Estados Unidos, Brasil e a ilegitimidade do uso da ‘democracia’ como uma arma política

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Nos últimos anos, tornou-se popular em partes da ala conservadora discutir a “brasileiraização dos Estados Unidos”, uma referência aos desafios que um grande país enfrenta ao governar uma “nação universal” cada vez mais multicultural. Mas neste fim de semana, foi a americanização da política brasileira que ocupou o centro das atenções quando as forças pró-Bolsonaro se levantaram em protesto agressivo contra o recém-empossado regime de Lula, em um movimento que lembra o que ocorreu em Washington em 6 de janeiro de 2021. Os desafios parecidos enfrentados pelos Estados Unidos e pelo Brasil, incluindo preocupações sobre o estado de suas democracias, vale a pena explorar, assim como a resposta global ao protesto e o que essa resposta significa para aqueles que se opõem à atual ordem internacional “neoliberal”.

Em um momento de preocupação com a covid, as ambições políticas de instituições globalistas como o Fórum Econômico Mundial e as consequências de décadas de envolvimento militar liderado pelos Estados Unidos (e as ondas de imigração que ele inspira), tem havido uma coordenação crescente entre vários movimentos políticos de direita ao redor do mundo. O resultado nos Estados Unidos tem sido o aumento do fascínio por países como a Hungria de Victor Orban, as comemorações da direita pela vitória da italiana Giorgia Meloni e o ceticismo de figuras celebradas no cenário internacional, como o ucraniano Volodymyr Zelensky.

Talvez a direita americana não tenha paralelo mais direto do que a facção de Bolsonaro no Brasil.

Essas semelhanças não são simplesmente de natureza intelectual. Jair Bolsonaro e seus filhos se tornaram figuras carimbadas em eventos conservadores americanos, como a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) e foram considerados alguns dos mais fortes aliados internacionais que Donald Trump teve como presidente. Olavo de Carvalho, conhecido nos Estados Unidos como o “Rush Limbaugh do Brasil” antes de sua morte no ano passado, foi um influente filósofo popular da direita brasileira que compartilhou curiosidades intelectuais (e jantares) com o ex-estrategista de Trump Steve Bannon. E o Gettr, uma das alternativas ao Twitter preferidas pela galera do MAGA antes da compra do Twitter por Elon Musk, tem investido até no Brasil como mercado de destaque.

As eleições presidenciais de 2022 no Brasil ofereceram ainda outro ponto em comum: a polêmica eleição de um político de esquerda corrupto após uma campanha eleitoral marcada por forte censura política unilateral.

A recente divulgação dos documentos do Twitter confirmou o que há muito era óbvio: a eleição de 2020 nos Estados Unidos foi manipulada por uma campanha deliberada para ocultar informações factuais prejudiciais à campanha de Joe Biden. O Twitter e outras empresas de Big Tech agiram em coordenação explícita dirigida pela campanha de Joe Biden e pelas burocracias de Washington. Isso possivelmente influenciou o comportamento político dos eleitores antes mesmo de preocupações adicionais sobre a constitucionalidade de mudanças na lei eleitoral inspiradas pela ambição, a segurança dos métodos de votação não tradicionais e os temores gerais sobre a integridade das máquinas de votação.

No Brasil, a eleição de 2022 foi moldada por uma manipulação política mais explícita e óbvia. Enquanto Bolsonaro, como Trump, tinha o poder de incumbência presidencial na época da eleição, a política brasileira foi moldada pela tensão entre o cargo executivo eleito e a suprema corte do país, que é dominada por rivais políticos.

Foi o tribunal que anulou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção, permitindo-lhe concorrer ao cargo. Além disso, em 2019, o Supremo Tribunal Federal concedeu a si mesmo autoridade para policiar a “desinformação”. Como o New York Times observou em setembro passado,

    [O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de] Moraes prendeu cinco pessoas sem julgamento por postagens em redes sociais que, segundo ele, atacavam as instituições brasileiras. Ele também ordenou que as redes sociais removessem milhares de postagens e vídeos com pouca possibilidade de apelação. E neste ano, 10 dos 11 juízes do tribunal condenaram um deputado a quase nove anos de prisão por fazer o que eles disseram ser ameaças contra eles em uma transmissão ao vivo.

A tomada de poder pela mais alta corte do país, dizem especialistas jurídicos, prejudicou uma importante instituição democrática no maior país da América Latina, enquanto os eleitores se preparam para escolher um presidente em 2 de outubro. Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-presidente de esquerda, superou Bolsonaro nas pesquisas há meses, enquanto Bolsonaro vem dizendo ao país, sem nenhuma evidência, que seus rivais estão tentando fraudar a votação. Em muitos casos, Moraes agiu unilateralmente, encorajado por novos poderes que o tribunal concedeu a si mesmo em 2019 que permitem, de fato, atuar como investigador, promotor e juiz ao mesmo tempo em alguns casos.

Esses problemas encabeçados pela Suprema Corte aumentaram depois que Bolsonaro e seu partido excederam amplamente as expectativas das pesquisas no primeiro turno da eleição presidencial. A fim de compensar um ambiente de extrema censura política, empresas criativas de apoio a Bolsonaro começaram a promover as vendas, enfatizando as cores do partido verde e amarelo de Bolsonaro e seu número, 22.

A justificativa para essas quebras de normas políticas é familiar a qualquer apoiador de Trump: elas eram necessárias para combater a “desinformação” e a extrema “ameaça à democracia” que o “fascista” Bolsonaro representava. O resultado foi o mesmo, uma derrota apertada para a direita brasileira e um colapso na confiança nas instituições políticas do país.

Essa perda de legitimidade percebida criou um ambiente no qual muitos veem os resultados da eleição como explicitamente manipulados por maus atores que desejam o controle político. Dados os abusos de poder documentados antes da eleição, qualquer um que exclua categoricamente todas as preocupações relacionadas à segurança da eleição está se engajando em uma defesa reflexiva do status quo político, não em um pensamento crítico altivo. Isso não significa que todas as críticas ao processo eleitoral sejam válidas, mas as preocupações com a integridade das eleições devem ser levadas a sério se quisermos evitar a violência. Brasília, assim como Washington, não fez isso. O resultado é que o Brasil tem seu próprio xamã vestido de indígena.

Essas preocupações, no entanto, são secundárias à clara natureza iliberal da eleição brasileira de 2022. Se a legitimidade democrática for baseada no consentimento de um público informado, as eleições americanas de 2020 e as eleições brasileiras de 2022 não podem ser consideradas legítimas. Elas foram claramente manipuladas por agentes políticos para alcançar fins políticos específicos desejados.

A noção de que a “democracia” só é sagrada quando produz os resultados que as elites desejam não é novidade para os nossos leitores. Ainda assim, vale a pena notar a resposta internacional à eleição do Brasil e ao protesto deste fim de semana como ilustrativo dos desafios enfrentados por aqueles que desejam uma verdadeira autodeterminação nacional.

A eleição de Lula foi rapidamente comemorada pelos líderes globais em outubro passado. Numa época em que as tensões globais criaram novas divisões entre líderes de todo o mundo, a derrota de Bolsonaro foi um raro momento unificador de 2022. Os líderes europeus odiavam o estilo trumpiano de Bolsonaro e sua rejeição à histeria ambientalista. Lula fez campanha ativamente sobre seu relacionamento com o chinês Xi Jinping, um pivô da preferência de Bolsonaro pelo futuro americano. Para o Departamento de Estado de Biden, a integridade da eleição do Brasil foi uma guerra por procuração perfeita para o conflito doméstico prolongado do próprio governo com Trump e seus apoiadores.

A mudança dos Estados Unidos é um desenvolvimento internacional chave moldado pela mudança de governo em Washington. Uma Casa Branca liderada por Trump pode ter interesse em ajudar a facção política de Bolsonaro. Em vez disso, as autoridades de Washington aplaudiram abertamente a eleição do tipo de líder socialista corrupto apoiado por alguns dos criminosos mais violentos do Brasil.

A rebelião desorganizada deste fim de semana apenas distanciou ainda mais as facções pró-Bolsonaro do apoio internacional.

O desinteresse internacional pelas dificuldades dos oponentes políticos vitimados pela censura sistêmica e pelo enfraquecimento das normas democráticas cria problemas políticos reais para aqueles que buscam se opor à ideologia predominante da ordem global.

Embora existam muitos exemplos históricos de golpes militares sul-americanos contra governos nominalmente eleitos de esquerda, a realidade é que um movimento reacionário bem-sucedido rapidamente se veria tratado como um estado pária globalmente. Como a invasão russa da Ucrânia destacou, algumas das armas mais poderosas da ordem neoliberal são econômicas. Pode-se imaginar as sanções que se seguiriam a um golpe de direita moderno que ameaçasse os objetivos políticos de Washington ou Davos.

Muitos na direita americana erroneamente se agarraram à crença de que agentes morais no estado profundo os salvariam de uma classe de elites que os despreza. Parece que muitos no Brasil depositaram fé semelhante nas forças armadas do país e também foram traídos. Mais preocupantes são os temores reais de que os eventos deste fim de semana justifiquem a repressão política aos oponentes, como ocorreu em 6 de janeiro nos Estados Unidos. Os democratas americanos estão propondo a extradição de Bolsonaro, que atualmente está visitando a Flórida, para o Brasil, onde poderia enfrentar acusações de seu rival político.

No futuro, a direita brasileira – como sua contraparte americana – precisa se unir a líderes políticos sérios. Instituições como o Instituto Rothbard ajudaram a criar uma geração de brasileiros equipados com uma compreensão séria das perigosas tendências econômicas e políticas em que nos encontramos.

Para enfrentar a ordem neoliberal, precisamos de uma rede global de indivíduos bem-sucedidos e com ideias semelhantes, dedicados a criar um mundo mais livre – não as distrações raivosas de alta preferência temporal que não oferecem planos tangíveis para o sucesso.

Nas palavras de Jeff Deist:

Vencemos com foco no longo prazo, não no curto prazo.

Ganhamos construindo melhores elites e melhores instituições.

Nós vencemos mostrando a cara sem remorso e com força para o mundo.

 

 

 

Artigo original aqui

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