O que os críticos do libertarianismo precisam saber

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libertarianismoEsse artigo tem como objetivo apresentar o libertarianismo e seus elementos centrais, percorrendo as suas principais críticas, feitas pelos seus opositores. A fim de abordar o maior número possível delas e, ao mesmo tempo, para não alongar muito o texto, recomendo ao leitor a consulta das notas no fim do texto para o acesso a mais referências e maiores detalhes na argumentação desse artigo.

A conclusão pela anarquia

Talvez a crítica mais comum que vemos nos textos que discutem criticamente o anarcocapitalismo é a que afirma que, para ele funcionar, todos deveriam seguir roboticamente o princípio da não-agressão (PNA). Em primeiro lugar, tal princípio não é a base do libertarianismo, como muitos parecem crer. Com efeito, todos os conflitos em sociedade surgem da nossa realidade de escassez, de modo que toda filosofia política que pretenda resolvê-los – e esse é o caso da filosofia libertária – precisará necessariamente especificar um dono para um recurso escasso e, assim, terá o seu PNA relativizado. Assim, se o estado socialista nacionaliza uma indústria, ele está afirmando a propriedade desses meios de produção. Proteção e respeito pelos direitos de propriedade não é, portanto, uma exclusividade do libertarianismo. O que distingue o libertarianismo são as suas regras particulares de designação de propriedade, sua visão sobre quem é o dono de cada recurso contestável, e como determinar isso.

Como uma filosofia política, o libertarianismo especifica duas regras básicas referentes ao controle de recursos escassos: (1) autopropriedade e (2) homesteading (apropriação natural). Assim, segundo o libertarianismo, cada pessoa possui seu próprio corpo, bem como todos os bens escassos que ele coloca em uso com a ajuda de seu corpo antes que qualquer outra pessoa o faça. Esta posse implica o direito de empregar esses bens escassos de qualquer maneira que se considere adequada, conquanto que, ao fazê-lo, não se agrida a propriedade de outrem, i.e., conquanto que não se altere, sem ser convidado, a integridade física da propriedade de terceiros ou se delimite o controle de terceiros sobre ela, sem o seu consentimento. Para os libertários, essas normas são necessárias e suficientes para resolver os conflitos em sociedade e qualquer norma adicional seria ilógica, pois apenas ampliaria os conflitos existentes, em vez de resolvê-los.[1] Idealmente, se todos seguirem e respeitarem esses princípios, os conflitos em sociedade– refiro-me sempre àqueles oriundos de uma realidade de escassez – cessarão. Porém, é claro que há, e sempre haverá, violação deles, como é razoável supor; do contrário toda essa teoria seria inútil. Daí surge o direito, entendido como disciplina subjugada à ética normativa, e que prevê a imposição legal da mesma. Os libertários defendem então exatamente isso: a livre concorrência de cortes privadas operando segundo teorias racionais de direito, o que significa que qualquer lei que amplie conflitos ao invés de resolvê-los deve ser classificada como contraditória e logicamente insustentável –  se o papel das normas é resolver conflitos, então qualquer lei que os amplie é como um hambúrguer que causa fome e desnutrição: uma contradição.

Assim como a democracia não requer que todas as pessoas sigam todos seus princípios e postulados para que ela seja colocada em prática, o libertarianismo também não requer que toda a sociedade siga as normas acima para que ele funcione e de fato, é partindo do pressuposto que isso não ocorrerá, que fazemos tais normas, bem como elaboramos teorias libertárias de direito. O ponto central é que, dado que o libertarianismo é completamente baseado na razão, todo indivíduo ou grupo de pessoas que queiram justificar uma pena ou identificar uma agressão com consistência lógica, terá de, necessariamente, passar pelas teorias legais libertárias. Mais ainda, como observa Stephan Kinsella,[2]

“O homem civilizado pode ser definido como aquele que persegue justificativas para o uso de violência interpessoal. Quando a necessidade inevitável em se engajar em violência surge – para defesa de sua vida ou propriedade – o homem civilizado procura justificativa. Naturalmente, já que essa procura por justificativas é feita por pessoas que são inclinadas à razão e à paz (justificação é, antes de tudo, uma atividade pacífica que necessariamente toma lugar durante o discurso), o que elas procuram são regras que sejam justas, potencialmente aceitas por todos, fundadas na natureza das coisas e universais, e que permitam o uso de recursos livre de conflitos.”

Eis a tese central dos libertários: uma ética e um direito racionais, livres de emotivismos e isentos de contradições. Quanto mais razão houver nas cortes judiciais do mundo, mais próximo ele estará do libertarianismo e, no limite, sempre que tivermos um direito completamente racional, estaremos no anarcocapitalismo, onde a justificação da punição a um criador de conflitos – i.e. aquele que não segue estritamente às normas libertárias de respeito à propriedade privada – é logicamente inatacável. E nesse caso, a anarquia – entendida lato sensu, em seu significado de dicionário – segue como mero corolário, por dois motivos essenciais: primeiro porque o estado necessariamente viola as normas libertárias ao reivindicar e exercer sistematicamente o monopólio da violência agressiva, que é estabelecido e mantido por meio do emprego sistemático de duas formas específicas de coerção: imposto, para a obtenção da renda para o estado, e a criminalização compulsória de agências de agressão defensivas (segurança) concorrentes dentro da extensão territorial conquistada pelo estado; em segundo lugar, se queremos isenção em contradições, precisamos rejeitar a ideia de uma agência compulsória de proteção uma vez que, sendo um monopólio forçado, ela vai arbitrar unilateralmente o preço da segurança e portanto vai iniciar todo o processo expropriando seus súditos – um protetor expropriador é uma contradição em termos. Além disso, toda norma que se propõe a evitar conflitos deve ser igualmente válida para todos, sem discriminações e privilégios, do contrário ela apenas vai ampliar conflitos ao invés de evitá-los. A regra do monopólio forçado de segurança claramente viola isto. O mesmo pode-se concluir sobre os impostos, já que os membros do estado não pagam imposto algum, já que toda a renda líquida dessas pessoas (após elas terem pagado seu imposto) advém do pagamento dos impostos feito por outras pessoas, de modo que eles são meros consumidores de impostos, cuja renda advém da riqueza roubada de terceiros: os produtores de impostos.[3]


Sobre anarquia e ordem

É consenso que, para ter capitalismo, é necessário que se garanta não só a propriedade privada, como também a liberdade de seu uso e a defesa da vida do proprietário. O principal erro dos estatistas “pró-mercado” é, a partir desse fato, sustentar a necessidade de um governo central ou, mais precisamente, de um monopólio da justiça e, consequentemente, da segurança e da taxação. Tal proposição tem dois grandes problemas: o primeiro, como já observado acima, é de natureza lógica, pois se há um monopólio forçado – de qualquer natureza – e se há impostos, então o monopolista está, com efeito, agredindo propriedades, em vez de protegê-las, como era proposto desde o início; em segundo lugar, da afirmação sobre capitalismo e propriedade não segue a existência de um governo: trata-se de uma falácia de non sequitur. De fato, se definirmos governo como um monopolista da justiça e da segurança, com o direito de taxar aqueles que vivem em seu território conquistado, então é possível citar alguns exemplos históricos que mostram a propriedade sendo protegida por arranjos de justiça que não derivam de um governo. Este é o caso da antiga República de Cospaia[4] e da Islândia Medieval[5].

Outra ilusão contida nos argumentos do tipo “é necessário que haja algum tipo de governo que garanta consenso geral em torno da propriedade” é que o estado é, ele mesmo, sustentado por puro consenso, pois uma vez que a crença em torno dele seja questionada por um número suficientemente grande de pessoas, ele entrará imediatamente em ruínas. Ludwig von Mises afirmou corretamente que a história dos homens em sociedade nada mais é do que a história das ideias e que para o bem vencer, basta que as ideias corretas sejam as predominantes. E de fato, a democracia e o estatismo só existem porque existe consenso em torno dessas ideias, mesmo elas sendo intrinsecamente equivocadas. É nesse sentido que atuam os libertários: resistindo ao nefasto relativismo moral e mostrando quais ideias devem prevalecer para que a injustiça sistematizada seja derrotada.

Portanto, não é a anarquia que levará a um consenso em torno da propriedade, mas sim o respeito à propriedade privada, como forma dominante de comportamento social, que levará à anarquia. Dito de outra forma, se a propriedade privada está garantida, então podemos contar com todos os outros aspectos da sociedade para sermos livres e prósperos. Contudo, podemos ainda tecer alguns comentários sobre como a ausência de planejamento central tende a gerar consensos em torno das normas de propriedade privada, mostrando que, ao contrário do que se comumente se pensa, é da ordem espontânea, e não dos governos, que veio o respeito às normas libertárias de propriedade.

A famosa objeção a isto é que, sem governo, “tudo é permitido”, que é geralmente expressa na crença de que a anarquia implicaria necessariamente em caos; tanto isso é verdade, que as duas palavras são frequentemente usadas como sinônimos. Essa tese, porém, não resiste a uma simples análise do mundo ao nosso redor, onde a experiência nos mostra que onde quer que tenha havido intervenção estatal, houve deterioração moral, queda no padrão de vida e estagnação tecnológica. A nossa sorte é que a maior parte das nossas vidas se desenrola de forma anárquica, sem intervenção governamental. Nossas decisões amorosas, nossas dietas, nossas ideias e, de modo geral, nossas escolhas pessoais ocorrem de forma totalmente desregulamentada, na maior parte do tempo. Apesar de vivermos sob inúmeras regras estatais estabelecidas de cima para baixo acerca do casamento, do funcionamento das empresas e de nossas relações de trabalho, uma ordem espontânea ainda permeia nosso cotidiano e é isso que nos garante o grau de civilidade que ainda temos. Jeffrey Tucker expressa esta ideia da seguinte forma:

“A anarquia está por toda a parte. Sem ela, nosso mundo ruiria. Todo o progresso é devido a ela. Toda a ordem deriva dela. Todas as coisas abençoadas, que se elevam acima do estado de natureza, devemos a ela. A raça humana só prospera por causa da ausência de controle e não por causa dele. Estou dizendo que precisamos de ainda mais ausência de controle para tornar o mundo um lugar mais belo. É um paradoxo que devemos explicar para sempre.”

Na verdade, não é um paradoxo, mas apenas uma aparente e curiosa singularidade da natureza humana, que inclusive já foi (e vem sendo) explicada por diversos autores austríacos, munidos das ferramentas da ciência econômica. Por exemplo, na abordagem hayekiana,[6] seguindo Hume,[7] a essência da lei não é criada pelo estado, mas sim preexiste nas convenções e entendimentos dos indivíduos que compõem uma determinada comunidade. Embora este consenso subjacente seja, em grande medida, convencional, na medida em que surge espontaneamente a partir das interações descentralizadas de muitas pessoas vivendo juntas em uma sociedade, ela está longe de arbitrária. Na verdade, novamente seguindo Hume, Hayek observa que cada sociedade pacífica, e em funcionamento, deve ter em seu núcleo um sistema de regras que tratam da propriedade, transferência e proteção da propriedade de outros, o que se convencionou chamar de propriedade, contrato, e direito penal. O fato de tal sistema de regras estar implícito se deve porque as sociedades que não tinham um tal sistema, seriam incapazes de impedir os conflitos sobre os recursos e recompensar o investimento, resultando na eliminação do grupo em uma competição estilo darwinista – entre diferentes grupos definidos por diferentes sistemas de regras. Indivíduos como consumidores, ou formando associações voluntárias como empresas, planejam e organizam suas vidas e, cooperando voluntariamente, geram o conjunto de hábitos, tradições, instituições e normas jurídicas que constituem o direito e tornam possível a própria sociedade. Já o governo é – por essência –  incapaz de planejar algo em virtude de seu caráter centralizado e coercitivo, o que o impossibilita de lidar com o enorme volume de informação disponível; e também pela natureza subjetiva, tácita e disseminada das informações relevantes ao planejamento. Ele apenas interfere e vive às custas do trabalho de seus súditos, sempre arrumado desculpas para justificar tal comportamento parasítico.


Justiça e segurança sob livre concorrência: mitos e verdades

Uma vez que a sociedade está livre para se organizar sem um sistema de coerção centralmente institucionalizado, resta a dúvida em torno da estabilidade e da possibilidade de um sistema de justiça e ordem para identificar e punir agressores. O principal problema aqui é que, uma vez que esse tema é muito incompreendido – até mesmo por autores libertários -, o vácuo criado pela desinformação é geralmente preenchido por espantalhos e desconfianças.

Antes de qualquer coisa, fazem-se necessárias algumas palavras sobre previsões acerca de como seria, em uma sociedade livre, a oferta de bens e serviços ofertados hoje por um monopolista coercitivo. A economia é uma ciência essencialmente contrafactual de modo que as previsões possíveis referem-se aos desajustes e efeitos da descoordenação social originados pela coação institucional (socialismo e intervencionismo) que se exerce sobre o mercado. Além disso, estas previsões são de natureza exclusivamente qualitativa e teórica, sempre de tipo genérico, e que dizem respeito apenas a tendências gerais. Como disse o economista austríaco Jesus Huerta de Soto:

“independentemente dos esforços feitos desde os tempos de Gustav de Molinari até o presente para imaginar como uma rede anarcocapitalista de agências de segurança e defesa privadas funcionaria, os teóricos defensores da liberdade jamais podem se esquecer de um simples detalhe: que o que nos impede de saber como será um futuro sem estado — que nada mais seria do que a natureza criativa do empreendedorismo em sua forma plena — é justamente aquilo que nos oferece a tranquilidade de saber que qualquer problema tenderá a ser superado, uma vez que as pessoas irão dedicar todo o seu esforço e criatividade tentando solucioná-lo.

[…] não há como saber hoje quais soluções empresariais um exército de indivíduos empreendedores aplicaria para problemas específicos — se eles tivessem permissão para tal. Não obstante, mesmo a mais cética das pessoas teria de admitir que “agora já sabemos” que o mercado, quando guiado por um empreendedorismo criativo, funciona — e funciona exatamente na medida em que o estado não intervém coercivamente nesse processo social.”[8]

Contudo vamos um pouco adiante e, munindo-nos de dados empíricos e históricos, conjecturar algumas tendências após uma hipotética desestatização. Ao contrário da opinião de alguns autores libertários como David Friedman e Robert Murphy,[9] creio que não existem motivos para considerarmos uma concorrência privada de leis, onde pessoas comprariam – i.e. “votariam”, via incentivos econômicos – pacotes de leis. A palavra lei no sentido dado a esses autores tampouco é adequada aqui, sendo a noção discutida acima a mais adequada quando tratamos de um contexto de ausência do estado. Geralmente as pessoas tendem a pensar na lei apenas como uma instituição que funciona de cima para baixo, como ocorre com o estado. A imposição estatal coercitiva de leis, regulações e proibições, a qual as pessoas estão acostumadas, constitui um fenômeno bastante recente. Antigamente, conceber as leis era tido como algo descoberto ao invés de feito, no sentido de que os princípios que constituem a justiça e pelos quais as pessoas vivem harmoniosamente juntas são derivados de uma combinação de (1) reflexões acerca de princípios atemporais e (2) aplicações práticas desses princípios a casos particulares. Entre alguns exemplos disso podemos citar a common law inglesa e as leis de mercado no fim da Alta Idade Média, onde mercadores e artesãos formaram burgos na periferia do sistema feudal, buscando escapar das obrigações e regulações políticas.[10] Podemos citar também, como uma tendência cada vez mais em voga, os serviços de arbitragem privados,  procurados por pessoas e empresas, como alternativa ao sistema da corte do governo, ocupado, em muitos casos, por nomeações políticas, que todos sabem ser ineficiente, demorado e frequentemente injusto.

Tendo em conta esses exemplos, podemos fazer um paralelo com o direito internacional, considerando, hipoteticamente, os países ao longo do globo como propriedades privadas (atenção aqui: como bem sabemos, os territórios sob controle de estados não configuram propriedades legítimas, pois não sofreram um processo de homesteading por parte dos autoproclamados “representantes” e nem por seus antepassados). Notemos que não existe um tomador último de decisões monopolista e, uma vez que eles entram em conflito, ou eles recorrem a um acordo prévio entre eles ou simplesmente recorrem a um árbitro independente, mas jamais um país interfere livre e legalmente dentro do território de outro. A diferença começa quando ocorre uma interferência objetiva e coercitiva, pois nesse caso o país “agredido” se comporta como vítima e ao mesmo tempo como uma agência protetora e, ele mesmo, se preciso, procederá com as retaliações necessárias. Sob uma ordem natural, essa tarefa de retaliação seria feita por uma agência de seguros, e é aí que os conceitos de justiça e segurança privadas se sobrepõem.

A justiça tende a ser feita por mútua negociação entre as agências seguradoras, indenizando os agredidos, punindo os agressores e recorrendo a uma arbitragem independente, caso não haja consenso.[11] E uma vez que a agressão é necessariamente objetivamente determinada, obtemos uma tendência natural para a ética libertária prevalecer: apenas crimes com vítimas são assim considerados e devidamente punidos. Já a legislação ocorrerá dentro de cada propriedade privada, de acordo com as vontades e interesses de cada proprietário. Cada um deles determinará suas regras particulares para o melhor usufruto de suas propriedades, da mesma forma que ocorre ao longo do globo, onde há quase 200 países, cada um com seus sistemas legais, cujas diferenças chegam a ser gritantes. Contudo, nós continuamos nossas vidas cotidianas e até mesmo visitamos e fazemos negócios com nações estrangeiras, sem muitos problemas. Como já explicado acima, há uma tendência geral para uniformizar as leis, ao menos no que é fundamental para as relações humanas. Um exemplo interessante de lei privada feita para facilitar relações comerciais, entre diferentes jurisdições, é a Lei Mercante — o sistema sem monitoramento do direito comercial do estado que evoluiu durante o final da Idade Média e início da Renascença — que foi capaz de competir, com sucesso, com os tribunais estatais precisamente porque oferecia um sistema mais confiável e uniforme do que seus concorrentes estatais. Não é difícil de encontrar a razão: um sistema fundado na competição e financiado voluntariamente precisa agradar seus clientes, enquanto um monopólio estatal, que proíbe a concorrência e extrai suas receitas pela força, não enfrenta tal incentivo.

Obviamente, poderá haver injustiças e não haverá garantias sobre a estabilidade desse arranjo – como já ocorre no arranjo em que vivemos hoje: a iminência de uma terceira guerra mundial é uma evidência disso. Contudo essa consideração particular se faz absurda pois, para que tal preocupação, uma vez já vivemos sob os mandos de uma uma agência monopolista e coercitiva de segurança, em sua versão mais cruel e sofisticada: o estado social democrata? Em outro artigo,[12] em que tratei especificamente dessa questão e, acerca da estabilidade de um arranjo de livre cooperação, escrevi:

“Podemos contudo tecer alguns pontos acerca do arranjo privado que nos levam a crer que o cenário será bem mais harmônico e satisfatório do que o estatista. Em primeiro lugar, uma vez assegurado o direito absoluto sob propriedades, nada impedirá os cidadãos de se armarem em seus territórios. Estatísticas mostram que civilizações mais armadas têm menores taxas de criminalidade: eis um dos principais motivos práticos de se defender o armamento civil. Como bem lembrou Benjamin Franklin, “quando todas as armas forem propriedade do governo e dos bandidos, estes decidirão de quem serão as outras propriedades”. A própria descentralização da segurança e do armamento já é, por si só, uma medida bastante eficaz de segurança.

Além disso, diferentemente do caso estatal, dada uma livre entrada no setor de segurança, podemos trocar de agências sem precisar nos mudar de território, tornando mais difícil o abuso de poder por parte das seguradoras. Mais ainda, quanto mais agências existirem, menor será esse risco e somente o livre mercado dará garantias que isso ocorra da forma mais eficiente. Finalmente, uma agência que soluciona suas disputas concorrenciais na base da força terá sérios problemas financeiros, não importa quantas batalhas vença. Batalhas são caras, além de perigosas para os clientes cujos territórios de morada se tornassem zonas de guerra. Os clientes vão procurar um protetor menos audacioso e, sem eles, o dinheiro para financiar as guerras cessará.”

Por fim, é importante salientar que, mesmo com o fim do estado, não há motivos para crer que a causa libertária – como explicada na primeira parte desse artigo – perderá a importância. Não há garantias de que as injustiças cessem e, portanto, se vier a surgir qualquer máfia “privada” ou agência seguradora operando de modo irracional, os libertários deverão, com efeito, proceder da mesma forma como o fazem hoje com o estado: educando as pessoas e denunciando seus crimes e suas injustiças até que elas cessem por completo. O libertarinismo não é apenas uma filosofia política anti-estado, mas uma teoria legal, que, dentre outras implicações, determina a ilegitimidade de monopólios de segurança e justiça.

 

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Notas

[1] Para mais sobre esse assunto referente à Ética Libertária, recomendo a abordagem de Hans-Hermann Hoppe que pode ser lida nesse ou nesse texto ou ainda nessa palestra de Hans-Hoppe em vídeo.

[2] Essa citação foi retirada desse artigo de Stephan Kinsella que é recomandado para entender maiores detalhes sobre as duas normas libertárias expostas aqui. O artigo também é rico em excelentes referências para quem desejar se aprofundar mais no assunto.

[3] Para mais detalhes sobre a imoralidade dos impostos bem como do mito acerca dos seus supostos retornos à sociedade veja esse artigo.

[4] A pequena república de Cospaia prosperou na Itália central por aproximadamente quatrocentos anos sem governo algum. Lá, conflitos eram resolvidos pelos chefes das famílias ou pelo padre local. Os árbitros eram escolhidos pela sua integridade e não por suas conexões políticas. Não há indicação alguma de que Cospaia era um lugar violento. Para mais sobre tal república veja esse artigo.

[5] Na Islândia Medieval – de aproximadamente 860 a 1280 d.C. –, a vítima de uma agressão era responsável pela execução legal, sozinha ou com o auxílio de outras pessoas e, neste último caso, ela poderia procurar por pessoas mais poderosas – chefes de clãs, por exemplo – e repartir o ressarcimento com elas. O ressarcimento por um dano causado era considerado um bem transferível como qualquer outro. Se você tivesse me causado algum dano, e eu me considerasse fraco demais para forçá-lo a ressarcir-me, poderia eu vender ou simplesmente dar o poder de cobrar o ressarcimento a alguém mais forte. A partir daí seria interesse dele cobrar o ressarcimento, seja por seu valor econômico, seja pela possibilidade de estabelecer uma reputação como “cobrador”. Para mais detalhes acesse aqui.

[6] Ver Hayek, F.A., 1973. Law, Legislation and Liberty, Volume 1: Rules and Order. University of Chicago Press, p. 162.

[7] Ver Hume, D., 1740. A Treatise of Human Nature. Book III. London: John Noon, p. 541.

[8] Citação retirada do artigo “Liberalismo Clássico vs Anarcocapitalismo”, disponível aqui.

[9] Para ver as exposições de Robert Murphy e David Friedman, acesse aqui e aqui, respectivamente.

[10] Para mais detalhes, veja: Pirenne, Henri (1969). Medieval cities: their origins and the revival of trade. Frank D. Halsey (trans.). Princeton University Press.

[11] Uma análise mais detalhada dessa abordagem de agências de seguro pode ser encontrada no artigo “A Produção Privada de Serviços de Segurança” de Hans-Hermann Hoppe disponível aqui.

[12] Esse texto – disponível aqui – foi escrito para discutir a questão sobre a estabilidade de arranjos privados de segurança e justiça, porém é também recomendado para outras análises sucintas de temas abordados nesse texto como exemplos de sociedades sem justiça central, origem do estado e viabilidade de arranjos privados de segurança e ordem. Recomendo também a leitura dos textos linkados nas notas dele.

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