5. Secessão como caminho para a autodeterminação

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Um dos mais consistentes entusiastas defensores dos direitos humanos e dos “direitos naturais” no século XX foi o economista e historiador Murray Rothbard. Autodenominado libertário, Rothbard também se encaixaria bem entre os liberais mais radicais do século XIX, como o economista belga-francês Gustave de Molinari e o anarquista americano Lysander Spooner.

Como Spooner – um abolicionista da Nova Inglaterra que defendia a dissolução dos Estados Unidos através da secessão – Rothbard apoiava a “descentralização radical” do estado. De fato, Rothbard considerava a secessão e outras formas de descentralização como centrais para limitar o poder dos estados soberanos – o que ele considerava fundamental para diminuir os abusos infligidos pelos regimes à população.

Por exemplo, em maio de 1969, Rothbard publicou um editorial no Libertarian Forum endossando a candidatura a prefeito de Norman Mailer. Especificamente, Rothbard endossou o apoio de Mailer à ideia de descentralizar o gigantesco governo da cidade de Nova York em vários governos de bairro muito menores. Rothbard também presumivelmente gostou da ideia de Mailer de “que a cidade de Nova York se separasse do estado de Nova York e formasse um 51º estado”. Descentralizar o governo de Nova York, concluiu Rothbard, era:

     uma posição não apenas consistente com o desmembramento de grandes órgãos governamentais, mas também com o crucial princípio libertário da secessão. A secessão é uma parte crucial da filosofia libertária: que cada estado possa se separar da nação; cada subestado, do estado; cada bairro, da cidade e, logicamente, cada indivíduo ou grupo, do bairro.[1]

Mais tarde, em um editorial de 1977 apoiando a secessão de Quebec do Canadá, Rothbard escreveu:

     Há duas razões positivas para o libertário torcer pela conquista iminente da Independência de Quebec. Em primeiro lugar, a secessão – a fragmentação de um estado por dentro – é um grande bem em si mesmo para qualquer libertário. Significa que um estado central gigante está sendo dividido em partes constituintes; significa uma maior concorrência entre governos de diferentes áreas geográficas, permitindo que as pessoas de um estado atravessem a fronteira para obterem uma liberdade relativamente maior mais facilmente; e exalta o poderoso princípio libertário da secessão, que esperamos estender da região para a cidade, para o quarteirão para o indivíduo.[2]

Encontramos nas páginas do Fórum Libertário inúmeros apelos à secessão em todo o mundo. Rothbard escreveu editoriais apoiando a secessão de Biafra da Nigéria. Ele lamentou a intervenção dos EUA no “movimento de secessão” de Moise Tschombe no que hoje é a República Democrática do Congo, e que levou a “um Congo artificialmente centralizado”.[3]

Em 1983, Rothbard apoiou a separação do Chipre grego do Chipre turco, denunciando o apelo do estado norte-americano à unidade. Rothbard perguntou: “Por que a minoria turca no Chipre não deveria ter o poder de se separar e estabelecer sua própria república?” (grifo no original).[4]

Tudo isso está de acordo com passagens do livro Poder e Mercado, de Rothbard. No capítulo sobre “Defesas no Mercado Livre”, Rothbard observou que quase ninguém alega que, para funcionar, a sociedade humana requer que um único estado imponha um sistema justo de direito. Na verdade, muitos reconhecem que o estabelecimento de um único megaestado global possui muitas desvantagens. Assim, dado que é aceitável que haja mais de uma entidade política, o princípio deve ser meramente expandido até o nível mais básico possível:

     Se o Canadá e os Estados Unidos podem ser nações separadas sem serem denunciados como estando em um estado de “anarquia” inadmissível, por que o Sul não pode se separar dos Estados Unidos? E o estado de Nova Iorque da União? Nova York do estado? Por que Manhattan não pode se separar? Cada bairro? Cada quarteirão? Cada casa? Cada pessoa?[5]

Nem é preciso dizer que Rothbard está do lado a favor da secessão neste debate.

Durante a década de 1990, Rothbard apoiou inúmeros casos de secessão durante o rompimento da antiga Cortina de Ferro, incluindo nos Estados Bálticos, Eslovênia e Tchecoslováquia. Em 1994, ele continuou a pressionar pela dissolução da antiga União Soviética e de todos os outros grandes estados – incluindo os Estados Unidos – afirmando:

   Em suma, todo grupo, toda nacionalidade, deve ter permissão para se separar de qualquer estado-nação e se juntar a qualquer outro estado-nação que concorde com isso.[6]

Mas se Rothbard considerava a liberdade individual como o valor político mais importante – não confundir com o valor mais importante em geral – por que ele considerava a secessão tão importante? Afinal, a secessão, por si só, não garante mais liberdade aos habitantes da nova e menor jurisdição.

Rothbard promoveu a secessão por duas razões principais: primeiro, ele a considerou como uma tática útil para avançar em direção ao seu ideal de liberdade individual máxima. Em segundo lugar, mesmo quando esse ideal não é alcançado, a descentralização tem valor porque os estados menores são menos capazes de exercer o poder de monopólio do que os estados grandes.

Descentralização nos aproxima da independência política individual

Rothbard observou que o propósito de se separar no nível do bairro e além era avançar em direção à verdadeira independência política individual:

     Mas, é claro, se cada pessoa pode se separar do governo, chegamos virtualmente à sociedade puramente livre, onde a defesa é suprida com todos os outros serviços pelo livre mercado e onde o estado invasor deixou de existir.[7]

Nisso, Rothbard não estava fazendo uma observação nova, mas levando um argumento anteriormente feito pelo economista laissez-faire Ludwig von Mises à sua conclusão natural. Em Liberalismo (1927), Mises escreveu sobre a necessidade de um governo altamente localizado como meio de “autodeterminação”. Sua visão surgiu do problema de garantir que grupos minoritários não fossem oprimidos por outros grupos que formavam uma maioria dentro de uma jurisdição maior. Mises escreve:

    Entretanto, o direito de autodeterminação de que falamos não é o direito de autodeterminação das nações, mas, antes, o direito de autodeterminação dos habitantes de todo o território que tenha tamanho suficiente para formar uma unidade administrativa independente. Se, de algum modo, fosse possível conceder esse direito de autodeterminação a toda pessoa individualmente, assim teria sido.[8]

Mises sugeriu que isso poderia ser realizado através da secessão:

     quando os habitantes de um determinado território (seja uma simples vila, todo um distrito, ou uma série de distritos adjacentes) fizeram saber, por meio de um plebiscito livremente conduzido, que não mais desejam permanecer ligados ao estado a que pertenciam na época, mas desejam formar um estado independente ou se ligar a algum outro estado, seus anseios devem ser respeitados e cumpridos.[9]

Por sua vez, Mises aparentemente achava muito difícil – em termos de implementação no mundo real – conceder autodeterminação “a cada pessoa individual”, mesmo que a separação fosse moralmente preferível.[10] Rothbard também considerava esse tipo de descentralização total para o indivíduo uma empreitada de difícil realização. Assim, ele apoiou a secessão como uma estratégia que movia a sociedade na direção adequada:

     Na pendência da privatização total, fica claro que nosso modelo poderia ser abordado, e os conflitos minimizados, permitindo secessões e controle local, até o nível de microvizinhança, e desenvolvendo direitos contratuais de acesso para enclaves e exclaves. Nos EUA, torna-se importante, ao caminhar para uma descentralização tão radical, que libertários e liberais clássicos – na verdade, para muitos outros grupos minoritários ou dissidentes – comecem a colocar a maior ênfase na esquecida Décima Emenda e tentem decompor o papel e o poder da Suprema Corte centralizadora. Em vez de tentar levar pessoas de sua própria convicção ideológica à Suprema Corte, seu poder deve ser revertido e minimizado na medida do possível, e seu poder decomposto em órgãos judiciais estaduais, ou mesmo locais.[11]

Isso parecerá bastante radical para muitos americanos. No entanto, para esses teóricos, é importante pelo menos avançar na direção de um controle mais localizado como meio de limitar o poder do estado e expandir as prerrogativas e escolhas individuais. Como Mises, Rothbard argumentou que um governo menor e mais descentralizado tornava mais provável que os indivíduos pudessem viver em uma comunidade que refletisse mais de perto suas preferências e necessidades individuais. Ou seja, a secessão é uma ferramenta para aumentar a “autodeterminação” tanto para comunidades voluntárias quanto para indivíduos.

Estados menores são estados menos opressivos

A segunda razão pela qual Rothbard defendia a secessão e a descentralização radical era sua crença de que os estados pequenos eram menos capazes de exercer poder sobre aqueles que viviam dentro de suas fronteiras.

Como ele observou no Libertarian Forum, Rothbard considerou uma coisa boa que os estados menores facilitassem os esforços individuais para cruzar “a fronteira para uma liberdade relativamente maior”. Além disso, quanto menores os estados se tornam, menos culturalmente isolados eles são, e menos eles são capazes de promover o mito de que os estados podem tornar seu povo melhor mediante barreiras ao comércio e a troca:

     Uma resposta comum a um mundo de nações em proliferação é a preocupação com a multiplicidade de barreiras comerciais que podem ser erguidas. Mas, outras coisas sendo iguais, quanto maior o número de novas nações, e quanto menor o tamanho de cada uma, melhor. Pois seria muito mais difícil semear a ilusão de autossuficiência se o slogan fosse “Compre apenas produtos feitos na Dakota do Norte” ou mesmo “Compre apenas produtos feitos na Rua 56” do que agora convencer o público a “Compre apenas produtos feitos nos Estados Unidos”. Da mesma forma, “Boicotes produtos da Dakota do Sul”, ou a fortiori, “Boicotes produtos da Rua 55”, seria mais difícil de emplacar do que espalhar medo ou ódio aos japoneses. Da mesma forma, os absurdos e as infelizes consequências do papel-moeda fiduciário seriam muito mais evidentes se cada província, bairro ou quarteirão imprimisse sua própria moeda. Um mundo mais descentralizado teria muito mais probabilidade de recorrer a commodities de mercado sólidas, como ouro ou prata, para ser seu dinheiro.[12]

Foi essa “maior competição entre governos de diferentes áreas geográficas” que Rothbard considerou como um ganho líquido para os indivíduos.

Afinal, como observou o historiador Ralph Raico,[13] muitos historiadores econômicos, em meados da década de 1970, aceitaram a noção de que a competição entre um grande número de unidades políticas havia sido um fator importante na ascensão da Europa a uma região de relativa riqueza material e relativa liberdade política. Os historiadores E.L. Jones,[14] Jean Baechler[15] e Douglass North[16] no final dos anos 1970 haviam publicado novos trabalhos afirmando que foi a ausência de uma única entidade política dominante na Europa – isto é, a relativa “anarquia política” da Europa – que levou a uma maior liberdade política, portanto, mais prosperidade econômica.

É provável que Rothbard estivesse ciente disso, e nisso o reconheceu como suporte empírico para o que era, em muitos aspectos, o senso comum: um mundo de uma multidão de estados oferece mais opções e mais vias de fuga para aqueles que sofrem a opressão política.

Pesquisas posteriores continuaram a apoiar essa posição. Desde o fim da Guerra Fria, os estados menores da Europa têm se notabilizado por serem mais abertos ao livre comércio que os maiores, e os estados menores reduziram suas taxas de impostos para atrair capital. De fato, a presença dessa competição tributária também derrubou as alíquotas de impostos em estados maiores. Também na África, os estados menores se mostraram politicamente mais estáveis, mais livres e menos inclinados a terem economias controladas.

Em ambos os aspectos, a experiência sugere que Rothbard estava certo. Por exemplo, é difícil ver como estonianos, poloneses e eslovenos estariam de alguma forma melhor se ainda estivessem acorrentados a seus antigos senhores em Moscou ou Belgrado. Enquanto isso, a experiência continua a apoiar a noção de que são estados pequenos e microestados que continuam a oferecer liberdade, escolha e abertura de um tipo nem sequer contemplado por grandes estados como a China, ou mesmo a Alemanha.

 

 

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Notas

[1] Murray N. Rothbard, “Mailer for Mayor”, The Libertarian Forum, 15 de maio de 1969, p. 17.

[2] Murray N. Rothbard, “Vive Le Quebec Libre”, The Libertarian Forum, janeiro de 1977, p. 8.

[3] Murray N. Rothbard, “US Out of Angola!”, The Libertarian Forum, janeiro de 1976, p. 1.

[4] Murray N. Rothbard, “Reagan War Watch”, The Libertarian Forum, novembro-dezembro de 1983, p. 8.

[5] Murray N. Rothbard, “Nações por consentimento’, The Journal of Libertarian Studies 11, no. 1 (outono de 1994).

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] Ludwig von Mises, Liberalism: A Socio-Economic Exposition (Kansas City, Mo.: Sheed Andrews e McMeel, 1962), p. 109.

[9] Ibidem.

[10] Mises certamente estava familiarizado com o fato de que plebiscitos já haviam sido usados em inúmeras ocasiões para aprovar movimentos de independência e a anexação de territórios por estados maiores. No início do século XX, a ideia de realizar eleições locais para resolver disputas fronteiriças ou a inclusão de uma região dentro de uma determinada entidade política era tudo menos nova. O uso de plebiscitos dessa forma remonta pelo menos aos anos da Revolução Francesa, quando o estado francês usou plebiscitos nos enclaves dos Estados Pontifícios dentro da França, e em outros territórios. Outros exemplos incluem um plebiscito de 1905 em que os eleitores noruegueses aprovaram a secessão da Suécia, e o plebiscito de independência da Islândia em 1919. Para mais exemplos do século XIX, ver Sarah Wambaugh, A Monograph on Plebiscites: With a Collection of Official Documents (Nova York: Carnegie Endowment for International Peace, 1920). Plebiscitos também foram usados inúmeras vezes desde que Mises escreveu essas palavras. Por exemplo, em 1964, os eleitores malteses aprovaram a independência do Reino Unido em um plebiscito. Em 1990, a Eslovênia declarou independência da Iugoslávia via plebiscito. A nova república eslovena finalmente conquistou a independência após a quase incruenta Guerra dos Dez Dias. Na esteira do colapso da União Soviética, plebiscitos foram realizados em várias repúblicas soviéticas, incluindo a Ucrânia e os Estados Bálticos. Fora da Europa, é claro, muitos outros plebiscitos de secessão foram realizados ao longo do século XX como parte do processo de descolonização na África e na Ásia.

[11] Rothbard, “Nações por Consentimento”.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem.

[14] E.L. Jones, O Milagre Europeu (Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 2003).

[15] Jean Baechler, As origens do capitalismo (Oxford, Reino Unido: Basil Blackwell, 1975).

[16] Douglass Norte. “O Paradoxo do Ocidente”, in The Origins of Modern Freedom in the West, ed. R.W. Davis (Palo Alto, Califórnia: Stanford University Press, 1995).

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