desenvolvida.

Certamente entendemos o benefício de “outras ações relacionadas” quando se trata de economia, empreendedorismo e mercado. Ludwig von Mises não teve dificuldade com esse conceito de servir aos outros; em As causas das crises econômicas:

Os processos de mercado dão sentido à economia capitalista. Eles colocam empreendedores e capitalistas a serviço da satisfação das necessidades dos consumidores.

As causas das crises econômicas, Ludwig von Mises

Obviamente, o “bem” que está sendo procurado por qualquer empresário pode não ser servir os outros – ele pode ser encontrado na Virtude do Egoísmo, por assim dizer. No entanto, isso não descarta a realidade de que ele está, de fato, servindo aos outros. Assim como não fugimos de outras ações relacionadas no que diz respeito à liberdade no mercado econômico, talvez não devamos nos furtar tão rapidamente em outras ações relacionadas quando se trata da liberdade mais amplamente considerada.

Então, o que dizer do livre-arbítrio? Tomás de Aquino vê o livre arbítrio no contexto das causas finais – essas causas finais nos levam a uma direção. Os seres humanos são orientados para o fim, assim como toda a natureza – cada um de acordo com sua espécie. O livre-arbítrio é exercido e a liberdade é encontrada ao buscar alegremente o fim ou telos apropriado.

A segunda tábua do Decálogo nos dá as normas que se seguem de nossa natureza essencial: autoridade familiar e parental, proteção da vida humana, a pessoa no sentido de marido e mulher, propriedade, honra, a proibição do desejo ilícito por bens e cobiça. Este é um bom começo.

Os escolásticos tardios: espanhóis como Vittoria, Suarez e Vasquez; a escola de Salamanca. Eles eram fundamentais não apenas para muitos conceitos econômicos que prezamos, mas também trabalhavam para superar o positivismo moral de Occam, no qual Occam colocou a vontade acima da razão e do intelecto.

C. S. Lewis: talvez o pequeno livro mais poderoso sobre esse assunto da lei natural (e as consequências de fugir dela) seja A abolição do homem, de Lewis. São três capítulos e um apêndice. No entanto, todas as linhas em todas as páginas podem ser sublinhadas; pode-se lê-lo dez vezes e cada vez descobrir algo que não havia sido percebido ou compreendido antes. Então, perdoe minhas extensas citações. Partindo de Lewis:

Isso a que tenho chamado por conveniência de Tao, e que outros poderiam chamar Lei Natural, Moral Tradicional, Primeiros Princípios da Razão Prática ou Primeiros Lugares-comuns, não é um entre uma série de sistemas de valores possíveis. É a única fonte possível de todos os juízos de valor. Caso seja rejeitado, todos os valores serão também rejeitados.

Isso parece com algo dito por Rothbard. Mas por que não podemos exercer nossa liberdade de escolher? Bem, isso deixa para alguém decidir o sistema de valores … e não será você quem decidirá! Continuando com Lewis:

Ou somos espíritos racionais obrigados para sempre a obedecer aos valores absolutos do Tao, ou então não passamos de mera natureza a ser manuseada e esculpida em novas formas para o deleite dos mestres, que por sua vez serão motivados unicamente por seus impulsos “naturais”. Somente o Tao é capaz de prover uma lei de ação humana comum que possa abarcar legisladores e legislados igualmente.

Isso também poderia ter sido dito por Rothbard. Também é um conceito semelhante ao modo como a lei foi entendida durante grande parte do período medieval: nem a Igreja nem o rei eram soberanos; se alguma coisa era “soberana”, era a lei. Lewis expande sobre este ponto:

Uma crença dogmática em valores objetivos é necessária para a própria ideia de uma regra que não seja tirânica ou de uma obediência que não seja servil.

Rothbard poderia facilmente ter escrito essa frase também. Lewis continua:

A não ser que reconheçamos esses princípios como sendo para o campo da ação o que os axiomas são para o campo da teoria, não será possível ter princípios práticos de maneira nenhuma. Eles não são conclusões a que chegamos: são as premissas. … Da mesma forma, se nada é obrigatório por si mesmo, nada pode ser obrigatório.

Lewis é bastante objetivo e inflexível neste ponto: essa fonte de todos os julgamentos de valor deve vir de fora do alcance humano – essas são premissas a serem descobertas. Se não consideramos a lei como proveniente de nossa natureza, a lei é livre para advir de qualquer base. Qual opção oferece uma melhor possibilidade de liberdade? Rothbard certamente sabia a resposta.

A menos que aceitemos essas premissas e os valores objetivos resultantes sem questionar, somos como argila a ser moldada nas mãos daquilo que Lewis chama de Manipuladores – aqueles que farão a lei para você, para manipulá-lo a qualquer bolha sem forma e sem causa que desejarem; isso é exatamente como Rothbard viu.

Como observa Lewis, muitos dos governantes e governados, é claro, estão satisfeitos com esse estado:

Não que eles [os governantes] sejam homens maus. Eles não são homens em absoluto. …. Nem os objetos do condicionamento serão homens infelizes. Eles não são homens em absoluto: são artefatos. A conquista final do homem mostrou-se a abolição do Homem.

Se um homem não precisa mais buscar o que deveria ser, não precisamos mais considerá-lo humano, pois ele nem se preocupa em se considerar como tal. Não precisamos nos preocupar com a liberdade humana se não considerarmos os seres humanos como humanos.

Chega de pesquisa. E se tudo isso for verdade – como esses autores, inclusive Rothbard, sugerem –, está me nossa natureza almejar objetivos determinados e agir de uma certa maneira ao buscar esses fins? Que este é o único meio de manter o Estado – ou os Manipuladores – à distância?

E se essa natureza e as virtudes necessárias nos levarem ao beatitudo – a realização, incluindo outras ações relacionadas? Se isso é da nossa natureza, podemos descrever nossa condição como vivendo em liberdade, libertando-nos dessa natureza? Descreveríamos um leão livre de viver de acordo com sua natureza como estando em liberdade?

Fazer a pergunta é respondê-la; para o leão livre de viver de acordo com sua natureza, chamamos essa condição de zoológico. Claro, suas necessidades materiais são totalmente atendidas. Mas ainda é um leão? Ele goza da “liberdade de leão”?

Quanto aos humanos, Lewis respondeu à pergunta – não somos mais homens. Ele diz:

Produzimos homens sem peito e esperamos deles virtude e iniciativa. Caçoamos da honra e nos chocamos ao encontrar traidores entre nós. Castramos e ordenamos que os castrados sejam férteis.

Não parece matéria da qual a liberdade surgirá.

Alexandr Solzhenitsyn chamaria o zoológico do leão de gulag para o homem; trecho de A World Split Apart, seu discurso de formatura em 1978 na Universidade Harvard:

Uma sociedade que se baseia na letra da lei e nunca atinge um nível mais alto está aproveitando muito pouco o alto nível das possibilidades humanas.

Você consegue pensar em uma definição melhor de liberdade do que aquela que permite que os seres humanos alcancem seu mais alto nível de possibilidades humanas – e um regime de lei e valor objetivo que apoie isso?

Então agora, voltando a Rothbard – para demonstrar que não fui muito longe:

O valor no sentido de avaliação ou utilidade é puramente subjetivo e decidido por cada indivíduo. Esse procedimento é perfeitamente adequado para a ciência formal da praxeologia ou teoria econômica, mas não necessariamente para outras coisas.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Observe o que Rothbard acabou de fazer: para aqueles que igualam liberdade à eficiência econômica dos mercados livres, Rothbard joga um balde de água fria. Os valores para os mercados são subjetivos; outros valores necessários para a liberdade são objetivos. Talvez apenas o uso de justificativas econômicas e eficiência econômica para defender e definir a liberdade seja logicamente defeituoso.

Colocando um ponto de exclamação na necessidade de valores objetivos em ética, Rothbard oferece:

Pois na ética da lei natural, os fins são demonstrados como bons ou ruins para o homem em vários graus; o valor aqui é objetivo – determinado pela lei natural do ser humano, e aqui a “felicidade” para o homem é considerada no sentido de senso comum e de conteúdo.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Por isso, é claro, Rothbard não está sugerindo nada sobre punição. Para aliviá-lo de qualquer preocupação de que Rothbard estivesse (ou eu estou) interessado em estabelecer uma teocracia, ele sugere:

… a grande falha da teoria do direito natural – de Platão e Aristóteles aos tomistas e até Leo Strauss e seus seguidores nos dias atuais – foi ter sido profundamente estatista e não individualista. Essa teoria “clássica” do direito natural colocou o lugar do bem e da ação virtuosa no Estado, com indivíduos estritamente subordinados à ação do Estado.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Rothbard foi criticado por não defender algumas leis que transformariam o que chamamos de crimes sem vítimas em crimes reais – contrariamente à teoria libertária e, na minha opinião, contrária à moral adequada, pois não acredito que a punição física por atos não violentos seja moral. Essa crítica não demonstra uma deficiência em Rothbard, mas sim uma deficiência em quem o critica.

Segundo Rothbard:

Julgamentos políticos são necessariamente julgamentos de valor, a filosofia política é, portanto, necessariamente ética, e, portanto, um sistema ético positivo deve ser estabelecido para estabelecer a defesa da liberdade individual.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

Rothbard está escrevendo um sistema ético positivo, não um sistema legal positivo. Essa é uma distinção perfeitamente razoável, pois os dois conceitos são logicamente independentes; não é necessário tornar os dois idênticos. Da enciclopédia da Internet sobre filosofia:

Constata-se empiricamente que muitos teóricos da moral do direito natural também são teóricos do direito natural, mas as duas teorias, estritamente falando, são logicamente independentes. Pode-se negar a teoria do direito natural, mas sustentar uma teoria do direito natural da moralidade.

Parece-me que é preciso fazer isso para se buscar uma liberdade significativa e sustentável. Antes de tudo, Rothbard está apresentando um sistema ético além do princípio da não agressão – o princípio da não agressão, por si só, não é um sistema ético suficiente para a liberdade. Segundo, ele não está propondo um sistema legal – ele não está sugerindo um sistema legal em que todas as violações da lei natural justificam a violência em resposta ou merecem punição física.

Como observei em minha palestra aqui no ano passado, Hans Hoppe fez um argumento semelhante durante sua conferência da Property and Freedom Society em 2018. Walter Block também ofereceu recentemente:

Uma compreensão mais sofisticada do libertarianismo não diz, com o PNA: “Não matarás, iniciarás violência contra pessoas inocentes ou seus bens legítimos”. Em vez disso, afirma que, se o fizer, será punido de acordo com a teoria libertária da punição.

O que tomo de Rothbard, Hoppe e Block me parece uma abordagem perfeitamente razoável. A separação dos conceitos de comportamento ético adequados a liberdade e os conceitos de quando a punição é justificada merece ser melhor desenvolvida, assim como devem ser as visões de Rothbard sobre a lei natural e a liberdade. Mas isso fica para outro dia.

Tudo isso não quer dizer que eu ache Rothbard infalível nesse tópico. Mas não quero desviar o assunto – é melhor resolver essas divergências sobre os alicerces construídos aqui por Rothbard.

Por enquanto, minha intenção é apenas reiniciar esse tópico que Rothbard iniciou há sessenta anos. É na lei natural que o único fundamento firme será encontrado para desafiar a agressão do estado e construir uma comunidade não de teóricos libertários, mas uma comunidade de seres humanos que vivem em liberdade.

Conclusão

Partindo de Rothbard:

(…) em nenhum momento acreditei que a análise livre de juízo de valor ou a economia ou o utilitarismo (a filosofia social padrão dos economistas) sejam suficientes para estabelecer a defesa da liberdade.

A ética da liberdade, Murray Rothbard

O princípio da não agressão chega o mais perto possível de uma análise livre de juízo de valor em uma teoria política, ética, econômica e jurídica. “Qualquer coisa pacífica” é um conceito de ação humana mais livre de juízo de valor pode ser concebido. Foi insuficiente para Rothbard, porque ele corretamente o achou insuficiente para a liberdade.

Faz sessenta anos que Rothbard escreveu seu artigo sobre a abordagem utilitária e relativista de Mises à ética. O libertarianismo se desdobrou em todas as direções imagináveis ​​desde então, de tal forma que a ideia de um movimento libertário perdeu todo o sentido – e, se ele significa alguma coisa para a maioria da população, é um significado ridículo.

O motivo é porque o movimento não tem fundamento na lei natural, como Rothbard sabia que era necessário. Para que a liberdade tenha um futuro, Rothbard acreditava que ela deveria ser construída sobre esse fundamento. Se estamos buscando a liberdade, vamos seguir o exemplo de Rothbard: integrar um entendimento da lei natural ao princípio da não agressão, a fim de chegar a uma defesa completa da liberdade.

 

 

Artigo original aqui.

Tradução de Luis Felipe

2 COMENTÁRIOS

  1. Excelente escolha de artigo para tradução !
    obs: alguns dos comentários no site Mises Institute são quase tão interessantes quanto o artigo, especialmente os que o criticam… 😉

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