Sistema bancário de reservas fracionárias (Parte II)

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Já descrevemos uma parte do afastamento contemporâneo do dinheiro sólido e de livre mercado na direção do dinheiro estatizado e inflacionado: a abolição do padrão-ouro por Franklin Roosevelt em 1933 e a substituição das notas de papel fiduciário pelo Federal Reserve como nosso “padrão monetário”. Outra parte crucial desse processo foi a cartelização federal dos bancos do país através da criação do Sistema de Reserva Federal em 1913.

A atividade bancária é uma parte particularmente arcana do sistema econômico; um dos problemas é que a palavra “banco” abrange muitas atividades diferentes, com implicações muito diferentes. Durante a era renascentista, os Médicis na Itália e os Fuggers na Alemanha, eram “banqueiros”; a atividade bancária deles, no entanto, não era apenas privada, mas também teve início, pelo menos, como uma atividade legítima, não inflacionária e altamente produtiva. Essencialmente, estes eram “comerciantes-banqueiros”, que começaram como comerciantes proeminentes. No curso de seu comércio, os comerciantes começaram a conceder crédito a seus clientes e, no caso dessas grandes famílias banqueiras, a parte de crédito ou “bancária” de suas operações acabou ofuscando suas atividades mercantis. Essas empresas emprestavam dinheiro de seus próprios lucros e poupanças, e ganhavam juros com os empréstimos. Foram, portanto, canais para o investimento produtivo de suas próprias economias.

Na medida em que os bancos emprestam suas próprias poupanças, ou mobilizam as economias de outros, suas atividades são produtivas e irrepreensíveis. Mesmo em nosso sistema bancário comercial atual, se eu comprar um CD (“certificado de depósito”) de US$ 10.000 resgatável em seis meses, ganhando um certo retorno de juros fixos, estou pegando minhas economias e emprestando-as a um banco, que por sua vez as empresta a uma taxa de juros mais alta, sendo o diferencial os ganhos do banco para a função de canalizar a poupança para as mãos de tomadores de crédito dignos ou produtivos. Não há nenhum problema com esse processo.

O mesmo vale para as grandes casas de “banco de investimento”, que se desenvolveram à medida que o capitalismo industrial floresceu no século XIX. Os banqueiros de investimento tomariam seu próprio capital, ou capital investido ou emprestado por outros, para garantir empresas que reunissem capital vendendo títulos a acionistas e credores. O problema com os banqueiros de investimento é que um de seus principais campos de investimento era a garantia de títulos públicos, o que os mergulhou profundamente na política, dando-lhes um poderoso incentivo para pressionar e manipular os governos, para que os impostos fossem cobrados para pagar os títulos públicos deles e de seus clientes. Daí, a poderosa e nefasta influência política dos banqueiros de investimento nos séculos XIX e XX: em particular, os Rothschilds, na Europa Ocidental, e Jay Cooke e a Casa de Morgan, nos Estados Unidos.

No final do século XIX, os Morgans assumiram a liderança na tentativa de pressionar o governo dos EUA a cartelizar as indústrias em que estavam interessados – primeiro as ferrovias e depois a manufatura: para proteger essas indústrias das tormentas da livre concorrência e usar o poder do governo para permitir que essas indústrias restringissem a produção e aumentassem os preços.

Em particular, os banqueiros de investimento atuaram como um grupo de pressão para impulsionar a cartelização dos bancos comerciais. Até certo ponto, os banqueiros comerciais emprestam seu próprio capital e dinheiro adquirido por CDs. Mas a maioria dos bancos comerciais é “banco de depósitos” com base em um golpe gigantesco: a ideia – que a maioria dos depositantes acredita – de que seu dinheiro está no banco, pronto para ser resgatado em dinheiro vivo a qualquer momento. Se João tem uma conta corrente de US$ 1.000 em um banco local, João sabe que se trata de um “depósito à vista”, ou seja, que o banco se compromete a lhe pagar US$ 1.000 em dinheiro, sob demanda, sempre que ele quiser “sacar seu dinheiro”. Naturalmente, os Joãos deste mundo estão convencidos de que seu dinheiro está em segurança lá, no banco, para eles sacarem a qualquer momento. Por isso, eles consideram sua conta corrente como equivalente a um recibo de depósito. Se eles colocarem uma cadeira em um armazém antes de viajar, eles esperam receber a cadeira de volta sempre que apresentarem o recibo. Infelizmente, enquanto os bancos dependem da analogia do depósito, os depositantes são sistematicamente iludidos. O dinheiro deles não está lá.

Um armazém honesto certifica-se de que as mercadorias confiadas aos seus cuidados estão lá, em seu depósito ou cofre. Mas os bancos operam de forma muito diferente, pelo menos desde os dias de bancos de depósito como os Bancos de Amsterdã e Hamburgo no século XVII, que de fato funcionavam como armazéns e lastreavam todos os seus recibos integralmente pelos ativos depositados, por exemplo, ouro e prata. Este depósito honesto ou “giro” bancário é chamado de banco “100 por cento reserva”. Desde então, os bancos têm criado habitualmente recibos de depósito (originalmente notas e agora depósitos) do nada. Essencialmente, eles são falsificadores de falsos recibos de depósito em dinheiro vivo ou dinheiro padrão, que circulam como se fossem notas genuínas ou contas correntes. Os bancos ganham dinheiro literalmente criando dinheiro do nada, hoje em dia exclusivamente depósitos em vez de notas. Esse tipo de estelionato ou falsificação é dignificado pelo termo “sistema bancário de reservas fracionárias”, o que significa que os depósitos bancários são lastreados por apenas uma pequena fração do dinheiro vivo que prometem ter em mãos e resgatar. (Atualmente, nos Estados Unidos, essa fração mínima é fixada pelo Federal Reserve System em 10%.)

Sistema bancário de reservas fracionárias

Vejamos como funciona o processo de reserva fracionária, na ausência de um banco central. Montei um Banco Rothbard e invisto US$ 1.000 em dinheiro vivo (se ouro ou papel do governo não importa aqui). Então eu “empresto” US$ 10 mil para alguém, seja para gastos do consumidor ou para investir no negócio dele. Como posso “emprestar” muito mais do que tenho? Ahh, essa é a magia da “fração” na reserva fracionária. Eu simplesmente abro uma conta corrente de US$ 10.000 que estou feliz em emprestar ao Sr. José. Por que José me empresta? Bem, por um lado, posso cobrar uma taxa de juros mais baixa do que os poupadores. Eu não tenho que economizar o dinheiro sozinho, mas simplesmente posso falsificá-lo do nada. (No século XIX, eu teria sido capaz de emitir notas, mas o Banco Central agora monopoliza as emissões de notas.) Como os depósitos à vista no Banco Rothbard funcionam como equivalentes a dinheiro vivo, a oferta monetária do país acaba de aumentar, por mágica, em US$ 10.000. O processo inflacionário e de falsificação está em curso.

O economista inglês do século XIX Thomas Tooke afirmou corretamente que “o livre comércio bancário equivale ao livre comércio em fraude”. Mas, em um ambiente de liberdade, e sem apoio do governo, há alguns problemas severos nesse processo de falsificação, ou no que tem sido chamado de “sistema bancário livre”. Primeiro: por que alguém deveria confiar em mim? Por que alguém deveria aceitar os depósitos em cheque do Banco Rothbard? Mas, em segundo lugar, mesmo que eu fosse confiável, e eu fosse capaz de enganar e obter a confiança dos crédulos, há outro problema grave, causado pelo fato de que o sistema bancário é competitivo, com entrada livre no setor. Afinal, o Banco Rothbard é limitado em sua clientela. Depois que José pegar depósitos de cheques emprestados de mim, ele vai gastá-lo. Por qual outro motivo alguém pagaria por um empréstimo? Mais cedo ou mais tarde, o dinheiro que ele gasta, seja para férias, seja para expandir seus negócios, será gasto em bens ou serviços de clientes de algum outro banco, digamos o Banco Rockwell. O Banco Rockwell não está particularmente interessado em manter contas correntes no meu banco; ele quer reservas para poder piramidar a sua própria falsificação em cima de reservas de dinheiro vivo. E assim, se, para simplificar, o Banco Rockwell receber um cheque de US$ 10.000 no Banco Rothbard, ele vai exigir dinheiro vivo para que possa fazer alguma pirâmide inflacionária de falsificação própria. Mas, eu, claro, não posso pagar os US$ 10 mil, então estou acabado. Falido. Desmascarado. Com justiça, eu deveria estar na cadeia como estelionatário, mas pelo menos meus falsos depósitos de cheques e eu estamos fora do jogo, e fora da oferta de dinheiro.

Assim, sob livre concorrência, e sem apoio e fiscalização do governo, haverá apenas espaço limitado para a falsificação de reservas fracionárias. Os bancos poderiam formar cartéis para se sustentarem uns aos outros, mas geralmente os cartéis no mercado não funcionam bem sem a fiscalização do governo, sem que o governo reprima os concorrentes que insistem em acabar com o cartel, neste caso, liquidando os bancos concorrentes.

Banco Central

Daí o ímpeto dos próprios banqueiros de fazer com que o governo cartelize sua indústria por meio de um banco central. O Banco Central teve início com o Banco da Inglaterra na década de 1690, espalhou-se para o resto do mundo ocidental nos séculos XVIII e XIX e, finalmente, foi imposto aos Estados Unidos pelo cartel bancário através do Sistema de Reserva Federal de 1913. Particularmente entusiasmados com o Banco Central estavam os banqueiros de investimento, como os Morgans, pioneiros na ideia de cartel, e que a essa altura já haviam se expandido para o banco comercial.

No banco central moderno, o Banco Central recebe o monopólio da emissão de cédulas (recibos de depósito originalmente escritos ou impressos, em oposição aos recibos intangíveis de depósitos bancários), que agora são idênticos ao papel-moeda do governo e, portanto, ao “padrão” monetário no país. As pessoas querem usar dinheiro físico, bem como depósitos bancários. Se, portanto, eu quiser resgatar US$ 1.000 em dinheiro do meu banco corrente, o banco tem que ir ao Federal Reserve e sacar sua própria conta corrente no Fed, “comprando” US$ 1.000 de Notas do Federal Reserve (o dinheiro nos Estados Unidos hoje) do Fed. O Fed, em outras palavras, atua como um banco de banqueiros. Os bancos mantêm depósitos correntes no Fed e esses depósitos constituem suas reservas, sobre as quais eles podem e fazem pirâmide dez vezes o valor em dinheiro do talão de cheques.

Veja como funciona o processo de falsificação no mundo de hoje. Digamos que o Federal Reserve, como de costume, decida que quer expandir (ou seja, inflar) a oferta monetária. O Federal Reserve decide entrar no mercado (chamado de “mercado aberto”) e comprar um ativo. Não importa o ativo que ele compra; o importante é que ele emite um cheque. O Fed poderia, se quisesse, comprar qualquer ativo que quisesse, incluindo ações corporativas, edifícios ou moeda estrangeira. Na prática, ele quase sempre compra títulos do governo americano.

Vamos supor que o Fed compre US$ 10.000.000 em títulos do Tesouro dos EUA de algum negociante de títulos do governo “aprovado” (um pequeno grupo), digamos o Shearson, Lehman em Wall Street. O Fed emite um cheque de US$ 10.000.000, que dá a Shearson, Lehman em troca de US$ 10.000.000 em títulos americanos. Onde o Fed consegue os US$ 10.000.000 para pagar Shearson, Lehman? Ele cria o dinheiro do nada. Shearson, Lehman só pode fazer uma coisa com o cheque: depositá-lo em sua conta corrente em um banco comercial, digamos o Chase Manhattan. A “oferta monetária” do país já aumentou em US$ 10.000.000; a conta corrente de mais ninguém diminuiu. Houve um aumento líquido de US$ 10.000.000.

Mas este é apenas o início do processo inflacionário e de falsificação. Pois o Chase, Manhattan está encantado em receber um cheque do Fed e corre para depositá-lo em sua própria conta corrente no Fed, que agora aumenta em US$ 10.000.000. Mas essa conta corrente constitui as “reservas” dos bancos, que agora aumentaram em todo o país em US$ 10.000.000. Mas isso significa que o Chase Manhattan pode criar depósitos com base nessas reservas, e que, à medida que cheques e reservas escoam para outros bancos (assim como os depósitos do Banco Rothbard), cada um pode adicionar seu tostão inflacionário, até que o sistema bancário como um todo tenha aumentado seus depósitos à vista em US$ 100.000.000, dez vezes a compra original de ativos pelo Fed. O sistema bancário tem permissão para manter reservas no valor de 10% de seus depósitos, o que significa que o “multiplicador de dinheiro” – a quantidade de depósitos que os bancos podem expandir em cima das reservas – é de 10. Uma compra de ativos de US$ 10 milhões pelo Fed gerou muito rapidamente um aumento de dez vezes e US$ 100.000.000 na oferta monetária do sistema bancário como um todo.

Curiosamente, todos os economistas concordam com a mecânica desse processo, embora discordem fortemente sobre a avaliação moral ou econômica desse processo. Mas, infelizmente, o público em geral, não induzido aos mistérios da atividade bancária, ainda persiste em achar que o seu dinheiro permanece “no banco”.

Assim, o Federal Reserve e outros sistemas de bancos centrais atuam como gigantescos criadores e executores de um cartel bancário; o Fed salva os bancos em apuros e centraliza e coordena o sistema bancário para que todos os bancos, sejam eles o Chase Manhattan, ou os bancos Rothbard ou Rockwell, possam inflacionar juntos. Sob o sistema bancário livre, um banco que se expandisse além da expansão praticada por seus companheiros correria o risco de falência iminente. Agora, sob o Fed, todos os bancos podem expandir juntos e proporcionalmente.

“Seguro de Depósito”

Mas, mesmo com o apoio do Fed, o sistema bancário de reservas fracionárias se mostrou instável, e assim o New Deal, em 1933, acrescentou a mentira do “seguro de depósito bancário”, usando a palavra benigna “seguro” para mascarar uma fraude. Quando o sistema de poupança e empréstimo caiu por água no final da década de 1980, o “seguro de depósito” da FSLIC [Federal Savings and Loan Insurance Corporation] foi desmascarado como pura fraude. O “seguro” era simplesmente o termo “fumaça” para o nome sem respaldo do governo federal. Os pobres contribuintes finalmente salvaram os S&Ls, mas agora ficamos com o outrora santo FDIC [Federal Deposit Insurance Corporation], para os bancos comerciais, que agora é cada vez mais visto como instável, já que o próprio FDIC tem menos de 1% do enorme número de depósitos que “assegura”.

A própria ideia de “seguro de depósitos” é um estelionato; como segurar uma instituição (o sistema bancário de reservas fracionárias) que é inerentemente insolvente, e que desmoronará sempre que o público finalmente entender o estelionato? Suponhamos que, amanhã, o público americano de repente tomasse conhecimento do estelionato bancário, e fosse aos bancos amanhã de manhã, e, em uníssono, exigisse dinheiro vivo. O que aconteceria? Os bancos ficariam instantaneamente insolventes, uma vez que só poderiam reunir 10% do dinheiro vivo que devem aos seus perplexos clientes. Nem o enorme aumento de impostos necessário para socorrer a todos seria palatável. Não: a única coisa que o Fed poderia fazer, e isso estaria em seu poder, seria imprimir dinheiro suficiente para pagar todos os depositantes bancários. Infelizmente, no estado atual do sistema bancário, o resultado seria um mergulho imediato nos horrores da hiperinflação.

Suponhamos que o total de depósitos bancários segurados seja de US$ 1.600 bilhões. Tecnicamente, no caso de uma corrida aos bancos, o Fed poderia exercer poderes de emergência e imprimir US$ 1,6 bilhão em dinheiro vivo para dar ao FDIC para pagar os depositantes bancários. O problema é que, encorajados por esse resgate maciço, os depositantes prontamente redepositariam os novos US$ 1.600 bilhões nos bancos, aumentando as reservas bancárias totais em US$ 1.600 bilhões, permitindo assim uma expansão imediata da oferta monetária pelos bancos em dez vezes, aumentando o estoque total de dinheiro bancário em US$ 16 trilhões. Seguir-se-ia rapidamente a inflação galopante e a destruição total da moeda.

 

 

 

 

Publicado originalmente como parte dois de uma série de três artigos no The Freeman, setembro-novembro de 1995.

2 COMENTÁRIOS

  1. Moderadores do Instituto Rothbard o Fed poderia aumentar o compulsório de 10% para 90% o que anularia essa superexpansão de depósitos/ créditos e com o tempo enxugaria esse dinheiro gradualmente fazendo operações compromissadas com títulos públicos e títulos próprios e fazendo isto por que daria errado tal manobra?

  2. Se o Fed elevasse o compulsório para 90% ele eliminaria a possibilidade de uma hiperinflação, mas geraria uma contração de crédito que provocaria falência e desemprego no setor produtivo e tornaria a rolagem da dívida pública insustentável? Seria isto?

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