Os acadêmicos e a monopolização das decisões políticas

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A presente reflexão se propõe a ser um texto provocativo sobre um dos dogmas mais recorrentes do debate político, o dogma da subserviência à palavra dos especialistas em matéria de políticas públicas.

É bem possível que você nunca o tenha percebido como uma das crenças enraizadas da sociedade. Ainda assim o tal dogma está lá, disfarçado sob a máscara de um “não dogma”. Sua malícia vem da capacidade de conferir a políticos e formadores de opinião um status de inquestionabilidade, pois aqueles que duvidam da palavra do especialista são imediatamente rotulados de ignorantes, de inimigos da ciência ou de outros adjetivos impublicáveis.

Tempos atrás essa reflexão poderia passar por mera curiosidade filosófica. Em contrapartida, em tempos de coronavírus essa é uma discussão bastante pertinente, tanto mais em um contexto em que coisas triviais como sair e trabalhar começam a depender da concordância de um especialista.

Nossa crítica se concentra naqueles que atribuem aos titulados pela academia uma aura de sacralidade e infalibilidade que só encontra eco na teologia papal. Não é uma crítica dirigida ao conhecimento científico propriamente dito, mas sim à falibilidade muito convenientemente ignorada de algumas de suas personalidades mais influentes.

Enfim, você descobrirá que a versão pós-moderna do argumento de autoridade, o “argumentum ad Currículo Lattes” se revelará tão frágil quanto um castelo de cartas.

De início, fazemos questão de pontuar diversos dos pecados que povoam o universo acadêmico, dentre eles o viés de confirmação, fraudes recorrentes e a metodologia nem sempre confiável das ciências sociais.

No que tange ao mencionado viés de confirmação e a possibilidade de fraude, tal não consiste em uma novidade para o universo científico. O que talvez seja novidade é trazer esses conceitos para o público leigo, menos acostumado à falibilidade da classe dos doutores. Já no que tange à crítica aos métodos de análise e pesquisa das ciências humanas… esse sim é um tema capaz de provocar grandes animosidades.

A princípio, parece um contrassenso afirmar isso de uma área de estudo, mas há bastantes evidências de que algumas das teses mais populares das ciências sociais entrariam em colapso se confrontadas com o mais leve ceticismo.

Foi pensando nisso que um grupo de acadêmicos conduziu um experimento para testar o rigor das publicações científicas sociológicas. Na ocasião, três pesquisadores elaboraram 20 estudos falsos, repletos de erros e conclusões ilógicas, mas alinhados com a ideologia dominante nesse campo. Resultado: sete dos estudos foram aceitos para publicação e um deles chegou a receber um prêmio. O grupo formado por Peter Boghossian, James A. Lindsay e Helen Pluckrose buscava demonstrar que qualquer porcaria conseguiria ser publicada se corroborasse com o viés dos chamados “estudos de ressentimento”, que são as teorias esquerdistas que problematizam questões de gênero, sexualidade e assuntos correlatos.

O grupo teve seis artigos rejeitados e sete devolvidos para correções e esclarecimentos, o que indica a intenção dos editores de publicá-los.

Um dos artigos devolvidos para revisão e posterior publicação defendia a incorporação de horóscopos à astronomia, como forma de reduzir o machismo, a homofobia e o etnocentrismo dessa ciência; um artigo aceito, publicado e premiado afirmava que a interação entre humanos e cães nos parques públicos da cidade de Portland oferecia um  laboratório de pesquisa para a “cultura de estupro” predominante.

Este último artigo, “Human Reactions to Rape Culture and Queer Performativity in Urban Dog Parks in Portland, Oregon” (“Reações Humanas à Cultura de Estupro e Performatividade Queer em Parques Urbanos de Portland, Oregon”) – aceito pelo periódico “Gender, Place & Culture: A Journal of Feminist Geography” – foi confrontada pela Real Peer Review, ironicamente uma conta do Twitter dedicada a denunciar e expor exemplos de trabalhos acadêmicos de má qualidade.

Outro exemplo de ausência de seriedade das pesquisas de gênero deu-se no caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro e as polêmicas envolvendo a chamada pesquisa científica sobre lesbocídio.

O incidente gira em torno do universitário Daniel Reynaldo, um jovem que compareceu a uma apresentação acadêmica na UFRJ para questionar o que segundo ele eram inconsistências na pesquisa que calculava a porcentagem de lesbocídio.

Segundo reportagem da Gazeta do Povo, quando se abre inscrição para perguntas da plateia, Daniel faz estes dois questionamentos:

  1. Para o ano de 2017, a pesquisa registrara 17 casos de suicídios de lésbicas no Brasil. Naquele mesmo ano, houve aproximadamente 11 mil suicídios em geral. Diante dessa proporção, não seria exagerado qualificar como alarmante o número de suicídios de lésbicas?
  2. Embora a pesquisa listasse vários casos explícitos de lesbocídio, as informações veiculadas na imprensa sobre a maior parte deles não davam prova de motivação lesbofóbica. As autoras poderiam explicar melhor os critérios adotados para se chegar às conclusões?

Já na segunda pergunta, as vaias começam. Daniel passa a ser violentamente hostilizado e ofendido. “Lesbofóbico! Asqueroso! Babaca! Palhaço!” são algumas das ofensas (as mais leves) que sofre. Por várias vezes, ordenam-lhe que cale a boca. A segurança do prédio é chamada com o objetivo de expulsá-lo dali.

Depois do incidente Daniel procurou até por meio de processos conseguir acesso aos dados da pesquisa, o que sempre lhe foi negado. Depois disso as autoras o processaram por perseguição à comunidade LGBT e por promover posições nazistas.

Para além da problemática das ciências sociais, é possível avançar a discussão indo para outras áreas onde há imensa quantidade de estudos publicados com problemas de rigor metodológico ou fraude pura e simples.

Por exemplo: em 2014 a Nature revelou que as editoras de revistas científicas Springer e IEEE removeram mais de 120 artigos publicados entre 2008 e 2013. Elas descobriram que cada um deles era jargão sem sentido, todos gerados automaticamente por computador.

Os textos foram elaborados com um programa do MIT chamado SCIgen; qualquer pessoa pode baixá-lo e usá-lo. Ele foi criado em 2005 para provar que conferências acadêmicas constantemente aceitam estudos sem qualquer sentido.

Por exemplo, um dos trabalhos publicados, vindo de uma conferência de engenharia na China, é intitulado “TIC: Uma metodologia para a construção do e-commerce”. Vago, mas parece plausível. Só que o resumo já causa estranheza:

“Nos últimos anos, muitos estudos vêm se dedicando à criação de chaves públicas e privadas de criptografia; por outro lado, poucos sintetizaram a visualização do problema do produtor-consumidor. Dado o estado atual de arquétipos eficientes, importantes analistas notoriamente desejam uma emulação do controle de congestionamento de rede, que incorpora os princípios fundamentais de hardware e arquitetura. Em nossa pesquisa, nós concentramos nossos esforços em refutar que planilhas podem ser compactas ou feitas com base em conhecimento e empatia.”

Basicamente, algo saído de um gerador de lero-lero. Segundo a Nature, a maioria dos trabalhos veio de conferências que aconteceram na China, e a maior parte tem autores com filiações chinesas.

O problema é que os estudos, supostamente, são revisados por pares: eles passam pelo escrutínio de um ou mais estudiosos com mesmo escalão que o autor.

E se alguém cogita que publicações em áreas como ciências biológicas estão livres desse problema, então pense de novo. A pesquisadora holandesa Elisabeth Bik fez fama desmascarando fraudes em imagens usadas em estudos biológicos.

Além do meio acadêmico, o talento da pesquisadora já provocou constrangimento em outros setores, como a imprensa. A centenária revista National Geographic, por exemplo, foi alvo da investigação de Bik, que identificou manipulações em imagens de fotojornalistas mundialmente respeitados, como Beth Moon e Steve McCurry. As fotos continham edições e duplicações visando aumentar seu impacto e eliminar elementos redundantes.

Elisabeth Bik, então pesquisadora da Universidade de Stanford, levantou quase 35 mil casos de duplicação e manipulação de imagens em pesquisas de saúde e literatura médica. Suas descobertas foram publicadas em julho em artigo na revista Molecular and Cellular Biology, dos Estados Unidos.

O problema tão pouco é restrito ao baixo clero acadêmico. A revista científica britânica Nature revogou recentemente o prêmio de “mentor” que havia concedido ao bioquímico espanhol Carlos López-Otín, em 2017, após identificar irregularidades em 18 estudos publicados por sua equipe da Universidade de Oviedo.

Os exemplos aqui citados não esgotam o tema. Em grande parte as informações são recortes de outras publicações jornalísticas que abordaram o tema, das quais fizemos uma abordagem resumida. Os problemas encontrados com as pesquisas problemáticas envolvem desde

projeções alarmistas da mudança climática até estatísticas mequetrefes de mortes por homofobia utilizadas como justificativas de programas governamentais, pelo que muito ainda poderia ser dito para elucidar a questão. No entanto, Uma análise exauriente do problema foge ao propósito introdutório deste texto.

Antes de concluirmos, sabemos que nunca é demais reforçar: nossa proposta não se trata de um ataque a ciência propriamente dita, mas ao sequestro dela por demagogos políticos. Diga-se de passagem, uma coisa é o físico nerd colidindo partículas na Suíça, outra bem diferente é o marxista que tenta transformar em ciência seus delírios sobre o patriarcado e a dívida histórica. Nada impede, todavia, que ambos tenham conclusões equivocadas por inobservância do método científico ou por fraude propriamente dita.

Considerado em si mesmo, o método científico é uma dádiva. Disso porém não se segue que os Doutores sejam necessariamente sábios e o povo necessariamente burro. Muito menos quer dizer que os Doutores devem monopolizar as decisões políticas. É totalmente irracional considerar como irrefutável qualquer coisa que um especialista tenha afirmado em um programa de entrevistas na TV.

Se alguém quer te reduzir a subserviência, ainda que se baseando em um paper, o que ele está fazendo não é ciência, é proselitismo político, é pseudociência.

 

Fontes:

Pegadinha desmascara falta de rigor dos estudos acadêmicos sobre sexo.

Salsichas acadêmicas: o caso do dossiê sobre lesbocídio.

120 artigos científicos foram criados em “gerador de lero-lero” e ninguém percebeu.

Pesquisadora encontra mais de 1,3 mil fraudes em imagens de revistas científicas.

Nature retira prêmio de cientista por suspeita de manipulação de imagens em pesquisas.

Biomedicina: fraudes aumentam em estudos científicos.

Climategate: Escândalo abala comunidade científica.

Estudo diz que chocolate emagrece, mas tudo não passava de uma farsa.

 

3 COMENTÁRIOS

  1. Excelente texto, cuja conclusão, pela qual peço desculpas ao autor devido a simplicidade da mesma, é que temos “comido muito gato por lebre”.
    Diria também que são muitos “doutores”, “professores” e “cientistas” a fazerem declarações, as mais variadas possíveis como se verdades fossem, baseados nos seus vieses ideológicos.
    Muito nada de coisa nenhuma, ou seja, blá, blá, blá.
    Parabéns ao autor por ser tão delicado nesta abordagem.
    Dolor

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