A impotência do conhecimento na ciência econômica

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Tornou-se moda entre os economistas referir-se ao conhecimento como uma explicação milagrosa para todos os tipos de fenômenos e processos. Enquanto Hayek (e os hayekianos) é conhecido pelo “problema do conhecimento”, os mainstreamers também contam com uma vaga conceituação de conhecimento (especificamente, a falta dele) para explicar processos econômicos importantes. Ambas as teorias de crescimento exógeno e endógeno, por exemplo, sugerem que o “conhecimento” explica o crescimento de uma economia e, portanto, a prosperidade da sociedade.

O conhecimento é certamente importante para todos os tipos de coisas. A falta de conhecimento, afinal, é ignorância – e a ignorância não é um meio apropriado para nada. No entanto, o conhecimento é problemático por duas razões principais: o conceito é mal definido (muito amplamente, significando indistintamente) e é, do ponto de vista do valor, trivial e insignificante.

Não deve haver dúvida de que o conhecimento das coisas, como o conhecimento tecnológico, é útil na produção de bens. O conhecimento de técnicas de produção eficazes é muito ampliado por meio da adoção e intensificação da divisão do trabalho. O conhecimento também é um componente necessário para automatizar os processos de produção e aliviar a mão de obra, desenvolvendo capital produtivo (ferramentas, máquinas, etc.).

Da mesma forma ocorre com o conhecimento científico, que fundamenta, informa e inspira as tecnologias usadas na produção. Esse conhecimento sugere a nós – como produtores – o que é possível e, portanto, quais soluções podemos razoavelmente produzir.

Mises discute o conhecimento científico e tecnológico em Ação Humana. Eles são certamente importantes tanto para a economia quanto para a sociedade. Em retrospecto, parece que a prosperidade da sociedade se correlaciona com (ou talvez tenha sido causada pelo) o acúmulo de conhecimento, especialmente como “incorporado no capital” (como é comumente expresso). No entanto, a correlação, como muitas vezes somos lembrados, não implica causalidade. Este é o caso aqui, que os economistas devem ser os primeiros a reconhecer.

A sociedade (civilização) se beneficia do conhecimento, mas, em última análise, não se baseia nele. Embora haja mais conhecimento no mundo hoje, e sejamos em geral mais civilizados do que antes, isso é mera correlação. O que torna a sociedade próspera e civilizada é, como Mises nos lembra, uma questão de produção sob a divisão do trabalho. A divisão do trabalho é intensificada à medida que os empreendedores imaginam e tentam novas formas de produzir bens – e novos bens para fornecer aos consumidores. O conhecimento tecnológico é útil aqui, porque permite ao empreendedor descobrir o que é possível. Mas esse conhecimento é uma questão de custo. O objetivo do empreendedorismo e, portanto, o que impulsiona a economia, não é o custo, mas o valor. Mises observa:

              “A tecnologia e as considerações que dela derivam seriam de pouca utilidade para o agente homem, se não fosse possível introduzir nos seus esquemas técnicos os preços em moeda dos bens e serviços. Os projetos e desenhos dos engenheiros seriam exercícios meramente acadêmicos, se não pudessem comparar custo e receita em relação a uma mesma base. Um pesquisador teórico, na solidão de seu laboratório, não se preocupa com essas questões triviais; só se preocupa com as relações causais entre os vários elementos do universo. Mas o homem prático, ávido em melhorar suas condições de vida, diminuindo o seu desconforto tanto quanto possível, deve saber se, nas condições existentes, o que planeja é o melhor método — ou mesmo se é um método — para tornar a vida menos desconfortável. Deve saber se o que pretende realizar será uma melhoria em relação à situação presente ou em relação às vantagens esperadas de outros projetos tecnicamente possíveis que não podem ser realizadas porque o seu projeto absorverá os meios disponíveis. Tais comparações só podem ser feitas recorrendo-se ao uso de preços monetários.”

O que Mises aponta aqui é que a tecnologia – na verdade, o conhecimento dela – não é realmente útil para decidir quais projetos realizar, quais produtos produzir ou como usar melhor os recursos escassos. Na verdade, mais conhecimento do que é possível apenas aumenta o número de maneiras possíveis de agir. Mas não fornece nenhuma indicação de qual é (será) de maior valor. Como Mises observa em relação aos relatórios financeiros, que dão suporte a tomada de decisão delegada dentro das empresas:

          “Qualquer assessoramento dado ao empresário neste particular é apenas de caráter ancilar; os especialistas em direito, estatística e tecnologia fornecem informações de como transcorreram as coisas no passado, mas a decisão final que implica sempre um julgamento quanto ao futuro estado do mercado cabe exclusivamente ao empresário.”

É o julgamento de valor do empreendedor que explica suas ações. E são os respectivos julgamentos dos empreendedores sobre a capacidade criativa de valor de seus projetos que justificam sua licitação por fatores de produção e, consequentemente, determinam seus preços de mercado. O valor, como Menger nos ensinou, é desconhecido e, portanto, incerto até que um bem seja usado por um consumidor. Consequentemente, o conhecimento pode desempenhar pouco (ou nenhum) papel na direção do processo de mercado, que é motivado, inspirado e dirigido por expectativas de criação de valor.

O conhecimento, devemos, portanto, concluir, não é “o” problema da economia. A falta de conhecimento, é claro, afeta os atores, assim como a falta de recursos, mas é a engenhosidade e a imaginação dos atores que constroem para eles visões de valor, que eles buscam alcançar usando o conhecimento disponível. O conhecimento tecnológico não causa – ou mesmo direciona – a criação de valor. E o conhecimento do valor é gerado por meio do consumo, ponto em que esse conhecimento específico já está obsoleto – ele não pode guiar (mas pode inspirar) os esforços de produção.

O conhecimento de valor só é útil em ação em circunstâncias estáticas. Ou seja, na Economia Uniformemente Circular ou equilíbrio geral. Ele é impotente no mundo real.

 

 

 

 

Artigo original aqui

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