Notas sobre a Guerra de Nintendo

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Nos dois primeiros dias e noites da guerra, eu, como muitas outras pessoas, fiquei grudado no meu aparelho de TV, assistindo à guerra, concentrado na CNN, mas zapeando entre as outras redes de notícias. Então, de repente, me ocorreu: eu não estava recebendo nenhuma notícia. E isso continua sendo verdade. O que temos recebido é:

  1. Repetições infinitas das mesmas poucas cenas estáticas: Um avião pousando ou decolando em um campo escuro. Um míssil sendo disparado para o céu. O mesmo maldito pássaro coberto de óleo. (Quantas centenas de vezes nós vimos isso? E isso era falso — uma foto tirada depois de um acidente petrolífero vários dias antes da greve petrolífera de Saddam.) Se você assistir cinco minutos de notícias por dia, terá visto 24 horas completas.
  2. Slides de mapas, com vozes de rádio saindo de pontos do Oriente Médio. Nenhuma notícia.
  3. Conferências de imprensa, com Bush, Cheney e vários figurões do Pentágono soando com fanfarronice: Nós o pegamos; nós o destruímos; vamos destruí-lo novamente.
  4. Coletivas de imprensa em que Bush e os figurões do Pentágono se envolvem em birras de pátio de escola. Depois de cinco meses chamando rotineiramente Saddam de monstro, louco e Hitler, toda vez que Saddam faz alguma coisa, por exemplo, colocar nossos prisioneiros de guerra na televisão ou liberar todo aquele petróleo, nossos figurões invariavelmente dizem: “É isso. Agora estamos realmente enfurecidos.” Mas por que esse comportamento estúpido é levado a sério?
  5. O resto do tempo de televisão é preenchido com comentários de aparentemente todos os coronéis e generais aposentados das forças armadas. Todos esses especialistas invariavelmente dizem uma coisa: nós o pegamos; nós o destruímos; vamos destruí-lo novamente.

Vários críticos astutos, notadamente Leslie Gelb no New York Times e Howard Rosenberg no Los Angeles Times, apontaram que esta primeira “guerra televisiva” não está de forma alguma nos mostrando a guerra, mas apenas um jogo de vídeo-game da Nintendo altamente censurado e higienizado, com belos mísseis Patriot americanos sendo disparados, (quem quer que tenha sido o relações-públicas que tenha pensado no nome Patriota para um míssil deveria receber um milhão de dólares por ano) interceptando mísseis Scud malvados (idem para este relações-públicas). É uma guerra falsa de TV de alta tecnologia que o americano médio pode realmente apoiar, elevando o índice de aprovação de Bush para — o que é isso? — 110%?

Vítimas civis?

E, no entanto, de vez em quando, um pouco de verdade consegue escapar pelas brechas: refugiados iraquianos na Jordânia notam que o sangue está escorrendo nas ruas dos bairros residenciais de Bagdá; e Ramsey Clark relata que na principal cidade do sul do Iraque, Basra, civis estão sendo alvejados e mortos em grande número. Preocupado que mais dessas reportagens possam abalar o mote de que “Não Morre Ninguém”, o Pentágono emitiu um ataque preventivo contra tais revelações, garantindo-nos que nunca, nunca, visamos civis, que nossos pilotos se esforçaram e até se sacrificaram para evitar atingir civis, mas que às vezes – mesmo com bombas de precisão “inteligentes” – há um inevitável “dano colateral” (como “efeito colateral” na medicina?) de civis, e de qualquer forma é tudo culpa daquele malvado Saddam Hussein por colocar alvos militares perto de áreas civis. Oh. Como em Hiroshima e Nagasaki, certo?

Mesmo quando uma bomba inteligente matou 400 civis, foi tudo culpa de Saddam.

O que aconteceu com os especialistas?

Outro aspecto curioso da guerra é: o que diabos aconteceu com os especialistas, com todos aqueles especialistas militares e estratégicos em quem todos confiamos para um julgamento sóbrio sobre assuntos mundiais? Antes de 16 de janeiro, a maioria dos especialistas parecia correta: eles advertiram severamente que lançar uma guerra seria decididamente desaconselhável, e que uma guerra terrestre seria ainda pior. Então, Bush sopra o apito na noite de 16 de janeiro, e os especialistas mudaram totalmente de opinião. A partir daí, é: Viva a alta tecnologia! Mísseis! B-52s! Destrua-os! Ninguém no mundo pode resistir a isso! Vamos vencer a guerra em dez dias, duas semanas no máximo!

Essa súbita mudança de atitude de especialistas se deu em duas partes. Uma parte eram os mesmos especialistas mudando de tom em poucas horas. Mas em outra parte, muitos dos antigos especialistas foram dispensados e substituídos por novos — a equipe B. De repente, os sóbrios e pensativos Brzezinskis e o almirante Le Rocques e Carrolls se foram, e a segunda equipe de coronéis aposentados estúpidos é promovida para cantar uma vitória iminente. Isso é uma coincidência?

Além disso, o que aconteceu com aquela fascinante edição pré-guerra do programa de debates Crossfire, quando o ex-secretário da Marinha James Webb e o especialista militar do Chicago Tribune, programados para debater a possibilidade de um alistamento militar, surpreendeu tanto Pat Buchanan quanto Michael Kinsley ao concordarem que o Exército e a Força Aérea dos EUA não estavam equipados para lutar uma guerra do Golfo por mais de quatro semanas. Depois de ganhar um breve holofote nas notícias, este tema foi descartado e nunca mais mencionado. O que esses dois dizem agora? Mentes curiosas gostariam de saber.

Penando

Penso que a estratégia militar dos EUA, desde o US Grant, tem sido obstinada, tediosa e sem imaginação. Mencken escreveu uma vez que os americanos adoram se gabar das vitórias militares dos EUA, mas que nos certifiquemos, antes de iniciar qualquer guerra, de que superamos o inimigo em pelo menos cinco para um. E então, em todas as guerras, acumulamos os homens e o poder de fogo, e apenas desgastamos o inimigo até vencer – algo como os odiados New York Giants fazem no futebol americano. [Ou a Itália no futebol. N. do T.] Com algumas exceções, como o General Patton, estratégia e surpresas brilhantes são deixadas para a oposição.

Nesta guerra, até agora todas as surpresas vieram novamente de Saddam, que apesar de estar em grande desvantagem numérica – em poder de fogo, mas não em homens no campo de batalha – está constantemente mantendo o gigante americano nervoso, confuso e no limite. “Por que ele está deitado?” ou “Por que ele não disparou todos os seus mísseis Scud ou decolou todos os seus aviões de uma vez? (para que possamos identificá-los).” “Por que ele despejou todo aquele petróleo? Meu Deus, ele é pior que a Exxon!” (Talvez porque insistimos em embargá-lo. O que mais ele deveria fazer com esse petróleo além de nos confundir, nos atrasar, talvez até mesmo acabar com as usinas de dessalinização na Arábia Saudita? O cérebro de Saddam, afinal, não foi manipulado pelo Movimento Ambientalista.)

Mas temos uma resposta de relações públicas muito eficaz para qualquer surpresa que Saddam possa causar. A ladainha sem fim: “Estamos dentro do cronograma. Está tudo dentro do cronograma.”

Não-eventos dramáticos da guerra

  1. Ataques de gás. Com todo o alvoroço sobre máscaras de gás, distribuição de máscaras de gás, treinamento de seu uso em salas fechadas, agitação constante em Israel e na Arábia Saudita, nenhum ataque com gás ainda ocorreu. Que tal esperar até que algo aconteça antes de coloca-las em todos os lugares? Ou isso é pedir demais da nossa guerra de Nintendo?
  2. “Terrorismo”. (Ataques contra civis ocidentais ou israelenses, isto é, não contra civis iraquianos.) O grande jornalista da Velha Direita Garet Garrett analisou o imperialismo dos EUA na década de 1950 como um “complexo de medo e vaidade”. Sua análise foi infelizmente confirmada em abundância. Por um lado, gabar-se sem fim: Viva os EUA! Nós o pegamos, vamos destruí-lo, vamos chutar sua bunda! Por outro lado, medroso, covarde, lamúrias intermináveis ​​sobre o potencial “terrorismo”. As viagens despencaram, as medidas de segurança foram reforçadas em todos os lugares. Meu Deus: se você fosse um terrorista iraquiano, afinal com recursos estritamente limitados, você planejaria seu primeiro ataque assim: “OK, vamos pegar o Shubert Theatre em Nova York!” E todas as bobagens sobre o Super Bowl! Ei pessoal, vocês acham que alguém fora dos EUA dá a mínima para futebol americano? Eles têm coisas mais urgentes para pensar ou para atingir.

E em todo o papo furado e tagarelice sobre “terrorismo iraquiano”, ainda não houve um incidente terrorista! (“Cuidado! Ele está aguardando!”) Na verdade, o único incidente autêntico até agora – a bomba no número dez da Downing Street – foi cometido, não pelos árabes malvados, mas pelo bom e velho Exército Republicano Irlandês, que antecedeu Saddam por cerca de setenta anos. Novamente: que tal esperar até que um incidente confirmado ocorra antes de espalhar esse suposto problema por todas as primeiras páginas?

Além disso, você percebe que eles nunca pegaram aqueles famosos “assassinos líbios barbudos”, que supostamente se infiltraram em nosso território para pegar o presidente Reagan? Onde eles estão agora?

E o que aconteceu com a “Guerra às Drogas”?

Resposta: Quem precisa de mais de uma guerra ao mesmo tempo?

Um pequeno apelo

Por favor, por favor, alguém, em algum lugar, não fará algo para tirar do ar o homem onipresente com o nome improvável de “Wolf Blitzer”? Eu sei que é uma coisa pequena para pedir em meio às grandes loucuras e tragédias desta guerra, mas seria tão… esplêndido.

Acusando o movimento anti-guerra de ser comunista

O movimento conservador (fora os paleos) me lembra um boxeador que deveria ter se aposentado por invalidez devido aos traumas que anos de pancadas causaram no seu cérebro, mas permanece no ringue por várias lutas a mais do que deveria. Quando ele ouve o sino, tudo o que ele consegue fazer é olhar ao redor descontroladamente, balançar os braços sem rumo e chamar os outros de comunistas. A Human Events recentemente tentou fazer isso apontando misteriosamente e corretamente que a Coalizão anti-guerra de Ramsey Clark é dominada pelo Partido Mundial dos Trabalhadores, um grupo marxista-leninista. Ela apontou misteriosamente que a Coalizão deixou de condenar a invasão do Kuwait. Em seguida, tentou fazer uma analogia com os marxistas-leninistas que se opuseram à Guerra do Vietnã, na esperança de criar uma Ásia marxista-leninista e, eventualmente, um mundo marxista-leninista.

Muito fraco, gente. É verdade que o Partido Mundial dos Trabalhadores (PMT), que se originou há muito tempo durante o início da divisão comunista soviético-chinesa, são organizadores demoníacos e dirigem a Coalizão Clark. Mas e daí? O PMT, uma dissidência pró-maoísta do trotskismo, tem cerca de cinquenta membros e não é uma ameaça para ninguém. Seu Líder Máximo, teórico e organizador é Sam Marcy, e seu organizador e editor é Dierdre Griswold. Eles nunca tiveram influência no trotskismo ou no leninismo, muito menos na América como um todo. Sua eficácia vem do fato de terem decidido desde cedo abandonar a argumentação teórica abstrusa e se concentrar na organização prática e nas manifestações de rua contra toda e qualquer guerra dos EUA. Mas para ver a imbecilidade da analogia com o Vietnã, reflita sobre isso: ninguém, mas ninguém mesmo, nem mesmo os camaradas Marcy ou Griswold, está escrevendo cartas um para o outro assinadas, “Cordialmente, por uma América Baathista”. Ninguém quer modelar os EUA ou o mundo segundo a política de Saddam. Entendeu?

Além disso, uma análise cuidadosa da reação da esquerda a essa guerra vai totalmente contra essa reação conservadora padrão. Na verdade, podemos até usar a posição sobre a guerra para descobrir quem na esquerda esteve na órbita comunista o tempo todo e quem foi verdadeiramente independente. Muitos esquerdistas proeminentes proclamaram o que só poderia ser chamado de linha Gorby-Soviética, ou seja, que Saddam deve ser detido, que é maravilhoso ter a ONU novamente lutando por uma Nova Ordem Mundial, que deveria haver sanções contra o Iraque; mas que Bush está sendo muito jingoísta e indo longe demais na guerra. Tomemos, por exemplo, Alexander Cockburn, o último da velha esquerda não reconstruída, cujos escritos sobre política e política externa dos EUA antes de 2 de agosto de 1990 eram radicais, vigorosos e deliciosamente satíricos e duros. Mas desde 2 de agosto, Cockburn de repente se tornou judicioso, escrevendo artigos enfadonhos e tediosos na Nation, denunciando a “extrema esquerda” por atacar a guerra de Bush e o imperialismo dos EUA e por ignorar as vastas complexidades da nova era. Na verdade, uma das muitas vítimas da Guerra do Golfo foi a escrita outrora fascinante de Cockburn.

Então, o que isso lhe sobre quem são os marxistas-leninistas? Em contraste, agora deve ficar claro, se alguma vez foi obscuro, que esquerdistas anti-guerra convictos como Erwin Knoll, editor do Progressive, ou Ramsey Clark, nunca deveriam ter sido acusados de serem comunistas, e são pessoas verdadeiramente independentes.

Conspiração do apoio as Forças Armadas?

Certamente, um dos principais beneficiários da guerra até agora foi a indústria do apoio as Forças Armadas. Algum jornalista intrépido se debruçou sobre esta questão: quem são os maiores promotores do apoio as Forças Armadas? Eles têm algum vínculo com os Trilateralistas? Os Bilderbergers? Com Neil Bush ou qualquer um dos outros pequenos Bushes? E como essa coisa amarela começou afinal?

Existe alguma possibilidade de fazermos uma campanha de anti-apoio as Forças Armadas?

O direito a um julgamento rápido

E quando, ah, quando o general Manuel Noriega (lembra dele? Ele foi o “Hitler” do ano passado) vai receber seu direito constitucional a um julgamento público e rápido?

O herói de guerra como problema permanente

Entre as consequências funestas de quase todas as vitórias militares americanas está o Herói de Guerra que emerge da guerra e depois nos atormenta por anos como presidente. A Revolução Americana nos trouxe o Alto Federalismo e George Washington, a Guerra Mexicana nos deu o Presidente General Zachary Taylor, a Guerra Civil o regime podre do Presidente U.S. Grant, e a Segunda Guerra Mundial nos trouxe Ike Eisenhower, que firmou o New-Fair Deal sobre a nação em um momento em que havia uma boa chance de se livrar dele. (A Primeira Guerra Mundial não nos deu heróis militares, mas elevou Herbert Hoover à fama política e, eventualmente, à sua presidência desastrosa. Hoover foi o Czar da Alimentação apropriadamente chamado durante a economia coletivizada da Primeira Guerra Mundial.)

Se os EUA obtiverem uma Vitória Gloriosa curta e sem baixas nesta guerra (ou se, com a mesma eficácia, os relações-públicas de Washington forem capazes de persuadir a mídia deslumbrada e as massas iludidas de que essa Vitória Gloriosa ocorreu), então quem serão os Heróis de Guerra que emergirão desta guerra para nos atormentar nos próximos anos?

George Bush, graças a Deus, é muito velho, a menos, é claro, que os teóricos políticos neoconservadores consigam se livrar da emenda anti-Terceiro Termo e ele possa ser eleito presidente vitalício. O general Kelly tem uma voz muito rouca (ser desclassificado no quesito intelectual não é mais uma barreira para o mais alto cargo). O general Schwarzkopf é muito gordo e tem uma aparência de bandido. Brent Scowcroft é muito velho e, além disso, não tem carisma. Ficamos com: Dick Cheney, que tenho certeza que está disposto a carregar este fardo, e o general Colin Powell, que poderia ser nosso primeiro presidente de Ação Afirmativa, um evento que colocaria toda a Esquerda Cultural, de progressistas de esquerda a neocons e libertários de esquerda, em estado de êxtase. Quais, você pergunta, são suas opiniões sobre qualquer coisa? Certamente você brinca; ninguém nunca fez essa pergunta a nenhum dos outros heróis de guerra. Sabemos que ele usa seu uniforme com elegância e aparece bem na televisão; o que mais alguém iria querer?

Um cenário de pesadelo para 1996

Caso ninguém esteja preocupado com problemas mais imediatos, aqui está um excelente nome para 1996: quem deveria se tornar o herdeiro aparente de George Bush, para comandar todas as nossas vidas de janeiro de 1997 a janeiro de 2005: Dan Quayle ou General Colin Powell? Desculpe: Nenhuma das opções acima é uma opção permitida em nossa Democracia Gloriosa.

 

 

Artigo original aqui

[Escrito em março de 1991 para o Rothbard-Rockwell Report; reimpresso em The Irrepressible Rothbard (Auburn, Ala.: Mises Institute, 2000).]

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